Prontos
para o século XIX
Muitos
professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como
ele era no tempo dos tílburis. Com a justificativa de "incentivar
a cidadania", incutem ideologias anacrônicas e preconceitos
esquerdistas nos alunos
Monica
Weinberg e Camila Pereira
Tema
para reflexão: vale a pena usar chocadeiras artificiais
para acelerar a produção de frango? Deu-se com isso
o início de uma das aulas de geografia no Colégio
Ateneu Salesiano Dom Bosco, de Goiânia, escola particular
que aparece entre as melhores do país em rankings oficiais.
Da platéia, formada por alunos às vésperas
do vestibular, alguém diz: "Com as chocadeiras, o
homem altera o ritmo da vida pelo lucro". O professor Márcio
Santos vibra. "Você disse tudo! O homem se perdeu na
necessidade de fazer negócio, ter lucro, exportar."
E põe-se a cantar freneticamente Homem Primata / Capitalismo
Selvagem / Ôôô (dos Titãs), no que é
acompanhado por um enérgico coro de estudantes. Cena muito
parecida teve lugar em uma classe do Colégio Anchieta,
de Porto Alegre, outro que figura entre os melhores do país.
Lá, a aula de história era animada por um jogral.
No comando, o professor Paulo Fiovaranti. Ele pergunta: "Quem
provoca o desemprego dos trabalhadores, gurizada?". Respondem
os alunos: "A máquina". Indaga, mais uma vez,
o professor: "Quem são os donos das máquinas?"
E os estudantes: "Os empresários!". É
a deixa para Fiovaranti encerrar com a lição de
casa: "Então, quem tem pai empresário aqui
deve questionar se ele está fazendo isso". Fim de
aula.
Os
dois episódios, ambos presenciados por VEJA, não
são raridade nas escolas brasileiras. Ao contrário.
Eles exemplificam uma tendência prevalente entre os professores
brasileiros de esquerdizar a cabeça das crianças.
Parece bobagem, uma curiosidade até pitoresca num mundo
em que a empregabilidade e o sucesso na vida profissional dependem
cada vez mais do desempenho técnico, do rigor intelectual,
da atualização do pensamento e do conhecimento.
Não é bobagem. A doutrinação esquerdista
é predominante em todo o sistema escolar privado e particular.
É algo que os professores levam mais a sério do
que o ensino das matérias em classe, conforme revela a
pesquisa CNT/Sensus encomendada por VEJA. Pobres alunos.
Capitalismo selvagem
Colégio Dom Bosco, de Goiânia: Titãs e crítica
às chocadeiras artificiais na aula de geografia
Eles
estão sendo preparados para viver no fim do século
XIX, quando o marxismo surgiu como uma ideologia modernizante,
capaz não apenas de explicar mas de mudar o mundo para
melhor, acelerando a marcha da história rumo a uma sociedade
sem classes. Bem, estamos no século XXI, o comunismo destruiu
a si próprio em miséria, assassinatos e injustiças
durante suas experiências reais no século passado.
É embaraçoso que o marxismo-leninismo sobreviva
apenas em Cuba, na Coréia do Norte e nas salas de aula
de escolas brasileiras. As chocadeiras produzem os frangos vendidos
a menos de 5 reais nos supermercados brasileiros, e isso propicia
a dose mínima de proteína a famílias que,
de outra forma, estariam mal nutridas. A realidade não
interessa nas aulas como a do professor Márcio Santos.
