Agressões ao Planeta
Especial
Um olhar sobre o futuro

Contra as previsões apocalípticas,
há uma esperança: a inventividade
humana pode mudar tudo


Monica Weinberg


A ânsia de antever o futuro é uma característica da espécie humana tão forte quanto a de procurar uma lógica, um padrão nos fenômenos naturais e sociais. Essa segunda característica permitiu que os homens olhassem para as estrelas e enxergassem constelações. A primeira produziu os profetas, abriu caminho para o charlatanismo dos videntes e para o trabalho mais sério dos chamados cenaristas, os profissionais das previsões econômicas. O catastrofismo parece ser uma terceira marca da humanidade. Em todas as eras as pessoas emprestaram o ouvido a quem anunciasse o fim da comida, da água, do ar – enfim, do mundo. A novidade é o fato de as previsões terem aumentado sobremaneira seu grau de acerto. As modelagens matemáticas feitas com a ajuda de computadores são a mais confiável janela para o futuro já colocada à disposição da humanidade. A ciência ambiental é uma das maiores beneficiadas. Para projetar os rumos do aquecimento global ou a sobrevida da era do petróleo, robustos computadores processam mais de 1 milhão de dados – em média, 200 vezes mais do que há apenas três décadas. Já é possível também traçar cenários levando em conta sutilezas do comportamento humano. Numa previsão sobre quanto restará de água potável no planeta, considera-se o que parece ser o detalhe do detalhe: que a taxa de desperdício varia de acordo com a faixa etária e a classe social de cada pessoa.

A credibilidade aumentou. Mas prever o futuro continua sendo uma atividade não totalmente à prova de falhas. Isso é bom por um lado, pois as desgraças associadas ao aquecimento global podem não se materializar. Os especialistas concordam que uma razão decisiva para os equívocos é a impossibilidade de medir os efeitos do avanço tecnológico, cada vez mais veloz. Estima-se que a produção científica tenha dobrado de tamanho a cada ano nas últimas décadas. Quem diria que os carros brasileiros passariam a emitir apenas um vigésimo dos poluentes no ar quando comparados aos modelos que rodavam nos anos 70? Diz João Meyer, diretor do Instituto de Matemática e Estatística da Unicamp: "Enfrentamos as limitações de fazer previsões com base nas informações disponíveis no momento. Por isso, sempre restarão incertezas sobre a dinâmica da tecnologia".

Esse é o lado otimista das previsões sombrias: os avanços científicos podem tratar de sepultá-las. Tome-se como exemplo o que ocorreu com a célebre profecia do demógrafo inglês Thomas Malthus. No século XVIII, ele previu que milhões de pessoas morreriam de fome como conseqüência do crescimento da população. Malthus tinha convicção de que os alimentos não seriam suficientes para todo mundo. Com isso, ele ignorou as melhorias agrícolas que fizeram a produção no campo aumentar a uma velocidade centenas de vezes maior do que o número de habitantes. Sobrou comida. Em 1968, o americano Paul Ehrlich reafirmou a profecia de Malthus no best-seller The Population Bomb (A Bomba Populacional), projetando os mesmos estragos para o século XXI. A população de fato dobrou nas quatro décadas seguintes à previsão, mas, graças ao ganho de eficiência com a irrigação e o uso dos fertilizantes, o planeta produziu bem mais alimentos do que Ehrlich havia calculado. No período em que ele afirmou que a fome grassaria, as pessoas passaram a ingerir, em média, 24% mais calorias. Elrich não aprendeu com o próprio erro e voltou a carecer de bom senso ao tentar adivinhar outros efeitos catastróficos do aumento populacional (veja quadro abaixo "Venceu o bom senso").

As profecias de Malthus, Ehrlich e de vários outros preeminentes especialistas são pessimistas ao extremo porque deixam de contabilizar a capacidade humana de aprender a produzir mais com menos recursos naturais. Com a pesquisa tecnológica, conseguiu-se promover o uso mais racional das matérias-primas. Nas últimas três décadas, a máquina de lavar passou a funcionar com a metade da energia e um carro americano, a consumir 80% menos combustível. Os catastrofistas podem até dizer que se trata de um paliativo, uma vez que o petróleo está com os dias contados. O que eles também não estão levando em conta é que a espécie humana já demonstrou habilidade para criar alternativas diante da escassez. Ao que tudo indica, acontecerá com o petróleo o mesmo que se passou com o carvão na Inglaterra nos tempos da Revolução Industrial: deixará de ser a principal fonte de energia do planeta antes de sua extinção. O mundo já caminha para o desenvolvimento de fontes alternativas. A indústria automobilística, por exemplo, aposta que o carro movido a hidrogênio sairá da linha de montagem a preços razoáveis em duas décadas. Em todos os tempos a inventividade humana derrotou os profetas do apocalipse. Está nas mãos da atual geração manter essa formidável história de sucesso.

 

Venceu o bom senso

Em 1980, uma aposta entre dois professores americanos ganhou publicidade por seu ineditismo no meio acadêmico. O alvo era o preço que cinco diferentes metais alcançariam na Bolsa de Chicago nos dez anos seguintes à aposta. De um lado estava o biólogo Paul Ehrlich, convicto de que o valor dos metais subiria com o aumento da demanda provocado pelo crescimento populacional. Segundo a lógica de Ehrlich, quanto mais gente surgisse no planeta, maior seria a procura por tais matérias-primas – e fatalmente os metais encareceriam. O economista Julian Simon tinha visão oposta. Ele acreditava que, numa década, a tecnologia teria um papel determinante para o aumento da produtividade. Isso levaria à queda do preço das matérias-primas. Simon estava certo. Uma década depois, não só o preço de mercado dos cinco metais havia despencado como sua visão mais otimista sobre a dinâmica econômica prevaleceu sobre as catastróficas previsões de Ehrlich – que perdeu a aposta.

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