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MARTIN CARNOY - Professoras contratadas por indicação do secretário de Educação do município, que dirigem a escola e vão lá de vez em quando; 60% das crianças repetem o ano, e professoras pensam que isso é natural porque acham que as crianças simplesmente não conseguem aprender. Fiquei impressionado, o livro [didático usado na sala de aula] era difícil de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer criança conseguisse passar [de ano]. Vi escolas na Bahia, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio... [entre outros].
FOLHA
- Qual a metodologia do estudo?
CARNOY - Como economista, usei dados macro para explicar
as diferenças entre os países nos testes de matemática
e linguagem. Fizemos análises com visitas a escolas e filmamos
classes de matemática e analisamos as diferenças entre
as atividades em classe. Há uma grande diferença,
pais cubanos têm renda baixa, mas são altamente educados,
em comparação com os do Brasil. O estudo foi finalizado
em 2003 e depois comparamos Costa Rica e Panamá. Na Costa
Rica, há coisas engenhosas, aulas com duas horas, em que
se pode realmente ensinar algo. Supervisionar a resolução
de problemas de matemática e, principalmente, discutir resultados
e erros. Os alunos cubanos têm aulas acadêmicas das
8h às 12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h
e ficam até as 16h30, quando têm uma sessão
de TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes, mas com o mesmo
professor.
FOLHA
- Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os cubanos) é
uma vantagem?
CARNOY - Quatro anos, pelo menos. Mas os alunos não
mudam de um ano para outro. No Brasil, se alunos e professores mudam
muito de escola, como fazer isso? Se a ideia é tão
boa, se funciona, deveríamos fazer algo para que pelo menos
professores não mudassem tanto.
FOLHA
- Qual a sua avaliação sobre a proposta da Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo que vincula
o aumento de salário à permanência do professor
na mesma escola e à aprovação em testes?
CARNOY - Sugeri ao secretário Paulo Renato que acrescentasse
um teste: filmar o professor, como no Chile. Professores de outra
escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser bons nos testes,
mas péssimos para ensinar. Se você tiver um professor
experiente que foi bem ensinado a ensinar e teve um bom desempenho
com os alunos, a diferença é visível em relação
a uma pessoa sem experiência, como eu. Profissionais que viram
as fitas disseram que há grande diferença entre o
professor cubano e o brasileiro.
FOLHA
- A Secretaria da Educação pretende oferecer curso
de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba, dura 18
meses, para o nível médio. O que é importante
num treinamento?
CARNOY - [Em Cuba] São oito meses para a escola fundamental.
Mas são para os professores que não foram à
faculdade. Você deve se lembrar que houve escassez de professores,
com o incremento do turismo, que atrai pelo pagamento em dólares.
Tiveram de produzir muitos professores, muito rapidamente. Então,
pegaram os melhores estudantes do ensino médio e lhes ofereceram
cinco anos de universidade nos finais de semana. O que é
importante nesses cursos de treinamento é ensinar como dar
o currículo, como ensinar matemática. O Estado deve
estabelecer padrões claros, como na Califórnia. Isso
é o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro
ano. No Chile, há um currículo nacional, mas não
ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar o currículo.
FOLHA
- O sr. dá muita importância ao diretor...
CARNOY - E também à supervisora, que em muitas
escolas no Brasil não fazem nada, não entram em sala.
Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras assistem às
aulas. Nos primeiros três anos de serviços de um professor,
eles entram muito, ao menos duas vezes por semana. São tutores
que asseguraram que a instrução siga o método
e o nível requeridos pelos padrões estabelecidos.
FOLHA
- Os bônus a professores, como ocorre no Estado de São
Paulo, são um bom caminho?
