FREDRIC MICHAEL LITTO
Uma
das vantagens de ter vivido um bocado de anos é poder lembrar
eventos significativos do passado, permitindo entender os que estão
por vir. Lembro, por exemplo, que quando universitário, na segunda
metade da década de cinquenta, li um trabalho publicado pelo Centro
para o Estudo de Instituições Democráticas ("think-tank" patrocinado
pela Fundação Ford), demonstrando que a "automação" (termo antigo
para o que hoje chamamos de informática) inevitavelmente causaria a
demissão em massa de trabalhadores no mundo todo. Lembro que era
prevista a demissão de quarenta mil ascensoristas, em apenas um ano,
devido à implementação de elevadores automáticos. De lá para cá, a
previsão tem-se concretizado com uma força brutal, desempregando
dezenas de milhões de pessoas, deixando-as sem a preparação
apropriada para sua sobrevivência profissional. Só agora, quarenta
anos depois, é que os responsáveis pela meta-organização da
sociedade (formas de educar, de estimular atividades econômicas, de
estruturar a previdência social e a aposentadoria) tardiamente
começam a tomar medidas corretivas; mas fazem isso, com frequencia,
paliativamente, desapaixonadamente, sob uma perspectiva
míope.
Estamos, neste fim de século, nos deparando com um dilema
crucial: como educar os jovens para uma sociedade futura cuja
natureza desconhecemos em detalhes, mas que certamente será
diferente, em muitos aspectos fundamentais, do passado e do
presente? Se concordamos que a função da Educação é a preparação de
pessoas para o seu futuro (e não para o nosso passado), então uma
visão através do parabrisa será mais útil do que aquela vista pelo
espelho retrovisor. Ninguém pode saber com exatidão como será o
futuro, nem o futuro mais próximo. Não sabemos, por exemplo, as
consequências, a curto, médio ou longo prazo, das possibilidades da
clonagem humana ou dos resultados do Projeto Genoma, que está
mapeando o sistema genético do ser humano, devendo ser concluído nos
próximos anos. Mas essa incerteza não pode nos deixar imobilizados,
presos ao que David Thornburg chama de "paralisia paradigmática",
isto é, insatisfeitos com a maneira do passado de realizar "uma
educação", mas com medo de errar com maneiras
novas.1
Os
oito anos de atuação da Escola do Futuro da USP, laboratório
interdisciplinar investigando as novas tecnologias de comunicação em
suas aplicações educacionais,2 têm levado seus pesquisadores a
conceber algumas linhas diretrizes-- resultado de conquistas
tecnológicas e sociais contemporâneas--e imaginar sua projeção no
futuro; talvez possam servir como termos de referência, ou oferecer
itens para debate e reflexão, àqueles que respondem pelo
macro-planejamento de qualquer empreendimento educacional. Como
qualquer paradigma, é efêmero, sujeito a modificações e adaptações;
mas, pelo menos serve para fomentar discussão e, espera-se, ação.
Está
ficando claro, para nós, que é útil, com a finalidade de decidir uma
linha de ação em planejamento educacional, identificar e dIstinguir
objetivos (metas), os meios de atingi-los (maneira), e seu conteúdo
apropriado (material). Nesse sentido, é conveniente lembrar que a
sociedade contemporânea está passando por uma série de modificações
estruturais, obrigando-nos a reavaliar aquilo que estamos fazendo em
Educação e a tentar alinhar esse esforço à realidade que existe fora
da instituição acadêmica. Por exemplo, muitas carreiras estão
sumindo no cenário nacional e internacional de trabalho devido à
informática e à globalização; por outro lado, carreiras novas estão
surgindo. Li recentemente um estudo indicando que 70% das carreiras
que serão importantes por volta do ano 2010 ainda não existem. Um
outro estudo citou o fato de que mais de cinquenta por cento dos
formados em universidades norteamericanas nas últimas décadas têm
trocado de carreira alguns anos após completar seus estudos. Como
deve o educador responsável agir nessas condições? Isto é, se a
velocidade de mudanças na sociedade é tão grande, como preparar os
jovens que estão conosco hoje para um mundo de valores e de trabalho
diferentes dos atuais? David Thornburg de novo nos ajuda com sua
observação: no passado, a metáfora que explicava o funcionamento da
vida era o ato de "subir uma montanha", isto é, realizar pequenos
passos cumulativos até chegar a um patamar onde poderíamos
descansar; agora, devido à complexidade e à velocidade de mudanças,
é mais apropriado usar a metáfora da "corredeira", isto é, cada um
de nós está num bote, num rio caudaloso, cheio de pedras, no qual
corremos o risco de afundar--temos que tomar decisões estratégicas e
táticas com rápidez, sem nenhuma garantia de encontrar um lugar
seguro para aportar. Nesse cenário meio sombrio e assustador, como
preparar o aluno para ser remador e navegador de quem esperamos não
apenas a sobrevivência, mas o êxito como profissional e cidadão?
" A nova meta da
Educação tem que ser não o que pensar, mas sim, como
pensar."
Parece que o objetivo, a meta principal de toda a Educação
hoje, tem que ser preparar o futuro adulto para pensar sistemica e
ecologicamente. [Ver Figura 1.] Mas
ocorre exatamente o oposto em nossa Educação atual, organizada para
empanturrar os jovens de fatos históricos e científicos
potencialmente úteis no futuro, mas a curto prazo aplicáveis apenas
no exame vestibular para entrada numa universidade. A nova meta da
Educação tem que ser não o que pensar, mas sim, como pensar.
Processos e não produtos são importantes no futuro, porque permitem
adaptações e atualizações rápidas. Fritjof Capra, autor do celebrado
O Tao da Física, tem um novo livro, The Web of Life (A Teia da
Vida), no qual argumenta convincentemente que os principais
problemas de nosso tempo não devem ser compreendidos isolamente, mas
sim, de forma interconectada e interdependente.3 Ele identifica
formas de pensar "holísticas" e "ecológicas". O procedimento
"holístico" vê o mundo como um todo, integrado, não como uma coleção
desassociada de partes); o procedimento "ecológico" reconhe a
fundamental interdependência de todos os fenômenos e o fato de que,
como indivíduos e sociedades, estamos embutidos, e dependente de
processos cíclicos da natureza. Capra exemplifica: "Uma visão
holística de, vamos dizer, uma bicicleta, significa ver a bicicleta
como um todo funcional e compreender a consequente interdependência
das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui esse
pensamento, mas adiciona a percepção de como a bicicleta está
embutida no seu ambiente natural e social--de onde vieram os
materiais usados na sua fabricação, como foi manufaturada, como o
seu uso afeta o ambiente natural e a comunidade que a usa, e assim
por diante".
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