Mulher na Antiguidade
 

Destaca-se aqui como ilustração o trabalho Women in Late Antiquity - pagan and Christians lifestyles de Gillian Clark (1994), a autora explora cuidadosamente como foi a vida das mulheres romanas na Antigüidade Tardia, assim que o cristianismo torna-se oficial, preocupando-se em apresentar tanto mulheres pagãs quanto cristãs. Trata-se de um trabalho elucidativo de como foi a vida das mulheres e de que forma os discursos dominantes guiaram a existência feminina.

As fontes documentais utilizadas para o desenvolvimento do trabalho são os textos Patrísticos, o Código Teodosiano, o Corpus Iuris Civilis do período de Justiniano, os textos médicos: Corpo Hipocrático de Hipócrates, trabalhos de Galeno: Claudii Galeni Opera Omnia, a Ginecologia de Sorano e o Corpo médico de Oribásio. Ao analisar essa documentação a autora busca com base nos discursos responder questões sobre a mulher na Antigüidade Tardia, tais como quais escolhas a mulher podia fazer? Quais constrangimentos social, prático ou legal limitaram suas escolhas? Havia além do casamento e da vida doméstica outras opções? Como era a vida de uma dona de casa? Que tipo de educação e saúde elas tiveram acesso? Quais condutas ideais foram ensinadas à elas?

Seguindo sua reflexão Clark afirma que como em qualquer época, também nesse período as mulheres são domésticas. A posição social pública é desapropriada para elas a menos que sejam membros da casa imperial; é esperado que manifestem as virtudes tradicionais de modéstia, castidade, e devoção aos deuses e à família. O objetivo da vida das mulheres é o casamento e a gravidez, e este também é o fator mais importante na saúde delas. Devem ser protegidas da exploração de sua fraqueza por homens indignos de confiança e prevenidas de auto-afirmação, falta de modéstia. Quanto aos seus defeitos apontam o fato de falarem muito e se preocuparem demasiadamente com sua aparência, necessitando de ajuda para conter seus impulsos, não obstante, há presença de mulheres boas que são fiéis, modestas e competentes em suas vidas domésticas e conseguem entender e agir conforme os princípios morais. Virtudes que são manifestadas apenas na vida privada.

Algumas dessas questões foram questionadas por crenças cristãs, mas o Cristianismo, assim como outras religiões da mentalidade predominante, mantêm a mesma postura com relação à mulher. A reivindicação Cristã que os homens e mulheres são espiritualmente iguais não teve nenhuma conseqüência mais prática, assim como a reivindicação filosófica que as mulheres podem manifestar as mesmas virtudes como os homens.

No entanto, o Cristianismo introduz uma prática que acomunava homem e mulher em um compromisso com Deus que podia requerer o abandono dos deveres com a família e Estado. Pela primeira vez, algumas mulheres podiam rejeitar o casamento e a gravidez, e viver em casa com suas mães, ou em solidão, ou em uma comunidade de mulheres. A oração e estudo de Bíblia podiam deslocar os afazeres da vida doméstica, as mulheres sempre puderam participar em cultos religiosos e fazer oferecimentos aos deuses, podiam alcançar fama duradoura dedicando à Igreja e ao serviço de Deus.

Pode-se surpreender pela depreciação geral Cristã da feminilidade naquele período, os sofrimentos que algumas mulheres infligiram a elas mesmas e as suas famílias, e o elogio que seus comportamentos evocaram. Não há como avaliar os lucros ou perdas espirituais. Mas poucos lucros práticos, não só para aqueles que ficaram famosos, mas para as mulheres pobres cujas vidas entram em enfoque. Algumas mulheres foram reconhecidas, pelo menos, como membros da Igreja, dando comida e vestindo aqueles beneficiados pelas pessoas ricas sobre quem elas não tiveram reivindicação pessoal, salva de morrer nas ruas, ou até mesmo levadas para as comunidades de mulheres cuja austeridade era o maior conforto que elas alguma vez tinham conhecido.

Desta feita, o trabalho realizado por Gillian Clark, só foi possível evidenciando vários aspectos sociais, culturais, religiosos, políticos, educacionais, econômicos etc. . E uma análise dessa temática a mulher na Antigüidade tardia, deve essencialmente considerar todos os agentes envolvidos, mesmo que a temática seja feminina, a pesquisa deve considerar homens e mulheres em um conjunto reflexivo. Nesse eixo, a tentativa é a de visualizar as mulheres como sujeitos sociais, bem como sua atuação com percursos próprios, agindo ou reagindo conforme os fatos históricos vão se construindo. A literatura trabalhada demonstra discursos que, de uma maneira ou de outra, foram práticas que determinaram também a vida das mulheres. Portanto, deve-se adotar uma postura crítica e de suspeita diante desses discursos e das imagens das mulheres e situá-las longe dos modelos e estereótipos, entre as mais diversas variações e mutações, e analisar as diversas faces das experiências das mulheres em um contexto mais amplo dentro de uma determinada dinâmica, de maneira a perceber a trajetória da construção de um imaginário em relação a elas. Imaginário masculino que as construiu e constitui ainda representações sobre o feminino.

Concluindo essas considerações evidencia-se que a construção das pesquisas sobre mulheres na Antigüidade tem tido sua trajetória marcada por numerosas reflexões permeadas pela busca de um modelo epistemológico adequado à especificidade do tema. Contudo, torna-se claro que é imprescindível a interdisciplinaridade, de forma a conduzir a leitura e análise das fontes documentais permeada por uma revisão metodológica constante e com uma abordagem multidisciplinar de modo que não se perca de vista a idéia de que em todos esses anos, praticamente no decorrer de todo o século XX, as discussões, críticas, avanços e retrocessos nessa trajetória de reflexão dinâmica constituem um legado que hoje pertence a todas as pessoas, mas ainda é necessário aprofundar as respostas para uma questão muito antiga: o que é ser humano e em que medida as ciências, humanas ou não, podem contribuir para essa definição.

A única possível conclusão é, quaisquer que sejam os trabalhos relacionados as Antigüidades, das mais distintas áreas do conhecimento, eles fornecem hipóteses reflexivas e de comparação que permitem levar mais longe a análise, e isto em todos os setores da ciência, contribuindo para um conhecimento mais profundo da história humana.

BIBLIOGRAFIA

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FUNARI, Pedro Paulo. Romanas por elas mesmas. CADERNOS PAGU - 5 -Campinas: IFCH/UNICAMP, 1995. P.179-200.

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