O que interessa? Passar a idéia de que as máquinas
tiram empregos. Elas tiram? Tiraram no começo dos processos
de robotização e automação de fábricas
nos anos 90. Hoje, sem robôs e máquinas, os empregos
nem sequer seriam criados. Mas dizer isso pode desagradar ao espírito
do velho barbudo enterrado no novo Cemitério de Highgate,
em Londres. Os professores esquerdistas veneram muito aquele senhor
que viveu à custa de um amigo industrial, fez um filho
na empregada da casa e, atacado pela furunculose, sofreu como
um mártir boa parte da existência. Gostam muito dele,
fariam tudo por ele, menos, é claro, lê-lo –
pois Karl Marx é um autor rigoroso, complexo, profundo
que, mesmo tendo apenas uma de suas idéias ainda levada
a sério hoje – a Teoria da Alienação
–, exige muito esforço para ser compreendido. "A
salada ideológica resulta da leitura de resumos dos grandes
pensadores", diz o filósofo Roberto Romano. Gente
que vê maldade em chocadeiras e mal em empresários
que usam máquinas em suas fábricas no século
XXI não pode ter lido Karl Marx. É de supor que
não tenham lido muito, quase nada. Mas são esses
senhores que ensinam nossos filhos nas melhores escolas brasileiras
– sem, diga-se, que os pais se incomodem com isso.
Lição de casa
Colégio Anchieta, em Porto Alegre: o professor pede aos
alunos que questionem os "pais empresários"
A
pesquisa CNT/Sensus ouviu 3 000 pessoas de 24 estados brasileiros,
entre pais, alunos e professores de escolas públicas e
particulares. Sua conclusão nesse particular é espantosa.
Os pais (61%) sabem que os professores fazem discursos politicamente
engajados em sala de aula e acham isso normal. Os professores,
em maior proporção, reconhecem que doutrinam mesmo
as crianças e acham que isso é sua missão
principal – algo muito mais vital do que ensinar a interpretar
um texto ou ser um bamba em matemática. Para 78% dos professores,
o discurso engajado faz sentido, uma vez que atribuem à
escola, antes de tudo, a função de "formar
cidadãos" – à frente de "ensinar
a matéria" ou "preparar as crianças para
o futuro". Muito bonito se não estivessem nesse processo
preparando os alunos para um mundo que acabou e diminuindo suas
chances de enfrentar a realidade da vida depois que saírem
do ambiente escolar. Para atacar um problema, o primeiro passo
é reconhecer sua existência. Esse é o mérito
da pesquisa CNT/Sensus.
Ódio às máquina
Na sala de aula e nos livros, a tecnologia recebe a culpa pelo
aumento do desemprego no mundo
Adversária
do exercício intelectual, a ideologização
do ensino pode ser resultado em parte também do despreparo
dos professores para o desempenho da função. No
ensino básico, 52% lecionam matérias para as quais
não receberam formação específica
– 22% deles nunca freqüentaram faculdade. Para esses,
os chavões de esquerda servem como uma espécie de
muleta, um recurso a que se recorre na falta de informação.
"Repetir meia dúzia de slogans é muito mais
fácil do que estudar e ler grandes obras. Por isso, a ideologização
é mais comum onde impera a ignorância", diz
o historiador Marco Antonio Villa. A questão não
é exatamente nova na educação. Meio século
atrás, a filósofa alemã Hannah Arendt já
alertava para o equívoco de fazer das aulas um lugar para
a doutrinação ideológica, qualquer que fosse
o matiz. Em A Crise na Educação, ela dizia: "Em
vez de (o professor) juntar-se a seus iguais, assumindo o esforço
da persuasão e correndo o risco do fracasso, há
a intervenção ditatorial, baseada na absoluta superioridade
do adulto". Ao refletirem sobre o atual cenário, os
especialistas concordam com a idéia central da filósofa.
Está claro, e a própria experiência mostra
isso, que o viés político retira da escola aquilo
que deveria, afinal, ser seu atributo número 1: ensinar
a pensar – verbo cuja origem, do latim, significa justamente
pesar. Diz o sociólogo Simon Schwartzman: "O verdadeiro
exercício intelectual se faz ao colocar as idéias
e os juízos numa balança, algo que só é
possível com uma ampla liberdade de investigação
e de crítica".
