Prof. Dra. Stela C. B. Piconez |
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As
ações que vem sendo desencadeadas na
área da educação como um todo
não têm atendido às necessidades
e expectativas da população e nem mesmo
se preocupado com a figura e papel do professor, elemento
vital para o desenvolvimento de uma educação
de qualidade. Como esperar um professor atualizado,
bem formado e preocupado em refletir sobre seu trabalho
com os desníveis salariais existentes? O que
um professor lê hoje em dia? Qual jornal assina?
Quais livros pode comprar para se atualizar? Quando,
como e onde acessa a Internet se não ganha
nem para sua sobrevivência? Quais programas
de tv assiste com a jornada de mais de 50 horas correndo
de escola em escola?
Enquanto cidadãos não podemos fazer
muita coisa. Uma delas é ter a capacidade de
se indignar diante dessa situação. A
outra é valorizar a figura do professor, que
afinal trabalha hoje, as questões do passado
projetadas para o futuro. O professor trabalha com
a esperança e ajuda a constituir um cidadão.
Uma terceira questão refere-se ao fato de que
as coisas só poderão mudar em Educação
quando as políticas educacionais deixarem de
ser político-partidárias. Em Educação
as coisas levam dez anos para acontecer...
MiniWeb Educação - A participação no Programa Alfabetização Solidária é apenas um dos vários serviços prestados pelo Núcleo de Educação de Adultos (NEA) da Faculdade de Educação da USP que a Sra. coordena. Pergunta:Na revista Veja do dia 15/10/2003 pag. 34, diz que algumas ONGS, inclusive algumas coordenadas pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso, começam a enfrentar problemas de caixa depois que o governo lançou o Programa Fome Zero, isso porque alguns empresários tem preferido destinar recursos para o programa oficial, que tem enorme visibilidade. Gostaríamos de saber se a Alfabetização Solidária continua ativa? Completando a pergunta, não seriam as mudanças de governo durante toda a história política do país que truncam projetos e ações dentro da escola, sendo mais um empecilho para o avanço educacional? Os governos mudam durante o período eleitoral, mas o professor continua sua vida escolar por 25, 30 ou 35 anos na mesma escola., e como fica esse professor?
Resposta
-Não fica. As respostas já esboçadas
na questão anterior reiteram a importância
do supra-partidarismo em matéria de Educação.
Em nosso país, as ações são
projetadas para o futuro mas acabam em quatro anos
e sem continuidade. Quanto ao programa Alfabetização
Solidária deixei minha contribuição
por 6 anos. Seus pontos positivos começam a
dar frutos agora. Por exemplo, o envolvimento das
universidades num dos maiores problemas do país:
o analfabetismo. Nunca tivemos tantos estudos sobre
o tema como agora. Por razões político-partidárias,
os resultados não podem ser avaliados e muito
menos continuado. Outro fator positivo do programa
Alfabetização Solidária foi o
fato de podermos interagir em cada município,
orientando o prefeito e secretaria de educação
sobre o desenvolvimento de projetos educacionais para
a população.
Não perceberam ainda, que os investimentos
são muito altos a cada governo e os resultados
são pífios. Só podemos nos indignar
sem contudo perder a esperança, claro!
MiniWeb
Educação - Profa. Stela,
na proposta do Livro Verde (Socinfo) teríamos
como objetivo de referência o prazo para alfabetizar
digitalmente um de cada cinco brasileiros até
2003, mas o que percebemos é que ainda não
vencemos a alfabetização escolar pura
e simples e nem tampouco a digital. Pergunta:
o Brasil corre o risco de perder
a Revolução Tecnológica?
Resposta
- Acredito que não. As novas tecnologias de
Comunicação e de Informação
estão postas e tal fato é irreversível
e não suscetível de escolha. O que estamos
assistindo é um verdadeiro"aparhteid social
e digital" já que temos 10% da população
acessando Internet. Se os desafios atuais advindos
dos processos de globalização econômica
e de avanços tecnológicos acelerados
exigem um novo perfil de cidadania, como alcançar
o exercício de uma cidadania crítico-responsável
se a maioria da população brasileira
não é letrada (no sentido de usar socialmente
a leitura e a escrita)? Como desenvolver competências
de consumo responsável, de preservação
do meio ambiente e de si mesmo entre tantas, se as
informações não são acessadas
por todos?
