Conjuração Mineira
 
A Conjuração Mineira e Tiradentes

Foi para libertar Minas e o Brasil do despótico regime colonial que Tiradentes lutou e morreu. Sua execução, em 21 de abril de 1792, encerrou de forma cruel uma vida modesta, de muito trabalho, muito sonho e muita luta.

Como era o Brasil de Tiradentes. Na segunda metade do século XVIII, dois fatos importantes estavam acontecendo no Brasil: um econômico, outro político. O fato econômico era o empobrecimento da região das Minas Gerais, onde se esgotavam as reservas minerais, até mesmo de ouro; esse empobrecimento vinha acompanhado por aumentos de impostos e da repressão política, o que provocava indignação do povo. E o fato político era o desejo de independência, estimulado por idéias oriundas da França e dos Estados Unidos; quem trazia essas idéias eram filhos de famílias abastadas, que saíam de Minas para estudar no exterior, principalmente nas universidades de Coimbra (Portugal) e Montpellier (França).

Para Portugal, a grande fonte de riqueza no Brasil eram o ouro, os diamantes e outros minerais preciosos, que no século anterior (o XVII) haviam substituído o açúcar como principal produto do país. Nessa época, todo o subsolo brasileiro era propriedade da coroa portuguesa, que, além de autorizar a busca e a lavra, cobrava numerosos tributos. Um desses tributos era a capitação, calculada, como o nome indica, pelo número de cabeças, ou seja, o número de pessoas dependentes de um senhor. Na prática, eram inúmeras as formas de calcular imposto. Uma delas, por exemplo, era contar as bateias empregadas na lavra. Por meio desses cálculos, chegava-se a um peso em ouro que devia ser entregue a Portugal no fim do ano. O sistema era odiado, pois nem sempre as minas produziam o suficiente para pagar a capitação, problema que se agravou quando as jazidas começaram a se esgotar. Por exemplo: as câmaras de Vila Rica (atual cidade de Ouro Preto), Sabará e Carmo garantiram à coroa uma captação de cem arrobas de ouro (1.500 quilos mais ou menos). Como a certa altura os pagamentos efetuados pelos mineradores não atingissem esse total, decretou-se uma derrama, ou seja, cobraram-se cotas extras nas três vilas a fim de completar a capitação. A derrama também era usada para cobrar impostos extraordinário.

Como a captação criava esses problemas, a própria coroa passou a preferir o sistema das casas de fundição: todo o ouro produzido devia ser transformado em barras nas casas de fundição; e lá mesmo se retirava o "quinto d’el rei" (o princípio geral era que Portugal ficava com um quinto de toda a produção colonial). Ao mesmo tempo, proibiu-se a circulação do ouro em pó e em pepitas. A própria profissão de ourives foi proibida no Brasil. No entanto, a adoção do sistema das casas de fundição não acabou com o sistema da capitação: na época de Tiradentes, os dois coexistiam.

Havia também outros tributos: os dízimos (que, como o nome indica, equivalia a um décimo de certos rendimentos), os direitos de entrada e as passagens de rios. Pagavam direitos de entrada os escravos que entravam pela primeira vez numa das áreas delimitadas para esse efeito, e também o gado e as cargas de fazenda, tanto seca quanto molhada. E isso não era tudo. O historiador Capistrano de Abreu, no livro Capítulos de história colonial, fala dos "donativos implorados por prazo certo e curto e depois exigidos imperiosamente por prazo muito maior..." Acrescente-se ainda a isso que o comércio exterior era monopólio português (somente se podia exportar para Portugal e importar de Portugal, e os portos brasileiros só podiam receber navios portugueses). Ademais, toda a indústria era proibida, inclusive a têxtil (um alvará de 1785 determinava o fechamento das manufaturas de tecidos considerados "finos" e ordenava até que se quebrassem os teares); e igualmente proibidas eram as universidades, bem como os jornais e outras publicações, consideradas focos potenciais de subversão contra a ordem colonial.