Consumo, esse vilão
Na cartilha, as sociedades de consumo se prestam a estimular a
futilidade e poluir o ambiente
Não
é o caso na maioria das salas de aula. Muitos professores
brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam
um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino
Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações
positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram
personagens arcanos sem contribuição efetiva à
civilização ocidental, como o educador Paulo Freire,
autor de um método de doutrinação esquerdista
disfarçado de alfabetização. Entre os professores
brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico
teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio
da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein.
Só isso já seria evidência suficiente de que
se está diante de uma distorção gigantesca
das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação
no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a
explicar o fato de eles viverem no passado.
Entre
as figuras históricas e da atualidade mais citadas em classe
está, como não poderia deixar de ser, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. As referências a Lula
são contidas. O presidente brasileiro obtém aprovação
menor entre os professores, segundo relatam os estudantes, do
que aquela com que a sociedade brasileira em geral o brinda. Ele
tem 70% de avaliação positiva dos brasileiros, mas
na boca dos professores esse índice cai para 30% –
com 27% de citações negativas e 43% de neutras.
Ressalte-se aqui que é um ponto louvável para os
mestres o fato de, como mostram os números relativos a
Lula, eles não fazerem proselitismo eleitoral em classe
– mesmo que seja preciso relevar o fato de o ditador venezuelano
Hugo Chávez ter merecido 51% de citações
positivas. A neutralidade e o comedimento em relação
a Lula desautorizam a interpretação de que os professores
tentam direcionar o voto dos alunos, o que seria desastroso. É
sinal de que sua pregação, mesmo equivocada, se
mantém no nível das idéias – o que
é excelente.
Contrários à doutrinação
O advogado Miguel Nagib (sentado) fundou a ONG Escola Sem Partido,
junto com outros pais: todos acharam na cartilha dos filhos exemplos
de ideologia
"Eu
e todos os meus colegas professores temos, sim, uma visão
de esquerda – e seria impossível isso não
aparecer em nossos livros. Faço esforço para mostrar
o outro lado", diz a geógrafa Sonia Castellar, que
há vinte anos dá aulas na faculdade de pedagogia
da Universidade de São Paulo (USP) e escreveu Geografia,
um dos best-sellers nas escolas particulares (livro que tem dois
de seus trechos comentados por VEJA na reportagem seguinte). "Reconheço
o viés esquerdista nos livros e apostilas, fruto da formação
marxista dos professores. Mas não temos nenhuma intenção
de formar uma geração de jovens socialistas",
diz Miguel Cerezo, responsável pelo conteúdo publicado
nas apostilas do COC (de onde foram extraídos quatro trechos
comentados pela revista). À luz de outra pesquisa em profundidade
feita pelo Ibope em colaboração com a revista Nova
Escola, editada pela Fundação Victor Civita, os
professores da rede pública revelam que, para eles, o principal
problema da sala de aula é, de longe (77%), a ausência
dos pais no processo educativo. Repousam na colaboração
entre pais e professores a correção dos rumos do
ensino no país e a aceleração da curva de
melhora de desempenho que começa a se desenhar. A questão
do excesso de ideologização é um desses problemas
que podem ser abordados em conjunto por pais e professores. Demanda
para o diálogo existe. O advogado Miguel Nagib fundou,
há quatro anos, em Brasília, a ONG Escola Sem Partido,
com o objetivo de chamar atenção para a ideologização
do ensino na sala de aula. Nagib se incomodou com os sinais do
problema na escola particular de sua filha, então com 15
anos, onde o professor de história gostava de comparar
Che Guevara a São Francisco de Assis. Foi ao colégio
reclamar. Diz Nagib: "As escolas precisam ficar sabendo que
muitos pais não concordam com essa visão".
Leia
também:
Você sabe o
que estão ensinando a eles?
Prontos para o século
XIX
A neutralidade
como dever
Fonte:
Revista VEJA Edição 2074 20 de agosto de 2008
|