Especial
A Terra é o paraíso
Para
os vírus e as bactérias, a destruição
da natureza e a vida moderna formam
o cenário perfeito de proliferação
Anna Paula Buchalla
e Giuliana Bergamo
Kin
Cheung/Reuters
|
China,
2003, o epicentro de uma epidemia:
transmitida pelo ar, a sars
matou 800 pessoas |
Considerada
uma das mais letais infecções bacterianas,
com uma taxa de mortalidade da ordem de
90%, a febre de La Oroya é uma doença
da região dos Andes. O mosquito que a
transmite é o Lutzomyia, o mesmo
da leishmaniose, mas o microrganismo que
a causa é mais raro. A Bartonella bacilliformis
(ou bartonella, simplesmente) é típica
de altitudes entre 600 e 2 800 metros.
Ou pelo menos costumava ser. Em 2004,
dezenove pessoas foram vítimas da febre
de La Oroya numa região de terras baixas:
a província peruana de Madre de Diós,
que faz fronteira com o Brasil. Ainda
não se sabe como a bartonella ampliou
dessa maneira sua área de incidência,
mas tudo indica que foi a depredação ecológica
que criou a oportunidade para que isso
acontecesse. Ao invadir áreas antes inexploradas
da floresta e ser picado pelo Lutzomyia,
o homem parece ter ajudado a bactéria
a fazer a transição para altitudes menores.
Mais ainda que perplexas, as autoridades
sanitárias ficaram em estado de alerta
com o episódio.
A
proximidade da bartonella com o Brasil
é um exemplo clássico de como os microrganismos
respondem aos avanços da civilização sobre
o meio ambiente: ao romper o equilíbrio
ecológico de uma região, o homem recebe
o troco e se torna alvo de um agente infeccioso.
Mas não só o desmatamento ou a invasão
das florestas propiciam a propagação de
doenças. O aquecimento global, por exemplo,
favorece a proliferação de moléstias como
a dengue e a malária. A transmissão da
dengue tem sido incrementada nos últimos
anos tanto pelo aumento da temperatura
da Terra quanto pela quantidade de chuvas
–o mosquito transmissor, o Aedes aegypti,
prefere climas quentes e úmidos. Outro
fator é a poluição das águas. O despejo
de detritos diretamente nos rios, sejam
eles químicos ou humanos, é responsável
pela morte de 3 milhões de pessoas todos
os anos, vítimas da cólera. Além de aumentar
a incidência de algumas velhas doenças,
a destruição do meio ambiente também traz
à tona moléstias desconhecidas, chamadas
de "emergentes". Desde 1976, foram descobertos
pelo menos trinta novos micróbios –o HIV
e o Ebola estão entre os mais famosos.
Uma
vez que entra em contato com a civilização,
um microrganismo encontra condições propícias
para se espraiar. Nos últimos 100 anos,
a população mundial quadruplicou e as
cidades incharam. Em 25 metrópoles já
se superou a marca de mais de 10 milhões
de habitantes. Até a década de 50, apenas
Londres e Nova York atingiam esse patamar.
Calcula-se que, nos grandes centros urbanos,
as pessoas passem 92% de seu dia em ambientes
fechados. É o paraíso dos micróbios. Imagine
manter uma pessoa gripada confinada num
ônibus lotado, com as janelas fechadas.
O contágio é certo. Há que levar em conta
ainda a maneira como as populações se
movimentam pelo globo. A bordo de um avião,
é possível dar a volta ao mundo em 48
horas. Cerca de 700 milhões de pessoas
transitam pelos ares mensalmente. Os infectados
podem carregar os vilões silenciosos de
um lado para o outro do planeta e deflagrar
verdadeiras pandemias em pouco tempo.
"Atualmente a Terra é um caldeirão de
infecções", diz o infectologista Luiz
Jacintho da Silva, professor da Universidade
Estadual de Campinas.
É
essa conjunção de fatores que faz do vírus
H5N1, o causador da chamada gripe do frango,
a grande preocupação dos infectologistas.
Único vírus em circulação a pular diretamente
das aves para o organismo humano, o H5N1
mata 60% de suas vítimas. O receio é que
ele sofra uma mutação e passe a ser transmitido
de pessoa para pessoa com a mesma facilidade
com que se propaga o vírus tradicional
da gripe. Se isso acontecer, a estimativa
é que o H5N1 faça, no mínimo, 7 milhões
de mortos. Como contrapeso a esse cenário
negativo, é preciso dizer que a ciência
de hoje possui ferramentas poderosas e
progride em ritmo acelerado. "Sou otimista
quanto à produção de vacinas e remédios
cada vez mais potentes para atacar os
vírus emergentes", disse a VEJA o professor
Scott Weaver, pesquisador do centro de
doenças infecciosas emergentes da Universidade
do Texas, nos Estados Unidos. Observar
os limites da natureza também não é uma
má estratégia.
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