Ruy
Barbosa
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Que Rio Branco não poupava esforços nem dinheiro para o êxito da diplomacia brasileira, não há dúvida. A sua generosidade era objeto de críticas na imprensa, tornando-se corrente a expressão "Dinheiro haja, senhor barão!" Mas, numa visão de hoje, nada haveria de estranho, ou desonesto, nesse marketing que favorecia a nação – continua a ser feito em todos os países do mundo, de maneira institucional. Rio Branco, criado na Europa, sempre teve uma visão menos acanhada que a de seus contemporâneos brasileiros.
Os ataques diretos e pesados não faltaram, ainda em vida de Rui Barbosa. Gilberto Freyre identifica o "mito-Rui" como um fenômeno compensatório da nacionalidade, isto é, "uma vontade de ver que um nativo amarelinho, caboclo franzino e feio, brasileiro pequeno em tamanho mas grande em inteligência" fazia a Europa curvar-se diante do Brasil. Mas alguns depoimentos insuspeitos de contemporâneos de Rui parecem realmente confirmar o que o "mito" diz: que às chacotas generalizadas sobre o "senhor Ruy de Barboza" (ou "Mr. Verbosa", como maldavam outros), Ruy conseguiu em Haia fazer suceder uma profunda admiração.
A petulância de sua primeira apresentação causa espanto: ao iniciar um discurso de seis horas, o delegado brasileiro dirigiu-se à assembléia, perguntando em qual língua deveria falar, esclarecendo: "Eu tenho a felicidade de dizer que falo todas as línguas cultas, vivas ou mortas".
Membro da delegação brasileira em Haia, o diplomata Rodrigo Otávio de Menezes registraria: "Quando (Rui) começava a falar parecia ter soado a hora do recreio num colégio: a conversa generalizava-se e ninguém mais lhe ouvia a voz". Mas quando o pequenino baiano falante enfrenta o arrogante representante inglês, na célebre questão da representação igualitária das pequenas nações, diz o mesmo diplomata: "...Martens, ao lado de Rui, mantinha a cara amarrada e mostrava certo nervosismo. E Rui, pequeno, humilde, com voz sumida, que depois se elevou e tornou clara, começou a proferir esse discurso que foi, por certo, a peça oratória mais notável que a conferência ouviu e lhe proporcionou o seu momento de maior brilho intelectual".
Efusivamente cumprimentado pelos diplomatas estrangeiros, Rui ouviria o russo Nelidov dizer: "A América do Sul foi para mim uma revelação", e o norte-americano Brown Scott: "Eis o Novo Mundo que se faz ouvir pelo Velho". Era realmente a primeira vez que um país periférico ousava requerer das grandes potências paridade, na representação junto ao Tribunal Internacional de Arbitragem, que se pretendia criar. Instituído um "conselho dos sete sábios" para votar o assunto (todos representantes das grandes potências), era evidente que o Brasil seria derrotado. Mas uma idéia importante fora lançada, e frutificaria mais tarde.
É bem verdade que o desempenho diplomático de Rui em Haia tem o seu reverso: porque foram duas as posições políticas, absolutamente contraditórias, por ele defendidas. Nos primeiros dias da conferência ele usara sua eloqüência apaixonada para defender – por ordem de Rio Branco e do próprio presidente Afonso Pena – os interesses das grandes potências, na "questão Drago". A Venezuela sofria, desde 1902, por inadimplência, o cerco marítimo imposto pela Alemanha, pela Inglaterra e pela Itália. O Brasil, para não desagradar aos Estados Unidos, apoiou ostensivamente os grandes, e contribuiu para a derrota da doutrina de não-intervenção, defendida pelo ex-chanceler argentino Luis María Drago.
Cinco anos antes, o senador Rui Barbosa havia atacado, também ardorosamente, o procedimento das nações que cobravam militarmente suas dívidas, pois isso "constituía precedente extremamente perigoso para a soberania de todas as pequenas nações". Mas, como diplomata, seu dever era seguir estritamente as ordens do Itamaraty. E os que lhe cobram, até hoje, uma coerência política absoluta – que nunca teve – esquecem que nunca foi, ou se propôs a ser, herói de idéias libertárias. Foi antes instrumento de algumas delas, usou-as e desse uso resultaram coisas boas para a nação.
O mais certo seria aplicar a Rui o que ele próprio disse do escritor inglês Jonathan Swift: "Não esqueçamos que os grandes homens se constituem tanto dos seus defeitos quanto das suas virtudes".
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