O
filósofo
e professor
da USP
Renato
Janine
Ribeiro
discute
em "A
Democracia",
livro
da coleção
Folha
Explica,
o que
é
a democracia
moderna
e levanta
a questão:
ainda
pode haver
democracia?
O primeiro
capítulo
do livro
pode ser
lido abaixo.
O Livro
explica
o que
é
a democracia
moderna
e como
ela funciona.
A partir
de um
revisão
histórica,
o autor
constrói
um panorama
de que
regime
é
este em
que vivemos,
inspirado
em antigos
ideais
gregos,
organizado
em um
sistema
representativo
e que
se destaca
pela luta
pelos
direitos
humanos.
O volume
faz par
com "A
República",
do mesmo
autor.
Renato
Janine
Ribeiro
é
professor
titular
de Ética
e Filosofia
Política
na USP
(Universidade
de São
Paulo)
e foi
professor
visitante
na Universidade
de Columbia
em Nova
York,
em 2003
e 2004.
Atualmente,
é
diretor
de avaliação
da Capes.
Já
publicou
oito livros,
entre
eles "A
Marca
do Leviatã"
(Ateliê
Editorial),
"Ao
Leitor
sem Medo
- Hobbes
Escrevendo
Contra
o seu
Tempo"
(UFMG),
"A
Etiqueta
no Antigo
Regime"
(Moderna)
e "A
Última
Razão
dos Reis
- Ensaios
de Filosofia
e de Política"
(Companhia
das Letras).
1.
A DEMOCRACIA
DIRETA
A
palavra
democracia
vem do
grego
(demos,
povo;
kratos,
poder)
e significa
poder
do povo.
Não
quer dizer
governo
pelo povo.
Pode estar
no governo
uma só
pessoa,
ou um
grupo,
e ainda
tratar-se
de uma
democracia
--desde
que o
poder,
em última
análise,
seja do
povo.
O fundamental
é
que o
povo escolha
o indivíduo
ou grupo
que governa,
e que
controle
como ele
governa.
O
grande
exemplo
de democracia,
no mundo
antigo,
é
Atenas,
especialmente
no século
5 a.C.
A Grécia
não
era um
país
unificado,
e portanto
Atenas
não
era sua
capital,
o que
se tornou
no século
19. O
mundo
grego,
ou helênico,
se compunha
de cidades
independentes.
Inicialmente
eram governadas
por reis
--assim
lemos
em Homero.
Mas com
o tempo
ocorre
uma mudança
significativa.
O poder,
que ficava
dentro
dos palácios,
oculto
aos súditos,
passa
à
praça
pública,
vai para
tó
mésson,
"o
meio",
o centro
da aglomeração
urbana.
Adquire
transparência,
visibilidade.
Assim
começa
a democracia:
o poder,
de misterioso,
se torna
público,
como mostra
Vernant
1. Em
Atenas
se concentra
esse novo
modo de
praticar
--e pensar--
o poder.
Os
gregos
distinguiam
três
regimes
políticos:
monarquia,
aristocracia
e democracia.
A diferença
era o
número
de pessoas
exercendo
o poder
--um,
alguns
ou muitos.
Monarquia
é
o poder
(no caso,
arquia)
de um
só
(mono).
Aristocracia
é
o poder
dos melhores,
os aristoi,
excelentes.
São
quem tem
aretê,
a excelência
do herói.
Assim,
a democracia
se distingue
não
apenas
do poder
de um
só,
mas também
do poder
dos melhores,
que se
destacam
por sua
qualidade.
A democracia
é
o regime
do povo
comum,
em que
todos
são
iguais.
Não
é
porque
um se
mostrou
mais corajoso
na guerra,
mais capaz
na ciência
ou na
arte,
que terá
direito
a mandar
nos outros.
A
PRAÇA
É
DO POVO
Em
Atenas
e nas
outras
cidades
democráticas
(não
era toda
a Grécia:
Esparta
era monárquica),
o povo
exercia
o poder,
diretamente,
na praça
pública.
Não
havia
assembléia
representativa:
todos
os homens
adultos
podiam
tomar
parte
nas decisões.
A lei
ateniense,
no século
4 a.C.,
fixa 40
reuniões
ordinárias
por ano
na ágora,
que é
a palavra
grega
para praça
de decisões.
Isso significa
uma assembléia
a cada
nove dias.
Essa
é
a maior
diferença
entre
a democracia
antiga
e a moderna.
Hoje elegemos
quem decidirá
por nós.
Mesmo
em cidades
pequenas,
delegamos
por vários
anos as
decisões
ao prefeito
e aos
vereadores.
Os gregos,
não.
Eles iam
à
praça
discutir
as questões
que interessavam
a todos.
O
pressuposto
da democracia
direta
era a
liberdade.
Os gregos
se orgulhavam
de ser
livres.
Isso os
distinguia
de seus
vizinhos
de outras
línguas
e culturas.
Ser grego
ou helênico
não
era uma
distinção
racial,
mas lingüística
e cultural.
Quem falasse
grego
era grego,
não
importando
o sangue
que corresse
em suas
veias.
Os gregos
consideravam
os outros
povos,
tais como
os persas,
inferiores,
mas --ao
contrário
dos racistas
modernos--
não
por uma
diferença
genética,
e sim
por não
praticarem
a liberdade.
(Ter a
liberdade
significava
praticá-la.)
