Sala
de Aula
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COMO
NO SÉCULO XIX
Está
claro que as escolas brasileiras públicas e particulares
não oferecem grandes desafios intelectuais aos estudantes.
No lugar disso, não é raro que eles passem até
uma hora copiando uma lição da lousa, à moda
antiga, como se estivessem num colégio do século XIX.
Ao fazer medições sobre como o tempo de aula é
administrado nos colégios que visitei, chamaram-me a atenção
ainda a predominância do improviso por parte dos professores,
os minutos preciosos que se esvaem com a indisciplina e a absurda
quantidade de trabalhos em grupo. Eles consomem algo como 30% das
aulas e simplesmente não funcionam. A razão é
fácil de entender: só mesmo um professor muito bem
qualificado é capaz de conferir eficiência ao trabalho
em equipe ou a qualquer outra atividade que envolva o intelecto.
E o Brasil não conta com esse time de professores de alto
padrão. Ao contrário. O nível geral é
muito baixo.
MENOS
TEORIA E MAIS PRÁTICA
Falta ao Brasil entender o básico. Os professores devem
ser bem treinados para ensinar e não para difundir
teorias pedagógicas genéricas. As faculdades precisam
estar atentas a isso. Um bom professor de matemática ou de
línguas é aquele que domina o conteúdo de sua
matéria e consegue passá-lo adiante de maneira atraente
aos alunos. Simples assim. O que vejo no cenário brasileiro,
no entanto, é a difusão de um valor diferente: o de
que todo professor deve ser um bom teórico. O pior é
que eles se tornam defensores de teorias sem saber sequer se funcionam
na vida real. Também simplificam demais linhas de pensamento
de natureza complexa. Nas escolas, elas costumam se transformar
apenas numa caricatura do que realmente são.
QUE
CONSTRUTIVISMO É ESSE?
O construtivismo que é hoje aplicado em escolas brasileiras
está tão distante do conceito original, aquele de
Jean Piaget (psicólogo suíço, 1896-1980), que
não dá nem mesmo para dizer que se está diante
dessa teoria. Falta um olhar mais científico e apurado sobre
o que diz respeito à sala de aula. É bem verdade que
esse não é um problema exclusivamente brasileiro.
Especialistas no mundo todo têm o hábito de martelar
seus ideários sem se preocupar em saber que benefícios
eles trarão ao ensino. Há um excesso de ideologia
na educação. No Brasil, a situação se
agrava porque, acima de tudo, falta o básico: bons professores.
Tempo mal gasto
Ensino brasileiro: ausência de desafios intelectuais e excesso de improviso
À CAÇA DE MESTRES BRILHANTES
A chave para um bom ensino é conseguir atrair para a
carreira de professor os melhores estudantes. Basta copiar o que
já deu certo em países como Taiwan, que reuniu em
seu quadro de docentes algumas das melhores cabeças do país.
Ali, um professor ganha tanto quanto um engenheiro o que,
por si só, já atrai os alunos mais talentosos para
a docência. Mas não é só isso. Está
provado que, para despertar o interesse dos mais brilhantes pela
sala de aula, é preciso, sobretudo, dar-lhes uma perspectiva
de carreira e de reconhecimento pelo talento que os distingue. No
Brasil, o pior problema não está propriamente na remuneração
dos professores, até razoável diante das médias
salariais do país mas justamente na ausência
de um bom horizonte profissional.
VIGILÂNCIA
SOBRE OS PROFESSORES
Os professores brasileiros precisam, de uma vez por todas, ser
inspecionados e prestar contas de seu trabalho, como já ocorre
em tantos países. A verdade é que, salvo raras exceções,
no Brasil ninguém sabe o que eles estão ensinando
em sala de aula. É o que me faz comparar as escolas públicas
brasileiras às empresas pré-modernas. Elas não
contam com mecanismos eficazes para cobrar e incentivar a produtividade.
Contratam profissionais que ninguém mais no mercado quer,
treinam-nos mal e, além disso, não exercem nenhum
tipo de controle sobre eles. Hoje, os professores brasileiros estão,
basicamente, livres para escolher o que vão ensinar do currículo.
Não há padrão nenhum tampouco há
excelência acadêmica.
NA
LINHA DA MEDIOCRIDADE
É boa notícia que os brasileiros comecem a colocar
a educação entre suas prioridades, mesmo que isso
ocorra com tanto atraso em relação aos países
mais desenvolvidos. Percebo no Brasil, no entanto, uma visão
ainda bastante distorcida da realidade típica de países
onde as notas dos estudantes são, em geral, muito baixas.
A experiência indica que, num cenário como esse, até
mesmo os ótimos alunos tendem a se nivelar por baixo. Com
um resultado superior à média, eles já se dão
por satisfeitos, assim como seus pais e escolas. Na verdade, estão
todos mirando a linha da mediocridade. E é lá que
estão mesmo. Os exames internacionais da OCDE (organização
que reúne os países mais ricos) mostram isso com clareza.
Os alunos brasileiros que aparecem entre os 10% melhores são,
afinal, menos preparados do que alguns dos piores estudantes da
Finlândia. Os finlandeses, por sua vez, definem suas metas
com base num altíssimo padrão de excelência
acadêmica. É esse ciclo virtuoso que o Brasil deve
perseguir em todos os níveis.
CHEGA
DE UNIVERSIDADE GRATUITA
Se quiser mesmo se firmar como uma potência no cenário
mundial, o Brasil precisa investir mais na universidade. É
verdade que os custos para manter um estudante brasileiro numa faculdade
pública já figuram entre os mais altos do planeta.
Por isso, é necessário encarar uma questão
espinhosa: a cobrança de mensalidades de quem pode pagar
por elas, como funciona em tantos países de bom ensino superior.
Sempre me pergunto por que a esquerda brasileira quer subsidiar
os mais ricos na universidade. É um contrassenso. Olhe o
que aconteceria caso os estudantes de renda mais alta pagassem algo
como 1 000 dólares por ano às instituições
públicas em que estudam. Logo de saída, o orçamento
delas aumentaria na casa dos 15%. Com esse dinheiro, daria para
atrair professores do mais alto nível. Quem sabe até
um prêmio Nobel. O Brasil precisa, afinal, começar
a se nivelar por cima.
Fonte: Revista VEJA Edição 2132 de 30 de setembro de 2009
Leia também: Entrevista de Martin Carnoy ao Jornal Folha em São Paulo