Contato Pessoal

Entrevista - Paulo Blikstein

Armando Favaro

PAULO BLIKSTEIN

Os sofisticados recursos tecnológicos de que hoje dispomos, do celular à internet, podem, ao contrário do que se espera e do que se imagina, ser limitadores e empobrecedores, além de, em muitos casos, acentuar desigualdades e escravizar seus usuários. É preciso, portanto, que deixemos o fascínio de lado e sejamos críticos das novas tecnologias, questionando-as a cada minuto, ao invés de idolatrá-las e almejar ter acesso a elas inquestionavelmente. ''Se a pessoa está no restaurante, ela está trabalhando, porque toca o celular; se ela está em casa, é alcançada pelo e-mail. São 24 horas disponíveis para o trabalho, sem que se ganhe mais por isso'', alerta o pesquisador Paulo Blikstein, mestre em Tecnologias da Educação pela Universidade de São Paulo, e cuja tese põe uma série de pontos de interrogação, por exemplo, nos cursos pela internet, ou e-learning, que ganham cada vez mais adeptos, em grandes corporações e nas universidades. Para Blikstein, pós-graduando e pesquisador do Media Lab do Massassuchets Institute of Technology (MIT), no grupo de Seymour Papert e David Cavallo, denominado O futuro da aprendizagem (The future of learning), os cursos via internet reproduzem o mesmo modelo da hoje criticada educação tradicional, apenas travestindo-se de modernos. ''Quem disse que a internet será sempre a melhor mídia para se ensinar determinado assunto?'', pergunta Blikstein que já dirigiu documentários científicos, foi apresentador e roteirista de televisão e professor de Comunicação Empresarial na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Como analisa ele, a mudança de paradigmas na educação de forma geral ainda não se concretizou, o que faz com que os cursos pela internet reproduzam velhos hábitos e velhas formas de se trabalhar.

ELIANE BARDANACHVILI - A educação via internet vem sendo cada vez mais procurada por grandes corporações que desejam treinar ou atualizar seus funcionários e por quem quer driblar distâncias para fazer um curso universitário em outra cidade ou país. No entanto, quem faz ainda está aprendendo a fazer e quem adquire está aprendendo a conhecer. Que cuidados é preciso tomar, dos dois lados?

- A educação, de modo geral, não respeita a criatividade, não respeita as diferenças, as diversas formas de aprender de cada pessoa. Paulo Freire, Seymor Papert e vários outros teóricos da educação vêm dizendo isso, há décadas. Mas a escola é mais ou menos a mesma, há, pelo menos, 500 anos. O que significa, neste contexto, toda essa busca por se colocarem computadores nas escolas, ensinarem as crianças a mexer no computador, introduzir a educação via internet? Poderíamos pensar, de início, que a existência de novas tecnologias vem criando essas demandas, uma vez que torna possíveis uma série de coisas que antes seriam impensáveis. Mas é preciso inverter um pouco isso. As novas tecnologias são mais resultado do que causa. Resultam de uma mudança no sistema econômico, nos sistemas de produção, na forma pela qual as empresas funcionam. O avanço tecnológico acelerou-se a partir de uma demanda, da sociedade, mais especificamente, do sistema produtivo. É comum termos a idéia de que a tecnologia vai se desenvolvendo sozinha, mas, na verdade, existem interesses de empresas, de países, que dirigem o desenvolvimento tecnológico.

- E para que lado o dirigem?

- Se os grandes laboratórios do mundo, as grandes universidades, as grandes empresas estivessem concentradas em descobrir formas de eliminar a miséria do mundo, em dez anos de pesquisa, possivelmente, conseguiriam atingir esse objetivo. Mas não há grande interesse econômico nisso para essas instituições. A tecnologia tem importância fundamental para as empresas; elas estão se espalhando pelo mundo e querem ter a possibilidade de buscar em qualquer país condições mais favoráveis para a realização de determinada etapa do processo de produção. Uma empresa que produz carros não precisa produzi-los nos Estados Unidos e pagar os salários altos que o trabalhador norte-americano recebe. Ela pode projetar os carros lá, produzir os pneus na África, a carroceria, no Brasil, e montar os carros na Tailândia. As tecnologias surgiram para viabilizar isso, atendendo o sistema produtivo, que tenta reduzir seus custos de produção, explorando em cada país o que mais lhe interessa.

- Não se põem os avanços tecnológicos a serviço do bem estar de forma geral?

- O avanço tecnológico não é uma coisa imparcial e neutra como querem que o percebamos. É preciso ter uma postura crítica, e estar atento para identificar se as inovações tecnológicas são, realmente, benéficas para a maioria das pessoas, ou se acentuam a exploração veladamente, embaladas de forma a parecerem muito interessantes, indispensáveis e acessíveis a todos.

- De que forma as inovações tecnológicas nos enganam?