Em suma, o Brasil do século XVIII era uma colônia portuguesa sujeita a um regime extremamente severo e sufocado por impostos que se tornavam intoleráveis; e ao mesmo tempo era um país que começava a sonhar com a independência, estimulado por jovens, especialmente mineiros, que voltavam das universidades européias e divulgavam princípios de autonomia, progresso e liberdade. Eram doutrinas estimuladas pela revolução americana (que pôs fim à colonização dos Estados Unidos pela Grã-Bretanha) e pelos ensinamentos de filósofos franceses (cujas idéias inspiraram a revolução francesa, a qual liquidou com a monarquia absolutista no país). Essas doutrinas inspiravam vários movimentos rebeldes em diversos pontos do Brasil. E, como é natural, o movimento de maior repercussão foi aquele que ocorreu na província mais rica e envolvendo as pessoas mais ilustres. Vida, luta e morte de Tiradentes. Foi para libertar Minas e o Brasil do despótico regime colonial que Tiradentes lutou e morreu. Sua execução, em 21 de abril de 1792, encerrou de forma cruel uma vida modesta, de muito trabalho, muito sonho e muita luta. Não encerrou, porém, a luta pela independência, que acabaria conquistada trinta anos depois.

Joaquim José da Silva Xavier nasceu numa fazenda chamada Pombal, entre as vilas de São José (hoje Tiradentes) e São João del Rei, nas Minas Gerais, no ano de 1746. Não se sabe o mês nem o dia. Era filho de pai português e de mãe brasileira. Tinha seis irmãos, um dos quais, o mais velho, ensinou-lhe a ler e escrever, entre outras coisas. Muito mais aprendeu depois, sozinho. Ficou órfão de mãe aos nove anos e de pai aos onze ou quinze, segundo diferentes relatos. Criado desde então por um padrinho cirurgião, aprendeu com este noções práticas de medicina e odontologia. Chegou a trabalhar como dentista prático, donde o apelido de Tiradentes), recebendo elogios por sua grande habilidade e delicadeza, e pela perfeição de seus trabalhos de prótese. Fez muitas outras coisas na vida: tentou a mineração, foi tropeiro e mascate (ocupações que o levaram a conhecer melhor as Minas Gerais, a Bahia e o Rio de Janeiro) e acabou sentando praça no regimento de Dragões (cavalaria) das Minas Gerais. No posto de alferes, foi designado para algumas missões importantes: comandou a patrulha do Caminho Novo, por onde transitavam ouro e diamantes para o Rio de Janeiro, e chefiou a guarda da viscondessa de Barbacena quando ela foi a Vila Rica. Mas nunca passou de alferes. É possível que o fato de ser mazombo tenha pesado contra ele, pois as autoridades portuguesas só tinham confiança plena nos portugueses natos. O fato é que foi preterido quatro vezes nas promoções.

De qualquer modo, os sonhos de Tiradentes não se limitavam a uma carreira militar. O alferes, que tinha um espírito ao mesmo tempo sonhador e prático, interessava-se por diferentes artes, entre elas a engenharia e a mineralogia. Projetou, por exemplo, o abastecimento de água para o Rio de Janeiro, mediante a canalização dos rios Andaraí e Maracanã. Para muita gente, eram projetos de louco: por causa deles foi certa vez vaiado ao entrar num teatro do Rio (o projeto, porém, seria executado no reino de D. João VI). Projetou também armazéns e um trapiche para embarque de gado, também no Rio. E tinha a idéia de instalar em Minas uma fábrica de ferro.

Da sua vida pessoal, não se sabe muito. Já aos 35 anos, namorou uma moça do arraial do Tijuco (atual Diamantina), sobrinha de um companheiro de conspiração, o padre José da Silva de Oliveira Rolim. O padre chegou a pedir a mão da sobrinha em casamento para o Tiradentes. Mas o pai já a concedera a outro pretendente. (Lembre-se que naquele tempo era comum o noivado ser arranjado entre os pais e os noivos só se conhecerem no dia do casamento). Sabe-se também que, durante pouco menos de um ano, Tiradentes teve uma ligação amorosa com uma viúva da região de Vila Rica. Ignoramos-lhe o nome, mas sabemos que os dois tiveram uma filha e que se chamou Joaquina.

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