Manifesto Comunista
 

As condições históricas do Manifesto Comunista

Há 150 anos, Marx escrevia o texto da viragem na luta de classes

Tau Golin (Jornalista e historiador.)

A imprensa mundial refletiu recentemente sobre os 150 anos de lançamento do Manifesto Comunista. Em uma primeira avaliação, percebe-se certo descolamento das condições históricas em que surgiu o texto de Marx. Transparece como um axioma atemporal, assim como o seu autor. Não era o patriarca de barbas grisalhas, geralmente associado às edições, e sim um jovem de vinte e nove anos. Alguns elementos daquele contexto dos anos de 1840 são importantes.

Nas primeiras décadas do século dezenove, as organizações políticas emergentes do proletariado e o movimento teórico agiam com lógicas próprias, com práticas distintas em campos diferentes. É óbvio que todo movimento político real possuía uma concepção teórica; assim como à atividade teórica correspondia certo grau de militância política.

O fenômeno mais comum entre os diversos movimentos rebeldes é que eles não conseguiam se potencializar universalmente. O que marcou a história política revolucionária foi a conversão entre um de seus segmentos revolucionários pragmáticos com uma nova teoria de formulações universalistas, que analisava a sociedade mas não poupava da crítica radical as próprias esferas subversivas, especialmente as formulações dos socialistas utópicos. Essa nova teoria se enunciava nos pressupostos inaugurais daquilo que mais tarde veio a ser conhecido como marxismo.

Todavia, a fusão que ocorreria no final dos anos quarenta, só foi possível por dissidências no interior do campo operário. Em 1836, a luta interna entre duas dissidências da chamada Liga dos Proscritos – organizada em 1834, em Paris, por emigrados alemães – resultou na fundação da Liga dos Justiceiros, ou Liga dos Justos. Os proscritos eram democratas-republicanos. Os justiceiros, de estrato mais operário – e com base nos alfaiates –, ainda se dividiram em duas correntes internas: uma, promoveu a versão alemã do comunismo utópico francês, fundamentalmente inspirada nas idéias de igualdade de Graccus Babeuf, ideólogo revolucionário do período da Revolução Burguesa de fins do século dezoito; a outra, enquadrava-se ideologicamente no "comunismo cristão".

No ano de fundação da Liga dos Justiceiros, Marx tinha dezoito anos, e Engels dezesseis.

Na França, a Liga dos Justiceiros estreitou relacionamento com a Sociedade das Estações, dirigida por Blanqui e Barbes. Como organização clandestina, utilizava na nomenclatura de seus aparelhos as estações do ano, decorrendo daí o seu batismo. Em maio de 1839, a Sociedade das Estações promoveu uma insurreição contra o governo de Luis Felipe. Derrotada, muitos de seus líderes foram presos. Entre eles encontravam-se Karl Schapper e Heinrich Bauer, da Liga dos Justiceiros. Os dois foram expulsos da França.

O que distinguia a Liga dos Justiceiros das demais organizações clandestinas e revolucionárias era uma ação que se generalizava pela interlocução conjunta dos emigrados alemães. Depois da derrota francesa, a Liga manteve-se em atividade na Inglaterra, Suíça e na própria Alemanha. A sua estrutura era relativamente simples: dividia-se em sociedades ou cabanas, que possuíam de três a vinte membros. Pode-se considerar que se encontra aqui a gênese primária das células dos futuros partidos comunistas.

Após as expulsões de Paris e com a liderança dos justiceiros na Inglaterra, ocorreu em Londres o primeiro contato de Schapper, Bauer e Joseph Moll com Engels. O jovem Engels estava com vinte e três anos. Posteriormente, ele escreveu: "Eram os primeiros revolucionários proletários que via". Somente no final de sua vida, Engels, ao se dar conta que a juventude da organização revolucionária poderia não passar à história, registrou algumas notas sobre ela. É do próprio Engels a afirmação de que a Liga dos Justiceiros, "ao se transferir para Londres, deixa de ser alemã e passa a ser internacional".

Quando ocorreu o primeiro contato entre a Liga e Engels, Marx estava com vinte e cinco anos. As suas contribuições teóricas mais maduras para a política ainda não existiam. A relação dos dois jovens teóricos com os justiceiros começou de fato em 1844 e só se estreitaria em 1847.

Por que 1844 foi o ano decisivo da aproximação? Aos vinte e seis anos, Marx chegara a um estágio de seu pensamento teórico onde sentira a imponderável necessidade do movimento real. A viragem ocorreu com as conclusões explicitadas em seus artigos, os quais viriam a constituir a obra Os anais franco-alemães. Neles, Marx considerava que havia utilizado pela primeira vez, com relativa complexidade, o método que convencionou chamar de Teoria materialista da história.

No mesmo período, Marx residia em Paris, onde recebeu a visita de Engels, que lhe expôs as bases da obra hoje conhecida como A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Os dois jovens – Marx, com vinte e seis anos, e Engels, com vinte e quatro – iniciaram ali a colaboração que durou até o final de suas vidas.

As atividades de Marx na imprensa francesa teve como conseqüência a sua expulsão do país. Em 1845 passou a residir em Bruxelas. Quando Engels foi encontrá-lo na Bélgica, ele já expunha metodologicamente, em termos históricos, políticos e filosóficos a Teoria materialista da história. Com a consciência de que desenvolvera uma nova teoria, pensava nas alternativas de sua divulgação e operacionalização pelo movimento real.

O instrumento de sua difusão apareceu no ano seguinte. Marx fundou o Comitê de Correspondência Comunista de Bruxelas (1846). A sua função era divulgar as novas idéias sobre o comunismo. Aos vinte e oito anos, Marx concluiu que o proletariado necessitava de um partido. Todavia, essa organização deveria estar precedida da ampla divulgação das idéias do comunismo. Através do Comitê, manteve polêmicas com vários pensadores contemporâneos. A com Proudhon foi uma das mais famosas. Lances desse debate podem ser encontrados nas cartas de Marx a Paul Annenkov.

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