Capra
observa que novas formas de pensar estão intimamente ligadas
aos nossos valores, e que é urgente preparar novas gerações
para um equilíbrio entre antigas (porém ainda úteis) e novas
formas de pensar e formas novas. Ele chama as antigas de auto-afirmativas
("self-assertive") e as novas de integrativas:
Pensamento
|
Valores
|
Auto-afirmativo
|
Integrativo
|
Auto-afirmativos
|
Integrativos
|
racional
|
intuitivo
|
expansão
|
conservação
|
análise
|
síntese
|
competição
|
cooperação
|
reducionista
|
holístico
|
quantidade
|
qualidade
|
linear
|
não-linear
|
dominação
|
parceria
|
A
metáfora central da ecologia, observa Capra, é a rede (network),
em oposição à hierarquia (estrutura de poder). Dessa forma,
é provável termos uma mudança na organização social de hiearquias
para redes e em vez de um paradigma baseado em valores antropocêntricos
(centrados no ser humano) surgirá um baseado em valores ecocêntricos
(centrados na terra), reconhecendo o valor inerente de vida
não-humana. A partir desses conceitos, evidentemente, surge
um novo sistema de ética, radicalmente diferente do atual.
Fica claro que, sendo preparados para sobreviver no futuro
teremos que entender os princípios básicos da ecologia: interdependência,
reciclagem, parcerias, flexibilidade, diversidade e sustentabilidade.
Um
exemplo predileto de pensamento ecológico é a questão de como
devo ir e vir da minha casa até a USP todos os dias: são nove
quilômetros e tenho a opção de ir a pé, de patins, de bicicleta,
de fusquinha ou de Mercedes-Benz. É uma questão de quanto
estou disposto a gastar para me locomover com velocidade,
segurança, conforto, prestígio e qual o efeito da minha decisão
no meio-ambiente em que habito. Quando passei um ano na Stanford
University (1987-88), com bolsa do CNPq para fazer pesquisa,
percebi que quem chegava diariamente ao campus, a pé, de patins
ou bicicleta, era respeitado porque estava cuidando da sua
saúde, protegendo o meio-ambiente e tornando desnecessária
a construção de estruturas para estacionamento de carros;
quem chegava de Mercedes-Benz era considerado um "metido a
besta". Voltando ao Brasil, fui surpreendido por um sistema
de valores diferente: quem chegava ao campus a pé, de patins
ou de bicicleta era considerado um pobre coitado, e quem chegava
de Mercedes-Benz era "o bom", "o vencedor". Aprender a tomar
decisões que envolvam "trade-offs", trocas que representem
as coisas que devem ser sacrificadas para se obter algo desejado,
é a essência do pensamento ecológico.
Pensamento
sistêmico, na verdade, relaciona-se intimamente à ecologia,
mas as limitações de um pequeno artigo como este não permitem
elaborar mais detalhadamente as sobreposições entre as duas
áreas. É mister lembrar, porém, a importância de qualquer
aluno, em qualquer nível de seus estudos, estar consciente
de seu meta-pensamento, isto é, como procedeu, em seus processos
mentais, para chegar a determinadas soluções. Pensamento sistêmico
significa pensar em termos de conexões, relações, contexto,
interações entre os elementos de um todo; de ver coisas em
termos de redes, teias e comunidades. Como demonstra Capra,
no Web of Life, é o oposto de análise (cartesiano): pensamento
analítico significa desconstruir algo para poder entendê-lo,
enquanto pensamento sistêmico significa colocá-lo no contexto
de um todo maior. Levar um aluno a saber pensar sistemicamente
envolve capacitá-lo a ver "processos" em qualquer fenômeno,
a ver mudanças (real ou potencial), crescimento e desenvolvimento.
É fundamental compreender através do conceito de gestalt (um
todo é maior do que a soma das suas partes), reconhecer que
nossas percepções são condicionadas por nossos métodos de
questionamento e que a objetividade em ciência é muito mais
uma meta do que um fato. Ver o mundo em termos de sistemas
interconectados envolve conhecimentos de cibernética (padrões
de controle e comando), e práticas de como lidar com situações
complexas e estruturas dinâmicas.4
Se
a nossa meta é pensamento ecológico e sistêmico, quais são
os meios para levar o aluno até ela? São as capacidades e
habilidades que, como o pensamento ecológico e sistêmico,
sabemos capazes de serem transferidas para qualquer profissão,
qualquer área de trabalho, em qualquer parte do mundo. A melhor
expressão apresentada até agora, identificando a "maneira"
de atuar no mundo, isto é, habilidades básicas que podem ser
aprendidas na escola--o "saber-fazer" de quem trabalhará no
século 21--é um celebrado relatório do Ministério de Trabalho
norteamericano. Trata-se das conclusões sobre uma força-tarefa
de empresários, cientistas e educadores, tendo por base o
estudo "O Que o Trabalho Exige das Escolas".5 O relatório
identifica, inicialmente, uma plataforma básica para cada
aluno, adquirida durante os anos de estudo em escolas de primeiro
e segundo graus:capacitação
básica (leitura, redação, operações aritmético-matemáticas,
escuta e fala); capacitação cognitiva 6 (pensar criativamente,
tomar decisões, solucionar problemas, perceber com acuidade,
saber como aprender e raciocinar); e qualidades pessoais (responsabilidade,
auto-estima, sociabilidade, auto-gerenciamento e integridade/honestidade).
[Ver Figura 2.]
Em
seguida, o relatório identifica cinco tipos de competência
(com relação a recursos, aspectos interpessoais, informação,
sistemas e tecnologia). [Ver Figura
3.] Essas competências são diferentes do conhecimento
técnico ou intelectual de uma pessoa, mas são tão importantes
quanto aqueles, tanto para quem trabalhará no chão de uma
fábrica quanto para quem trabalhará em gabinete executivo.
Como diz o relatório: essas competências "representam os atributos
que o empregador de alto-desempenho de hoje procura no funcionário
de amanhã". Alto-desempenho refere-se aos ambientes de trabalho
caracterizados pela combinação de tecnologia e pessoas em
configurações novas, num compromisso incessante com a excelência,
com a qualidade do produto ou serviço e com a satisfação de
quem solicita ou compra o produto ou serviço. É o oposto da
mentalidade que diz "O ótimo é o inimigo do bom". As próprias
escolas têm que ser convertidas em organizações de alto-desempenho.
A sobrevivência tanto de organizações quanto de indivíduos
dependerá mais da sua capacidade de funcionar com alto-desempenho
do que de outros fatores, como monopólios, patentes, territórios
exclusivos, sigilo ou localização. E as escolas que não se
adaptam à nova realidade serão deixadas à margem do processo,
como alguns estudos recentes já demonstraram convincentemente.7
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