Só
eles,
que decidiam
suas questões,
eram livres.
Dá
para entender
por que
ainda
hoje quem
fala em
democracia
evoca
com um
suspiro
a cidade
de Atenas?
Sua assembléia
reunia
poucos
milhares
de homens,
e sua
democracia
durou
apenas
uns séculos.
Regimes
democráticos
só
voltaram
à
cena em
fins do
século
18, mais
de 2 mil
anos depois.
E, no
entanto,
parece
que nada
jamais
se igualará
a Atenas.
O
SORTEIO
Talvez
o mais
estranho,
na democracia
antiga,
fosse
que nela
mal havia
eleição.
Na verdade,
não
havia
cargos
fixos,
ou eles
eram poucos.
Havia
encargos.
Uma assembléia
tomava
uma decisão;
era preciso
aplicá-la;
então
se incumbia
disso
um grupo
de pessoas.
Mas estas
não
eram eleitas,
e sim
sorteadas.
Por
quê?
A explicação
é
simples.
A eleição
cria distinções.
Se escolho,
pelo voto,
quem vai
ocupar
um cargo
permanente
--ou exercer
um encargo
temporário--,
minha
escolha
se pauta
pela qualidade.
Procuro
eleger
quem acho
melhor.
Mas o
lugar
do melhor
é
na aristocracia!
A democracia
é
um regime
de iguais.
Portanto,
todos
podem
exercer
qualquer
função.
Um
exemplo
é
o júri.
A freqüência
à
ágora
é
grande,
chegando
a alguns
milhares,
numa Atenas
que tem
de 30
mil a
40 mil
cidadãos.
Mas os
principais
julgamentos
são
atribuídos
a um tribunal
especial,
cujos
membros
são
sorteados,
o que
hoje chamamos
júri.
Temos
um caso
célebre,
histórico:
o julgamento
de Sócrates.
O filósofo
é
julgado,
em 399
a.C.,
por 501
pessoas.
Como 281
o condenam
e 220
votam
pela absolvição,
ele é
sentenciado
à
morte.
A
maior
exceção
à
regra
da escolha
por sorteio
é
óbvia:
os chefes
militares.
Deles,
e de poucos
outros,
se exige
uma competência
técnica
que não
se requer
nas tarefas
cotidianas.
Nestas
um nível
de desperdício
é
tolerado,
porque
é
mais importante
a igualdade
(isonomia)
entre
os cidadãos
do que
a perfeição
na execução
das tarefas.
AS
FESTAS
Mas
o que
esses
cidadãos
mais decidem?
A sociedade
grega
não
conhece
a complexidade
da economia
moderna.
Os cidadãos
tratam
da guerra
e da paz,
de assuntos
políticos,
mas parte
razoável
das discussões
parece
girar
em torno
da religião
e das
festas,
também
religiosas.
Imaginemos
o que
é
uma pólis
grega.
Uma assembléia
a cada
nove dias,
sim, mas
não
para tratar
de assuntos
como os
de grêmio
estudantil
(que é
o órgão
moderno
mais próximo
de sua
militância).
E sim,
com alguma
freqüência,
para discutir
festas
e dividir
as tarefas
nelas.
Não
é
fora de
propósito
imaginar
que o
Rio de
Janeiro,
Salvador,
o Recife
e Olinda
dariam
excelentes
cidades-estado,
se decidissem
adotar
a democracia
direta.
Fariam
constantes
festas
ao deus
Dioniso
(o Baco
dos romanos)
e, à
volta
disso,
organizariam
a vida
social.
E é
bom pensar
numa comparação
nada acadêmica
como esta,
porque
a tendência
dominante,
falando
da democracia
grega,
é
acentuar
sua seriedade
--como
se fosse
um regime
feito
para tratar
das mesmas
questões
que nos
ocupam.
Não
é
o caso.
A política
era provavelmente
mais divertida,
até
porque
era bem
próxima
da vida
cotidiana.
E
poucos
foram
aqueles,
como Platão
e outros
críticos
da democracia,
que questionaram
a competência
do povo
simples
para tomar
as decisões
políticas,
alegando
que para
governar
seria
preciso
ter ciência.
Ora, um
princípio
da democracia
grega
--e de
todo espírito
democrático--
é
que, se
há
ofícios
em que
o fundamental
é
a capacitação
técnica,
a cidadania
não
está
entre
eles.
Aqui,
na decisão
do bem
comum,
na aplicação
dos valores,
todos
são
iguais
--não
há
filósofo-rei
nem tecnocrata.
OS
EXCLUÍDOS
Em
meio aos
elogios
dos modernos
à
democracia
ateniense,
uma crítica
reponta:
ela negava
participação
na ágora
às
mulheres,
aos menores
de idade,
aos escravos
e estrangeiros.
Hoje aceitamos
a exclusão
dos menores,
mas não
a das
outras
categorias.
O trabalho
manual,
considerado
degradante,
cabia
sobretudo
a escravos.
Na condição
de estrangeiro
(em grego,
meteco),
incluíam-se
todos
os não-atenienses
e mesmo
seus descendentes:
muitas
pessoas
nascidas
em Atenas,
mas de
ancestrais
estrangeiros,
jamais
teriam
a cidadania
ateniense.
1
Jean-Pierre
Vernant,
As Origens
do Pensamento
Grego
(São
Paulo:
Difel,
1972).
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87657.shtml