Há 40 anos, ele cunhou o termo ageism,
para referir-se à discriminação contra
idosos. Em 1975, fundou o National Institute on Aging e, no
ano seguinte, ganhou um dos mais prestigiados prêmios
literários americanos, o Pulitzer, pelo livro Why Survive?
Being Old in America (Por que Sobreviver? Envelhecendo na
América, sem edição no Brasil). E, em
1982, criou o primeiro departamento de geriatria nos Estados
Unidos, na Mount Sinai School of Medicine, em Nova York.
Butler foi o primeiro médico a defender que os estudos
sobre o Alzheimer deveriam ter status de prioridade nacional.
Mesmo com o passar dos anos, não desanima: continua
a lutar por um envelhecimento saudável e por condições
ideais de tratamento para os mais velhos. Precisamos
treinar os médicos para que tratem melhor os pacientes
idosos. Ninguém deveria se graduar numa escola de medicina
sem conhecer os aspectos básicos do envelhecimento.
Durante sua trajetória, ele assinou mais de 300 artigos
científicos e médicos. Neste ano, lançou
o livro The Longevity Prescription (A Receita da Longevidade)
. Entre as recomendações, a principal: Sabemos
que todos precisam de um propósito, de uma paixão,
alguma coisa que dê sentido e faça a diferença
para a vida das pessoas isso ajuda qualquer um a viver
mais. De seu escritório em Nova York, Robert
Butler concedeu entrevista a VEJA.com, por telefone.
Com o aumento da expectativa de vida, quais serão
os principais desafios da nova realidade demográfica?
Haverá mudanças em vários aspectos. Em
primeiro lugar, culturalmente: tanto o Brasil quanto os Estados
Unidos terão que se acostumar com essa grande mudança
que ocorrerá em nossa sociedade. O envelhecimento global
afetará a economia do mundo todo, o modo como lidaremos
com os custos de assistência médica, como destinaremos
recursos para a saúde e como trataremos certas doenças
que surgem com o envelhecimento. Muitos desafios surgirão
com essa extraordinária mudança da demografia.
Os avanços da medicina foram responsáveis
por estender a vida humana. Mas o senhor acredita que as pessoas
estão envelhecendo com a qualidade de vida necessária?
Não posso falar sobre os países em desenvolvimento,
mas em lugares como o Japão, França e Estados
Unidos, por exemplo, as pessoas não estão apenas
vivendo mais tempo, mas observamos queda na taxa de incapacidade
funcional (quando um idoso possui dificuldades, psicológicas
ou fisiológicas, que interferem diretamente na possibilidade
de exercer atividades cotidianas). É que chamamos de
compressão na morbidade, que significa
assegurar qualidade na ampliação da expectativa
de vida. Então essa é uma boa notícia
porque temos uma vida mais longa, mais saudável e com
mais qualidade. Com certeza, é algo mais difícil
de se alcançar em países pobres, onde os recursos
para a saúde são mais escassos.
O que as pessoas precisam fazer para envelhecer com qualidade?
Recentemente, lancei o livro The Longevity Prescription, que
fala sobre prevenção e indica atitudes para
uma vida longa saudável: como uma alimentação
melhor, exercícios físicos regulares, não
fumar, consumir álcool moderadamente. Além disso,
também escrevi sobre redução do estresse
e a importância da conexão entre as pessoas,
como um relacionamento é importante para uma vida saudável.
Por exemplo, nós sabemos que pessoas casadas vivem
mais do que aquelas que não são. Por último,
sabemos que todos precisam de um propósito, de uma
paixão, alguma coisa que dê sentido e faça
a diferença para a vida dela isso ajuda qualquer
um a viver mais.
O senhor acredita que a geriatria será a especialidade
médica do futuro?
Temos cardiologistas, neurologistas, ortopedistas e todos
eles são importantes para o tratamento dos idosos.
O que precisamos é de um profissional para concentrar
os cuidados primários. Nos Estados Unidos, o paciente
passa por vários médicos diferentes e cada um
dos profissionais passa um medicamento para uma condição
específica. O problema é que a combinação
dos remédios ou as doses inapropriadas podem não
ter o efeito esperado ou podem comprometer a qualidade do
tratamento. Ninguém coordena isso. Nesse sentido, a
geriatria é extremamente importante. Acho que existe
uma preocupação geral na medicina americana
sobre como tratar melhor e como dar assistência às
pessoas que estão envelhecendo. Mas a verdade é
que eles não têm feito muito. Ainda temos trabalho
a fazer.
O que pode ser feito para preparar os médicos para
cuidar de uma sociedade mais velha?
Precisamos treinar os médicos para que eles tratem
melhor os pacientes idosos. Ninguém deveria se graduar
numa escola de medicina sem conhecer os aspectos básicos
do envelhecimento. Ensiná-los sobre os problemas da
prescrição combinada de medicamentos, atentá-los
para as características das doenças, já
que muitas vezes elas se comportam de maneira diferente durante
a velhice. Então temos vários conhecimentos
básicos que precisamos ensinar aos médicos para
que eles tratem bem os pacientes mais velhos.
Os convênios médicos tendem a ser mais caros
para as pessoas mais velhas, que são as que mais precisam.
Uma sociedade com idade avançada tende a precisar de
mais cuidados médicos. Como resolver essa equação?
É possível manter uma longevidade financeiramente
segura?
Sim, os serviços de saúde são mais caros
para pessoas mais velhas porque elas têm mais que uma
doença. Eu acho que uma das formas de tornar esse tratamento
mais barato é ter um grupo de médicos para cuidados
primários: capazes de tratar as condições
mais básicas e de destinar pessoas para os especialistas
indicados. E volto a dizer que os profissionais precisam ser
treinados. Se houvesse mais preparo, não ocorreriam
tantos erros médicos que, além de arriscar a
vida dos pacientes, também encarecem o tratamento final.
