Especial
Perigo real e imeditato
Para
onde vamos com nossas
agressões ao planeta?
O pessimismo da resposta
varia, mas há um consenso:
a hora de agir é já
Vilma Gryzinski
Montagem
sobre fotos
de Paulo Vitale
|
Desde
que a era das fotografias
espaciais começou,
há quarenta anos,
uma nova e prodigiosa
imagem se formou no
arquivo mental da
humanidade sobre o
que é o planeta no
qual vivemos. Do nosso
ponto de vista no
universo, provavelmente
não existe nada que
se compare à beleza
desta vívida esfera
azul, brilhando na
imensidão do espaço,
água e terra entrelaçadas
num abraço eterno,
envoltas num cambiante
véu de nuvens. O que
as fotos não mostram,
mas sabemos existir
mais abaixo, é igualmente
de arrepiar. A luxuriante
diversidade da vida
espalhada por florestas,
montanhas, desertos,
oceanos, rios, vibrando
num diapasão constante
que evoca uma história
de 3,5 bilhões de
anos, desde as bactérias
primevas até tudo
o que respira, exala,
anda, rasteja, suga,
fotossintetiza-se,
multiplica-se e replica-se,
neste momento exato,
em nosso planeta.
Além de tudo cuja
existência conhecemos,
ainda há o que apenas
supomos. "A totalidade
da vida, conhecida
como biosfera pelos
cientistas e criação
pelos teólogos, é
uma membrana tão fina
de organismos que
envolve a Terra que
não pode ser vista
a partir de uma nave
espacial, porém internamente
é tão complexa que
a maior parte das
espécies que a compõem
está por ser descoberta",
escreveu, numa tentativa
de síntese da grandiosidade
do fenômeno, Edward
O. Wilson, o grande
biólogo americano.
Wilson
está entre os cientistas
de vulto que clamam
insistentemente pela
atenção da humanidade
para o perigo real
e cada vez mais imediato
para a sobrevivência
de nós mesmos, que
podemos ser arrastados
num paroxismo de autodestruição,
levando conosco as
formas mais complexas
de vida. Claro, sempre
sobrarão as baratas.
Nas reportagens das
próximas páginas,
VEJA traça um panorama
das armadilhas produzidas
pelos homens para
si mesmos, desde a
exaustão de recursos
vitais como a água
até os efeitos incontornáveis
do aquecimento global,
que podem ser amenizados,
na melhor das hipóteses,
ou agravados em proporções
dantescas, na pior.
Duas das reportagens
registram também pequenas
réstias de esperança
que podem vir a ser
a salvação do planeta.
Até
recentemente, era
comum falar em ameaças
que poderiam afetar
a vida de nossos netos
– uma perspectiva
bastante incômoda,
mas sem a premência
dos desastres iminentes.
Hoje, até a palavra
ameaça ficou superada.
Os fenômenos deletérios
estão em andamento
e muitos de seus efeitos
serão sentidos ainda
dentro da expectativa
de vida de boa parte
da humanidade. Propaga-se,
por exemplo, a noção
de que está em curso
a sexta extinção em
massa. As cinco anteriores
conhecidas pela ciência
deixaram registros
geológicos concretos.
A maior aconteceu
há 250 milhões de
anos; a mais conhecida,
a que extinguiu os
dinossauros, há 65
milhões. Extinções,
evidentemente, fazem
parte da história
da Terra – menos de
10% das espécies que
em algum momento existiram
continuam a ter um
bilhete no ciclo da
vida do planeta. A
taxa de extinção considerada
normal é de uma espécie
em 1 milhão por ano;
a atual gira em torno
de 1.000 por ano entre
espécies conhecidas
e ainda não catalogadas.
O aquecimento global
tampouco é apenas
uma hipótese no horizonte
do médio prazo. Todas
as grandes geleiras
do planeta vêm diminuindo,
os oceanos estão se
tornando mais quentes,
animais mudam suas
rotas migratórias,
a diferença de temperatura
entre dia e noite
cai. Os níveis de
dióxido de carbono
são os mais altos
dos últimos 420.000
anos. Se as emissões
continuarem, atingirão
um estágio que ocorreu
pela última vez no
Eoceno, há 50 milhões
de anos.
