Prof. Dra. Stela C. B. Piconez
 

Alfabetização de Jovens e Adultos e Formação Continuada de Professores
por: Arlete Embacher

MiniWeb Educação - Profa. Stela , no seu artigo publicado na Revista Educação (1998, p.37), referentes ao número de analfabetos considerados pelo IBGE, a Sra. alerta que o número real de analfabetos no Brasil é maior do que calcula o IBGE e está em torno de 60 milhões, já que deve-se considerar os analfabetos absolutos (aqueles que sabem ler e escrever um bilhete) e os analfabetos funcionais (aqueles que lêem, escrevem, mas não interpretam nem sequer uma bula de remédio ou um manual qualquer de eletrodoméstico). O IBGE apresentava o número de 15,6% da população brasileira como analfabetas, ou 16 milhões de brasileiros. A revista Veja de 15/10/2003 na pág. 104 apresenta colocando que o analfabetismo ( crianças de 10 anos ou mais) caiu de 16,4% para 10,9%. Pergunta: Podemos continuar a acreditar que os dados continuam equivocados? Qual deve ser a nossa contribuição, enquanto cidadãos para melhorar a estatística real do analfabetismo no Brasil?

Resposta - Houve queda nos índices estatísticos. No entanto, não houve aumento na qualidade do processo de alfabetização e nem mesmo na qualidade da escola. Proporcionar o acesso à educação escolar é direito do cidadão e nenhuma vantagem para as políticas públicas educacionais. Está na Carta Constitucional de nosso país.

 

 

As ações que vem sendo desencadeadas na área da educação como um todo não têm atendido às necessidades e expectativas da população e nem mesmo se preocupado com a figura e papel do professor, elemento vital para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Como esperar um professor atualizado, bem formado e preocupado em refletir sobre seu trabalho com os desníveis salariais existentes? O que um professor lê hoje em dia? Qual jornal assina? Quais livros pode comprar para se atualizar? Quando, como e onde acessa a Internet se não ganha nem para sua sobrevivência? Quais programas de tv assiste com a jornada de mais de 50 horas correndo de escola em escola?
Enquanto cidadãos não podemos fazer muita coisa. Uma delas é ter a capacidade de se indignar diante dessa situação. A outra é valorizar a figura do professor, que afinal trabalha hoje, as questões do passado projetadas para o futuro. O professor trabalha com a esperança e ajuda a constituir um cidadão. Uma terceira questão refere-se ao fato de que as coisas só poderão mudar em Educação quando as políticas educacionais deixarem de ser político-partidárias. Em Educação as coisas levam dez anos para acontecer...

MiniWeb Educação - A participação no Programa Alfabetização Solidária é apenas um dos vários serviços prestados pelo Núcleo de Educação de Adultos (NEA) da Faculdade de Educação da USP que a Sra. coordena. Pergunta:Na revista Veja do dia 15/10/2003 pag. 34, diz que algumas ONGS, inclusive algumas coordenadas pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso, começam a enfrentar problemas de caixa depois que o governo lançou o Programa Fome Zero, isso porque alguns empresários tem preferido destinar recursos para o programa oficial, que tem enorme visibilidade. Gostaríamos de saber se a Alfabetização Solidária continua ativa? Completando a pergunta, não seriam as mudanças de governo durante toda a história política do país que truncam projetos e ações dentro da escola, sendo mais um empecilho para o avanço educacional? Os governos mudam durante o período eleitoral, mas o professor continua sua vida escolar por 25, 30 ou 35 anos na mesma escola., e como fica esse professor?

Resposta -Não fica. As respostas já esboçadas na questão anterior reiteram a importância do supra-partidarismo em matéria de Educação. Em nosso país, as ações são projetadas para o futuro mas acabam em quatro anos e sem continuidade. Quanto ao programa Alfabetização Solidária deixei minha contribuição por 6 anos. Seus pontos positivos começam a dar frutos agora. Por exemplo, o envolvimento das universidades num dos maiores problemas do país: o analfabetismo. Nunca tivemos tantos estudos sobre o tema como agora. Por razões político-partidárias, os resultados não podem ser avaliados e muito menos continuado. Outro fator positivo do programa Alfabetização Solidária foi o fato de podermos interagir em cada município, orientando o prefeito e secretaria de educação sobre o desenvolvimento de projetos educacionais para a população.
Não perceberam ainda, que os investimentos são muito altos a cada governo e os resultados são pífios. Só podemos nos indignar sem contudo perder a esperança, claro!