A Revolução tecnológica está
posta, quer queiramos ou não. No Brasil, devido
as políticas educacionais tímidas e
descontextualizadas da realidade e dos desafios atuais,
iremos muito, mas muito mais devagar. E termos que
correr atrás dos prejuízos já
sentidos nas situações de desemprego,
de violência, de desvalorização
da família etc.
MiniWeb Educação - O Ensino a Distância é a resposta para a educação em nosso país? Como a EAD poderá ajudar na Alfabetização de Jovens e Adultos?
Resposta - Acredito que é uma das respostas. As dimensões geográficas do país sugerem sua adoção; as dimensões político- históricas exigem alternativas que incluam as pessoas que em nosso país já nascem "demitidas da vida". Há diferentes modalidades de Educação a Distância que podem surtir resultados excepcionais. Uma delas, por exemplo, seria uma educação do povo via rádio. Todo brasileiro tem um rádio; mas não nos esquemas do antigo Projeto Minerva ou Voz do Brasil. Acabar com as rádios piratas significa investir nelas para educação do povo, utilizando saberes e falares culturalmente próximos dos ouvintes e articular ações presenciais na comunidade, nas escolas, igrejas, centros integrados etc com ações intencionalmente planejadas por professores formados para tais estratégias.
MiniWeb Educação - Por favor, fale para os Internautas da MiniWeb Educação, o trabalho que a Sra. desenvolve, e quais são os objetivos do Núcleo de Educação de Adultos e Formação Continuada de Professores (NEA)
Resposta
- Desenvolvo desde 1987 estudos e pesquisas sobre
Educação Escolar de Jovens e Adultos
e desenvolvi uma metodologia para alfabetizar pessoas
sem escolaridade ou com pouca escolaridade. Inicialmente,
nos canteiros de obras da prefeitura da cidade universitária,
ensinando pedagogos a alfabetizar jovens e adultos,
numa época em que nem se falava em cidadania.
Posteriormente, desenvolvendo pesquisas sobre a cognição
humana de pessoas adultas sem escolaridade, fomentada
pelo INEP. Em seguida, trabalhando a dinâmica
da relação prática:teoria:prática
na formação de professores onde desenvolvemos
a Metodologia e Sistema Transversal de Ensino-Aprendizagem,
sistemática de planejamento para organização
do trabalho pedagógico conseqüente fundamentado
nas principais abordagens sócio-construtivistas.
Desenvolvemos vários projetos no Brasil e em
São Paulo e atualmente coordenamos cientificamente
o NEA - Núcleo de Estudos de Educação
de Jovens e Adultos e Formação Permanente
de Professores (Ensino Presencial e Educação
a Distância). Pesquisamos Ambientes de Aprendizagem
Cooperativa apoiados por recursos da Internet através
de dois portais o do NEA e o do Cidadão em
Rede. Coordenamos a primeira especialização
latu sensu da Universidade de São Paulo voltada
para Educação de Jovens e Adultos (dois
anos de duração) e coordenamos pedagogicamente
desde 1987 os Programas de Educação
de Adultos dos funcionários do campus USP -
o de Ensino Fundamental e o Curso a Distância
de Ensino Médio, com 1000 alunos matriculados
e 60 professores-estagiários dos cursos de
licenciaturas.
Amo o que faço; apesar das dificuldades e desafios
espero um dia ver este trabalho reconhecido (e agradeço
por este espaço) através do financiamento
de recursos que me permitam estender para todo o Brasil
tudo o que aprendemos e sabemos sobre Educação
de Jovens e Adultos, Educação a Distância
e Formação de Professores.
Entrevista com Profa. Dra. Stela Conceição Bertholo Piconez. Professora livre-docente da Faculdade de Educação da USP e Coordenadora do Núcleo de Estudos de Educação de Jovens e Adultos e Formação Permanente de Professores (NEA).