Canções Históricas
 

A vida de Carlos Gomes se confunde com a história do Brasil. A Monarquia foi o palco perfeito para sua ópera, que, no dizer de José Murilo de Carvalho(1), compunha a própria natureza do Império. Uma vida como espetáculo, marcada pelas transformações de um país que apenas ensaiava sua nacionalidade. Um país de escravos e senhores, um lugar em construção, presente no sonho romântico de O Guarani - em que índios e brancos se unem numa narrativa de amor - ou no abolicionismo retratado em O Escravo, idealizando um país livre da opressão.

Seu mecenas era o Imperador Pedro II, a quem o compositor devia reconhecimento e serviços artísticos. Satisfazer um monarca, um país, editores, públicos e a si mesmo, tornou-se, para ele, uma tarefa muito penosa.

Carlos Gomes viveu dividido entre duas nacionalidades. Ao adotar a Itália como sua segunda pátria, o maestro passou a ser hostilizado no Brasil, sendo duramente criticado por aqueles que o viam como um esbanjador do dinheiro público. A pensão que recebia do governo imperial não lhe bastava, de maneira que ele se submetia às pressões dos editores italianos. Sua arte era vista, pelos editores, como uma mercadoria, produzida com fins comerciais, fato que talvez explique as inúmeras óperas inacabadas, perdidas entre seus papéis.

Mesmo consagrado na Europa, nunca deixou de compor modinhas românticas que rememoravam a quietude dos salões das antigas fazendas de café, o coreto de Campinas, ou São Paulo das repúblicas estudantis e ruas enluaradas, lugar que o jovem Gomes tanto percorrera em companhia de estudantes da antiga Faculdade de Direito.

O fim do Império coincidiu com o declínio da carreira do compositor. O novo regime republicano negou-lhe a pensão que solicitara através de Francisco Glicério. A atitude do Governo parecia incompreensível, de vez que mérito e serviços prestados ao País não faltavam ao solicitante. Além do mais, a maioria dos membros do Governo era composta de maçons. Havia, contudo, uma razão e que levava a todas as outras. Carlos Gomes era amigo e protegido da Família Imperial que havia sido banida do País. Por fim, amparado pelo influente Lauro Sodré, então Governador do Pará, que lhe havia conseguido o cargo de Diretor do Conservatório de Música de Belém, Carlos Gomes pôde voltar à Pátria em 1895, mas já minado pela doença, desde que se diagnosticou a presença devastadora de um câncer na boca, quase não chegou a tomar posse no cargo. Em julho daquele mesmo ano, Campos Salles, governador do Estado de São Paulo nessa época, concedeu-lhe uma pensão mensal de dois contos de réis. Foi um gesto nobre, mas tardio, pois Carlos Gomes viria a falecer, em Belém, a 16 de setembro de 1896, injustiçado pelo País que tanto amou, ao qual tanto engrandeceu com sua arte excelsa. Como uma enorme emoção passasse a dominar a sensibilidade nacional, o Governo republicano viu-se compelido a rever suas posições em relação ao ilustre compositor que acabara de falecer. O Ministro da Marinha determinou então que o barco ITAIPU - mais tarde rebatizado para CARLOS GOMES - transportasse o compositor para sua terra natal. Foi preciso que o "amigo da Monarquia" passasse para outro plano para que nas relações interpessoais o sentimento fraterno, tão caro aos maçons, voltasse a prevalecer sobre as Razões de Estado. Hoje, Antônio Carlos Gomes, é considerado como o primeiro compositor do Brasil cuja arte atravessou as fronteiras.

Ao lado do leito, vêem-se Lauro Sodré, governador do Pará, grande amigo e protetor do maestro, além de Gentil Bittencourt, vice-governador, D. Macedo Costa, arcebispo do Pará, senador Antônio Lemos, o Visconde de S. Domingos, e outros ilustres personagens do grande Estado. Legenda original e ilustração publicadas com o texto em Trópico.

 

Concluindo: Quando ouvimos "O Guarani", de Carlos Gomes, na abertura da Hora do Brasil, poucos sabem que o nosso mais conhecido compositor erudito era neto de uma escrava fôrra. Também não nos damos conta de que o nome Rebouças que batiza viadutos e avenidas nas maiores cidades brasileiras homenageia o sobrenome de uma ilustre família de políticos baianos negros, do século XIX, cujos membros foram importantes engenheiros: os irmãos André e Antônio Pereira Rebouças Filho, construtores de ferrovias e obras de grande porte. (Carlos Gomes dedica a composição "SALVATORE ROSA" a André Rebouças). O que eles nos ensinam? _ nos ensinam que, desde cedo, esses brasileiros impuseram, com sua existência, o fato de que a cor jamais os condenou à inferioridade intelectual. Apesar do ambiente que lhes era desfavorável eles alcançaram admiração e respeito assim como muitos outros que lutaram pela conquista de seu espaço.

Como nos disse Mário de Andrade, referindo-se a ópera "O Guarany" e ao "O Escravo" (duas óperas de temática brasileira), "terão sempre um valor simbólico, porque representam idéias raciais, idéias nacionais, tendências evolutivas da nacionalidade e, principalmente, reivindicações sociais. Pouco importa que estas estejam deformadas de sua realidade pelo romantismo do tempo. Mesmo dentro dessa deformação, são duas óperas libertárias, não conformistas e, à sua maneira, revolucionárias. Daí seu valor simbólico inalienável."


O Guarani - Execução: Orquestra Sinfônica de São Paulo.
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Ópera em 4 partes

Abertura: Orquestra
Ato 1: Deh! Riedi...; Gentile di Cuore
Ato 2: Senza Tetto, Senza Cuna
Ato 3: Bailado (orquestra) - O Dio Degli Aimoré


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