MiniWeb Educação - Profa. Stela, na proposta do Livro Verde (Socinfo) teríamos como objetivo de referência o prazo para alfabetizar digitalmente um de cada cinco brasileiros até 2003, mas o que percebemos é que ainda não vencemos a alfabetização escolar pura e simples e nem tampouco a digital. Pergunta: o Brasil corre o risco de perder a Revolução Tecnológica?

Resposta - Acredito que não. As novas tecnologias de Comunicação e de Informação estão postas e tal fato é irreversível e não suscetível de escolha. O que estamos assistindo é um verdadeiro"aparhteid social e digital" já que temos 10% da população acessando Internet. Se os desafios atuais advindos dos processos de globalização econômica e de avanços tecnológicos acelerados exigem um novo perfil de cidadania, como alcançar o exercício de uma cidadania crítico-responsável se a maioria da população brasileira não é letrada (no sentido de usar socialmente a leitura e a escrita)? Como desenvolver competências de consumo responsável, de preservação do meio ambiente e de si mesmo entre tantas, se as informações não são acessadas por todos?
A Revolução tecnológica está posta, quer queiramos ou não. No Brasil, devido as políticas educacionais tímidas e descontextualizadas da realidade e dos desafios atuais, iremos muito, mas muito mais devagar. E termos que correr atrás dos prejuízos já sentidos nas situações de desemprego, de violência, de desvalorização da família etc.

MiniWeb Educação - O Ensino a Distância é a resposta para a educação em nosso país? Como a EAD poderá ajudar na Alfabetização de Jovens e Adultos?

Resposta - Acredito que é uma das respostas. As dimensões geográficas do país sugerem sua adoção; as dimensões político- históricas exigem alternativas que incluam as pessoas que em nosso país já nascem "demitidas da vida". Há diferentes modalidades de Educação a Distância que podem surtir resultados excepcionais. Uma delas, por exemplo, seria uma educação do povo via rádio. Todo brasileiro tem um rádio; mas não nos esquemas do antigo Projeto Minerva ou Voz do Brasil. Acabar com as rádios piratas significa investir nelas para educação do povo, utilizando saberes e falares culturalmente próximos dos ouvintes e articular ações presenciais na comunidade, nas escolas, igrejas, centros integrados etc com ações intencionalmente planejadas por professores formados para tais estratégias.

MiniWeb Educação - Por favor, fale para os Internautas da MiniWeb Educação, o trabalho que a Sra. desenvolve, e quais são os objetivos do Núcleo de Educação de Adultos e Formação Continuada de Professores (NEA)

Resposta - Desenvolvo desde 1987 estudos e pesquisas sobre Educação Escolar de Jovens e Adultos e desenvolvi uma metodologia para alfabetizar pessoas sem escolaridade ou com pouca escolaridade. Inicialmente, nos canteiros de obras da prefeitura da cidade universitária, ensinando pedagogos a alfabetizar jovens e adultos, numa época em que nem se falava em cidadania.
Posteriormente, desenvolvendo pesquisas sobre a cognição humana de pessoas adultas sem escolaridade, fomentada pelo INEP. Em seguida, trabalhando a dinâmica da relação prática:teoria:prática na formação de professores onde desenvolvemos a Metodologia e Sistema Transversal de Ensino-Aprendizagem, sistemática de planejamento para organização do trabalho pedagógico conseqüente fundamentado nas principais abordagens sócio-construtivistas.
Desenvolvemos vários projetos no Brasil e em São Paulo e atualmente coordenamos cientificamente o NEA - Núcleo de Estudos de Educação de Jovens e Adultos e Formação Permanente de Professores (Ensino Presencial e Educação a Distância). Pesquisamos Ambientes de Aprendizagem Cooperativa apoiados por recursos da Internet através de dois portais o do NEA e o do Cidadão em Rede. Coordenamos a primeira especialização latu sensu da Universidade de São Paulo voltada para Educação de Jovens e Adultos (dois anos de duração) e coordenamos pedagogicamente desde 1987 os Programas de Educação de Adultos dos funcionários do campus USP - o de Ensino Fundamental e o Curso a Distância de Ensino Médio, com 1000 alunos matriculados e 60 professores-estagiários dos cursos de licenciaturas.
Amo o que faço; apesar das dificuldades e desafios espero um dia ver este trabalho reconhecido (e agradeço por este espaço) através do financiamento de recursos que me permitam estender para todo o Brasil tudo o que aprendemos e sabemos sobre Educação de Jovens e Adultos, Educação a Distância e Formação de Professores.


Entrevista com Profa. Dra. Stela Conceição Bertholo Piconez. Professora livre-docente da Faculdade de Educação da USP e Coordenadora do Núcleo de Estudos de Educação de Jovens e Adultos e Formação Permanente de Professores (NEA).

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