Sem o conhecimento necessário, os médicos podem
mandar para a casa um paciente com sintomas de pneumonia ou
de ataque cardíaco. Liberar uma pessoa sem tratamento
também não é economicamente viável.
Há 40 anos, você cunhou o termo ageism,
que significa discriminação contra os idosos.
Você acredita que houve melhora após esse tempo?
Sinceramente não. Apenas um em cada dez lares especializados
em cuidados com idosos americanos possui a estrutura e a qualidade
necessária para isso. Ainda temos muitas atitudes negativas
relacionadas aos mais velhos. Eles sofrem discriminação
no ambiente de trabalho e também são vítimas
de preconceito na assistência à saúde.
Os médicos parecem estar menos dispostos a tratar uma
doença em idosos do que em pacientes mais novos.
O que o senhor pensa sobre fórmulas que prometem
uma vida mais longa, como terapia antienvelhecimento?
Ainda temos um longo caminho até chegarmos lá.
Mas existem informações promissoras de terapias
que seriam capazes de diminuir o ritmo de envelhecimento e
assim poderiam retardar o aparecimento de doenças que
surgem com o avanço da idade. Eu não disse parar
e nem reverter o processo de envelhecimento, mas sim retardar.
Por exemplo, 80% de todos os tipos de câncer ocorrem
com aqueles que têm mais de 60 anos. Supondo-se que
seja possível retardar o envelhecimento, poderíamos
adiar o aparecimento do câncer para depois de 70 anos.
Teríamos um impacto incrível contra o câncer.
Nós sabemos que o envelhecimento também pode
ser um fator de risco para o aparecimento de doenças
como o Alzheimer. No passado, o senhor definiu a doença
como prioridade nacional de pesquisa científica. O
que mudou desde então?
Eu estabeleci o Alzheimer como prioridade nacional em 1977.
Naquela ocasião, eram destinados menos de um milhão
de dólares para estudos com o Alzheimer. Atualmente,
gastamos meio bilhão ou mais. Então, nós
estamos estudando mais para tentar entender como funciona
essa doença devastadora. No entanto, nós ainda
não encontramos a cura, mas muito bons trabalhos têm
sido realizados durante esses anos.
O senhor acredita que é possível que a nova
geração tenha um tempo de vida menor do que
a geração atual por conta da epidemia da obesidade?
É um problema muito sério. Tenho uma grande
angústia em ver como os jovens americanos estão
se alimentando atualmente e para onde isso poderá levá-los.
Crianças estão obesas, com diabetes e outros
problemas relacionados. As pessoas precisam mudar sua alimentação.
Nossas crianças precisam comer mais frutas e vegetais
e devem ser orientadas sobre a ingestão excessiva de
calorias.
O aumento da expectativa de vida não é um
fenômeno apenas dos Estados Unidos, é mundial.
Como o senhor enxerga essa situação daqui a
cinquenta anos?
Sim, é um fenômeno mundial. Por isso, acho que
no futuro as nações devem se unir para melhorar
a qualidade de vida e controlar o gasto econômico ao
mesmo tempo. Sou otimista em relação ao envelhecimento
da população e em como as pessoas vão
lidar com isso. O Brasil também vai melhorar, deve
diminuir a taxa de incapacidade funcional. Acredito que vamos
continuar a melhorar as condições de vida dos
idosos com o passar do tempo. E espero, principalmente no
caso da obesidade, que possamos reverter essa situação.
Você acredita que os governos farão o necessário
para lidar com o envelhecimento da população?
Acho que não são só os governos que têm
essa responsabilidade. Médicos, familiares e os próprios
indivíduos podem fazer sua parte para melhorar a qualidade
de vida e garantir um envelhecimento saudável da população.
Acho que não estamos fazendo o que poderíamos
fazer pelas pessoas mais velhas. Além disso, os próprios
idosos poderiam contribuir, por exemplo, trabalhando por mais
tempo em vez de se aposentar. Aqueles que trabalham
mais beneficiam sua própria saúde e também
ajudam a sociedade. As pessoas podem fazer trabalhos voluntários.
Você consegue dois benefícios pelo preço
de um. Cuidando de si próprio e colaborando para a
sociedade.
Eu sei que você é um grande especialista nesse
tema, o grande incentivador desse debate. Mas o que fez o
senhor se interessar por esse assunto?
Bem, precisamos voltar para 1955, quando eu era um jovem médico
de alguma forma eu pensava no crescimento da população
mais velha. Esse era um assunto muito desafiador porque ainda
não sabíamos muito sobre envelhecimento. Eu
pensava que as pessoas iriam envelhecer e que elas precisariam
de atenção.
Quando era criança, o senhor chegou a cogitar em
seguir essa carreira?
É fascinante que você tenha me perguntado isso.
Quando criança, eu era muito próximo do meu
avô, nós vivemos muitos bons momentos juntos.
Sofri muito quando ele morreu subitamente. Com sete anos,
decidi que queria me tornar médico. Eu tinha certeza
que se eu estudasse isso, poderia ajudar pessoas como ele.
E assim as pessoas poderiam viver por mais tempo.
Algumas pessoas têm medo de envelhecer. O que o senhor
pode dizer a elas?
O que eu sei é que muitas pessoas têm medo de
morrer e ficam ansiosas por saber como elas vão morrer.
O mais importante é mostrar para as pessoas que uma
vida saudável e de alta qualidade é possível.
Os idosos que vivem o melhor da vida conseguem lidar melhor
com esse medo.
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