CARNOY - Não há boas evidências de que
esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em São
Paulo, em que todos os professores ganham mais dinheiro se a escola
atingir a meta, pode funcionar. Tentaram isso na Carolina do Sul,
no final dos anos 80. Foi um grande sucesso por poucos anos e, depois,
deixou de sê-lo porque não houve mais melhora. Eles
só atingiram um certo limite e não conseguiram mais
progredir. Há o efeito inicial do esforço e depois,
quando as pessoas têm que saber melhor como aprimorar o desempenho
dos alunos, nada acontece. E não existe mais na Carolina
do Sul. O que tem sido feito, em geral, nos EUA não é
bônus, mas punição. Se a escola fracassa em
atingir a sua meta em três anos, como na Flórida, os
estudantes podem receber vouchers e frequentar escolas particulares,
em vez de públicas. A forma como estão fazendo em
São Paulo não é a melhor. Eles medem neste
ano como a segunda série aprende e, no próximo, quanto
a segunda série aprende. Mas não os mesmos alunos.
Escolas pequenas têm mais chance de receber bônus do
que grandes. Se a escola cai, não há punição.
Só não recebe bônus. Não estou defendendo
punição, só digo que eles [bônus] são
mal mensurados. Você pode fazer como em São Paulo,
mas não dar bônus todo ano, e sim a cada dois anos.
E aí poderá ver o que se ganhou com os alunos que
se mantiveram na escola e ter as médias, mas com as mesmas
crianças através das séries. O problema da
falta de professores é mais grave porque é sobretudo
um absenteísmo autorizado, não é ilegal. Em
Cuba, professores e alunos faltam pouco. É tudo controlado.
FOLHA
- Melhorar o ensino público provocaria uma avanço
na educação como um todo, inclusive nas escolas particulares?
CARNOY - Pais de escolas de elite pensam que estão
dando ótima instrução aos filhos, mas fariam
melhor se os colocassem em uma escola pública de classe média
do Canadá. Mesmo os melhores docentes brasileiros são
menos treinados do que os de Taiwan. Os melhores professores no
Brasil têm em média desempenho abaixo da média
do professorado de países desenvolvidos. Investir e melhorar
a escola pública, que é a base de comparação
dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares
também. Professores são bons em pedagogia, mas não
no conhecimento a ser ensinado. Não treinam muito matemática
e não sabem como ensiná-la.
FOLHA
- O que do modelo cubano não pode ser transposto considerando
que Cuba vive sob ditadura?
CARNOY - Há, de fato, uma falta de criatividade [no
ensino]. Não se pode questionar, ser contra a Revolução.
Mas as crianças sabem que estão aprendendo o esperado.
São bons em matemática, sabem ler bem e aprendem muita
ciência, mesmo nas escolas rurais ou de bairros urbanos de
baixa renda. O Brasil tem a capacidade de enfrentar esses problemas
[ter crianças bem nutridas, com bom atendimento médico].
Por que em uma sociedade com uma renda per capita que não
é tão baixa não se faz isso? Acho que tem de
ser construído um sistema de supervisão, com pessoas
capazes de ensinar e treinar novos professores a ensinar. Os professores
no Brasil estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar.
Podem esquecer tudo aquilo de Paulo Freire, um amigo. Devem ler
sua obra como exercício intelectual, mas queremos que professores
saibam ensinar.
FOLHA
- Não é possível conciliar na América
Latina bom ensino com autonomia, democracia?
CARNOY - A melhor escola é a que tem professores
com democracia. Mas temos de ter um acordo de quais são os
nossos objetivos. Tony Alvarado é um supervisor em Manhatan
que trocou metade dos professores e dos diretores para melhorar
a qualidade das escolas. Ele disse aos professores: "Este é
o programa. Vão implementá-lo comigo ou não?
Têm uma semana para pensar. Se não quiserem, são
livres para sair".
CARNOY - Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado muda de escola todo ano! Em Nova York, não se demitiu. Alvarado mandou-os para outros bairros. Precisa, no início, de um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer o que fazer no início. E depois, sim, há uma democracia. Os diretores devem se preocupar com os direitos das crianças. Em Cuba, é o Estado. Aqui, os sindicatos de professores preocupam-se com os direitos dos associados - e estão em certos em fazê-lo. Mas e as pobres crianças que não têm sindicatos para defender seus direitos à educação?
Fonte: Folha de São Paulo - 10/08 - Caderno Ilustrada