Agressões ao Planeta
Especial
A Terra é o paraíso

Para os vírus e as bactérias, a destruição da natureza e a vida moderna formam
o cenário perfeito de proliferação

Anna Paula Buchalla e Giuliana Bergamo

Considerada uma das mais letais infecções bacterianas, com uma taxa de mortalidade da ordem de 90%, a febre de La Oroya é uma doença da região dos Andes. O mosquito que a transmite é o Lutzomyia, o mesmo da leishmaniose, mas o microrganismo que a causa é mais raro. A Bartonella bacilliformis (ou bartonella, simplesmente) é típica de altitudes entre 600 e 2 800 metros. Ou pelo menos costumava ser. Em 2004, dezenove pessoas foram vítimas da febre de La Oroya numa região de terras baixas: a província peruana de Madre de Diós, que faz fronteira com o Brasil. Ainda não se sabe como a bartonella ampliou dessa maneira sua área de incidência, mas tudo indica que foi a depredação ecológica que criou a oportunidade para que isso acontecesse. Ao invadir áreas antes inexploradas da floresta e ser picado pelo Lutzomyia, o homem parece ter ajudado a bactéria a fazer a transição para altitudes menores. Mais ainda que perplexas, as autoridades sanitárias ficaram em estado de alerta com o episódio.

A proximidade da bartonella com o Brasil é um exemplo clássico de como os microrganismos respondem aos avanços da civilização sobre o meio ambiente: ao romper o equilíbrio ecológico de uma região, o homem recebe o troco e se torna alvo de um agente infeccioso. Mas não só o desmatamento ou a invasão das florestas propiciam a propagação de doenças. O aquecimento global, por exemplo, favorece a proliferação de moléstias como a dengue e a malária. A transmissão da dengue tem sido incrementada nos últimos anos tanto pelo aumento da temperatura da Terra quanto pela quantidade de chuvas –o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, prefere climas quentes e úmidos. Outro fator é a poluição das águas. O despejo de detritos diretamente nos rios, sejam eles químicos ou humanos, é responsável pela morte de 3 milhões de pessoas todos os anos, vítimas da cólera. Além de aumentar a incidência de algumas velhas doenças, a destruição do meio ambiente também traz à tona moléstias desconhecidas, chamadas de "emergentes". Desde 1976, foram descobertos pelo menos trinta novos micróbios –o HIV e o Ebola estão entre os mais famosos.

Uma vez que entra em contato com a civilização, um microrganismo encontra condições propícias para se espraiar. Nos últimos 100 anos, a população mundial quadruplicou e as cidades incharam. Em 25 metrópoles já se superou a marca de mais de 10 milhões de habitantes. Até a década de 50, apenas Londres e Nova York atingiam esse patamar. Calcula-se que, nos grandes centros urbanos, as pessoas passem 92% de seu dia em ambientes fechados. É o paraíso dos micróbios. Imagine manter uma pessoa gripada confinada num ônibus lotado, com as janelas fechadas. O contágio é certo. Há que levar em conta ainda a maneira como as populações se movimentam pelo globo. A bordo de um avião, é possível dar a volta ao mundo em 48 horas. Cerca de 700 milhões de pessoas transitam pelos ares mensalmente. Os infectados podem carregar os vilões silenciosos de um lado para o outro do planeta e deflagrar verdadeiras pandemias em pouco tempo. "Atualmente a Terra é um caldeirão de infecções", diz o infectologista Luiz Jacintho da Silva, professor da Universidade Estadual de Campinas.

É essa conjunção de fatores que faz do vírus H5N1, o causador da chamada gripe do frango, a grande preocupação dos infectologistas. Único vírus em circulação a pular diretamente das aves para o organismo humano, o H5N1 mata 60% de suas vítimas. O receio é que ele sofra uma mutação e passe a ser transmitido de pessoa para pessoa com a mesma facilidade com que se propaga o vírus tradicional da gripe. Se isso acontecer, a estimativa é que o H5N1 faça, no mínimo, 7 milhões de mortos. Como contrapeso a esse cenário negativo, é preciso dizer que a ciência de hoje possui ferramentas poderosas e progride em ritmo acelerado. "Sou otimista quanto à produção de vacinas e remédios cada vez mais potentes para atacar os vírus emergentes", disse a VEJA o professor Scott Weaver, pesquisador do centro de doenças infecciosas emergentes da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Observar os limites da natureza também não é uma má estratégia.

 

 


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