As
previsões catastrofistas
sobre o futuro da
humanidade têm sido
desacreditadas desde
que Thomas Malthus
escreveu seu Ensaio
sobre o Princípio
da População,
no fim do século XVIII,
prevendo uma superpopulação
avassaladora. Ridicularizar
os profetas do pessimismo
freqüentemente se
revela um exercício
saudável. A capacidade
de adaptação humana,
somada aos vertiginosos
avanços do conhecimento
no último século,
desmentiu mais de
um cenário apocalíptico.
Mas hoje pouca gente
está para brincadeiras.
Um levantamento recente
de trabalhos científicos
sobre as mudanças
climáticas mostrou
que 75% endossavam
a hipótese do aquecimento
global – os outros
25% foram considerados
neutros, pois analisavam
métodos e procedimentos.
Quando tratam dos
efeitos das transformações
em curso, alguns estudiosos
usam palavras que
parecem saídas de
obras de ficção científica.
"Acredito que as chances
de nossa civilização
na Terra sobreviver
até o fim do século
presente não passam
de 50%", escreve o
cientista inglês Martin
Rees, professor de
cosmologia em Cambridge,
no livro Hora Final.
Mesmo quando pende
para um lado mais
conservador, Rees
pinta um quadro de
amargar: "As mudanças
globais – poluição,
perda de biodiversidade,
aquecimento global
– não têm precedentes
em sua velocidade.
Ainda que o aquecimento
global aconteça na
ponta mais lenta do
espectro provável,
suas conseqüências
– competição por suprimentos
de água e migrações
em ampla escala –
podem engendrar tensões
desencadeadoras de
conflitos internacionais
e regionais, sobretudo
se eles forem excessivamente
alimentados por crescimento
populacional contínuo."
A
capacidade humana
de alterar o planeta
em escala geológica
atingiu tal ponto
que o cientista holandês
Paul Crutzen propõe
que a época atual,
Holoceno, iniciada
há apenas 10.000 anos,
já acabou. Vivemos,
diz ele, em pleno
antropoceno – e isso
começou no fim do
século XVIII, com
a invenção da máquina
a vapor, desencadeadora
do processo que mudou
a face da Terra. A
vaga de alarmismo
que permeia o mundo
no momento é tamanha
que permite perguntas
altamente incômodas.
Em escala cosmológica,
qual seria a importância
do desaparecimento
dos humanos da Terra
(ainda que levassem,
em sua irresponsabilidade
genocida, uma enormidade
de espécies consigo)?
Mais ainda: o mecanismo
de autodestruição
não está embutido
na própria espécie,
para barrar sua propagação
virulenta e descontrolada,
e entrou em ação justamente
num momento crítico?
Fazer
perguntas para as
quais não se tem respostas
é próprio da espécie
humana. Podemos, no
entanto, conjeturar.
Uma resposta possível
à primeira pergunta
é que a importância
provavelmente é nenhuma.
Mesmo que o surgimento
de vida inteligente
e consciente tenha
resultado de uma cadeia
de eventos tão improvável
que tenha acontecido
uma única vez – aqui
mesmo, na nossa magnífica
esfera azul –, a extinção
da espécie humana,
por mais inominável
que nos pareça, não
significa o fim da
vida. À segunda pergunta,
só podemos responder
que, como não estaremos
aqui para saber se
a hipótese se confirma,
temos a obrigação
de trabalhar com a
idéia contrária: não
estamos programados
para a extinção, ou
pelo menos não agora.
A vida começou na
Terra há cerca de
3,5 bilhões de anos
e ainda há 6 bilhões
pela frente antes
que o sol incinere
a Terra. Cerca de
60 bilhões de seres
humanos já viveram
antes de nós. Seria
demais deixar um desaparecimento
catastrófico acontecer
justo no nosso turno.