- Temos a idéia de que, quanto mais aparelhos eletrônicos, melhor é a nossa vida. E de que, se tivermos um celular, um e-mail, um notebook com conexão com a internet, nossa vida ficará melhor. Podemos saber notícias, previsão do tempo, saldo da conta bancária, a qualquer momento, em qualquer lugar. Mas qual é o resultado disso? É que a jornada de trabalho das pessoas está aumentando, sem que elas se dêem conta e sem a correspondente remuneração. Se a pessoa está no restaurante, está trabalhando, porque toca o celular; se ela está em casa, é alcançada pelo e-mail. São 24 horas disponíveis para o trabalho. Se a pessoa está no restaurante, está trabalhando, porque toca o celular; se ela está em casa, é alcançada pelo e-mail. São 24 horas disponíveis para o trabalho. Há cinco anos, ter um celular era sinal de riqueza. Hoje, poder não ter um celular é que é sinal de riqueza. Estar liberto da conexão permanente com o trabalho é privilégio de poucos.

- Não se pode encontrar uma forma de termos benefícios com os avanços tecnológicos?

- Sim. É justamente aí que entra a necessidade de espírito crítico, de criatividade, e a importância da educação para a cidadania. As pessoas deveriam estar aprendendo a ser subversivas em relação às novas tecnologias e ao conhecimento, ao invés de serem, simplesmente, usuárias de processadores de texto. Os hackers são um exemplo de subversão das tecnologias, mas sua ação é excessivamente técnica e dispersa.nu Ser subversivo, nesse contexto, significa desafiar o ciclo de vida cada vez mais rápido dos produtos, estabelecer ambientes de aprendizado alternativos (sejam presenciais, sejam via internet), fortalecer o controle social das tecnologias e das redes de comunicação, defender a privacidade das pessoas e ter espírito crítico para filtrar as informações que recebemos todos os dias. Aceitamos demais, acreditamos demais, consumimos mais do que precisamos.

- Como essa análise se dá em relação à educação pela internet, ao e-learning?

- É preciso, primeiro, detectar o que move a maioria dos projetos de educação, de forma geral, e de educação associada às novas tecnologias. O objetivo não é, como se divulga, o de formar pessoas mais críticas, mais autônomas, independentes intelectualmente, mas pessoas multifuncionais, que tenham grande habilidade com computador, tenham iniciativa, que tragam inovação à empresa.

- E isso é ruim?

- Isso é embalado por alguns discursos duvidosos como o de que se vai aprender por toda a vida, ou de que a vida é um grande ambiente de aprendizagem. Esse é o discurso, mas, por trás dele, a intenção é moldar as pessoas a um novo mercado, no qual os funcionários são poucos para muito trabalho.

- É possível evitar o avanço da tecnologia? De que forma canalizar esse avanço para interesses menos associados ao sistema de produção?

- Esse avanço, de certa forma, é inevitável, mas o aproveitamento dessa tecnologia pode ser feito de outra forma.

- Como?

- Aproveitar as novas tecnologias de forma mais humana tem duas dimensões. A primeira é política: devemos estar atentos para manter o controle público e o uso ético de uma série de tecnologias e descobertas científicas. Se não tomarmos cuidado, estaremos fazendo testes de DNA em processo de seleção de emprego. A segunda dimensão é educacional: precisamos formar pessoas mais rebeldes, mais criativas, mais questionadoras, mais críticas, que duvidem das verdades da mídia e da opinião pública.

- De que forma o espaço para a rebeldia pode ser aberto na escola?

- A escola nunca foi pensada como instituição para promover a democratização do conhecimento, embora nos dê essa impressão. O objetivo primeiro da escola tem sido o de formar as pessoas para atuar na sociedade, dentro de determinados preceitos. O que mais se aprende na escola, mais do que conteúdos, é a se comportar na sociedade. A escola tradicional concentra-se em ensinar as pessoas a respeitar horários, a ter disciplina, a respeitar o poder e a hierarquia, a ter bom comportamento. E isso é o que educadores como Paulo Freire sempre questionaram: a estrutura de poder, que faz com que a escola seja uma produtora em série de alunos que absorvem passivamente determinados modelos de comportamento, de obediência.

- Os cursos pela internet precisam basear-se nos mesmos paradigmas que norteiam, hoje, a reformulação da educação formal? Esses cursos voltados para demandas corporativas, de atualização em serviço de funcionários, por exemplo, não podem ser mais pontuais?

- É um erro considerar que existam dois mundos - um corporativo e um pessoal ou exterior. No mundo corporativo, diz-se que as coisas têm que ser sérias, específicas, precisas. Mas as pessoas não funcionam assim. Os cursos pela internet têm índice de evasão altíssimo. Nas empresas, para garantir que o funcionário faça o curso até o fim, é preciso prometer que o certificado valerá bônus anuais ou que não fazer o curso vai levar a pessoa a ser chamada à sala do chefe para uma repreensão. A motivação para aprender, seja dentro da empresa, seja dentro da escola, precisa ser genuína, criando-se interesse na pessoa por aquilo que ela está aprendendo. Já realizei treinamentos em empresas, em Comunicação, e fazíamos dramatizações, gravávamos cenas em vídeo, os alunos assistiam, analisavam, enfim, interagiam muito. A troca de experiências pessoais, o aprendizado colaborativo, em que o todo é maior do que a soma das partes, era o mais importante. Se o curso passa para a internet, com algumas páginas na linguagem html e alguns exercícios, algumas animações para que pareça moderno, no final, estará reduzindo drasticamente as possibilidades de interação humana com o professor, de construção coletiva do conhecimento. A maioria dos cursos pela internet para corporações parece mais um adestramento. O paradigma é o mesmo do de um livro didático: você lê um pouco de texto, faz exercícios e pronto.

Fonte: JBonline


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