Mulher na Antiguidade |
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Os pesquisadores da Antigüidade também aderiram às novas propostas epistemológicas e buscaram no mundo antigo dar visibilidade ao feminino. Pauline Pantel em A história das mulheres na história da Antigüidade hoje (1990:591/603), esclarece a trajetória e o desenvolvimento das investigações acerca do tema Mulher na Antigüidade, chamando a atenção para o lugar que a história das mulheres ocupa na escrita da história antiga. Segundo ela, apesar de estudiosos da Antigüidade greco-romana serem, no conjunto, pouco receptivos à investigações sobre esse tema específico, pesquisadores tanto helenistas quanto romanistas foram estimulados por uma intensa interdisciplinaridade e uma destacada contribuição da História e da Antropologia, fatores desencadeadores de uma rápida expansão das idéias e a intensificação das pesquisas.
O trabalho inicial se constituiu em releituras das documentações no sentido de uma reelaboração de reflexões que correspondessem às novas metodologias abrangendo diversificadas culturas e variados períodos no mundo antigo. As primeiras pesquisas tentavam dar identidades às mulheres, as investigações se orientavam para a reflexão acerca dos sentimentos, sexualidade e o mundo privado das mulheres. Decorridas as produções e reflexões iniciais os estudos seguiram uma dinâmica e novos questionamentos emergiram de maneira a melhor compreender a mulher não isolada do seu contexto social, mas em uma situação relacional, de forma a entender com mais cuidado as relações entre o masculino e o feminino nas práticas sociais e nos discursos. Dessa forma, Pantel afirma que as pesquisas se orientavam para a produção, os bens, as dádivas, os gestos rituais, a morte, o vestuário.
Contudo, advinda dessas pesquisas novas exigências se colocaram e novos questionamentos se impuseram a mais uma vez uma nova trajetória delimitou-se em direção aos estudos dos contextos de dissimetria entre os sexos, descrevendo a relação em ?justa proporção? entre homens e mulheres e os outros modelos sociais e culturais. Dessa forma as pesquisas buscavam entender ambos os sexos em um aspecto relacional e justamente nessa relação é que se deve destacar as construções das desigualdades advindas do contexto social, econômico e cultural.
Entretanto, apesar dessa proveitosa dinâmica de constituição epistemológica do tema Mulher na Antigüidade, ainda sofre, conforme discorrido anteriormente, com a limitação de documentos. Situação de certa maneira contraditória, pois se por um lado, há pouca documentação em escritos de mulheres, por outro lado, existe uma abundância de fontes documentais que contêm um olhar dos homens sobre elas e o mundo (Alexandre, 1990:531). Dessa forma, é por meio de discursos masculinos que o feminino é procurado: nos mitos, na poesia, na história, nos romances, nos tratados médicos e filosóficos, na legislação, na iconografia, etc. Nessa imensidão documental destacam-se imagens, contudo elas não apresentam as mulheres e sim a imagem que os homens fazem delas (Duby, Perrot, 1990:8), assim como nos discursos, normativos ou não, as mulheres são definidas e aconselhadas quanto as suas posturas e comportamentos.
Nesse sentido, conforme Funari, a construção de uma história das mulheres na Antigüidade é fundamental uma análise holística, interdisciplinar, de forma a conter estudos sobre literatura, língua, antropologia, arqueologia, história da arte, e outras especialidades (1995:179/200). Apenas analisar o papel ocupado pela mulher na Antigüidade não é suficiente para uma reflexão profunda e cuidadosa. Antes de mais nada é de fundamental importância uma investigação mais ampla auxiliada pela interdisciplinaridade, no sentido de apontar um contexto mais diverso da vida feminina no mundo antigo, de maneira a compreender a formação de um modelo de discurso sobre o feminino. Dessa forma, a reflexão deve abarcar experiências, motivações, ações, idéias, situações e chances de inserção no contexto social e cultural, percebendo e analisando a construção de hierarquias sexuais, as possíveis relações de poder, inclusive, suas transformações culturais.
Deve-se buscar na análise dos discursos masculinos acerca das mulheres, a chave para os variados questionamentos impostos pelo tema. Gillian Clark (1994:1/5) afirma que os discursos masculinos são elucidativos a esse respeito, pois são eles os agentes evidenciadores de como as vidas das mulheres foram percebidas, interpretadas e regulamentadas com a predominância de determinadas idéias, suposições e interesses. Seguindo essa linha Del Priore (1998) argumenta que deve-se identificar a mulher em cada lugar observável, nomeá-la, reconhecê-la e compreender em que circunstâncias ela foi espoliada na sua relação oficial com o mundo masculino. É importante conhecer os instrumentos e as engrenagens que motivaram tais imagens e perceber por que elas subsistem, entendendo quais os mecanismos que ordenam o poder masculino no sentido de submeter a mulher, ocultando sua atividade.