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Eliminar a possibilidade
de se aprender a distância
não é o
mesmo que ignorar um recurso
valioso que a internet
pode nos oferecer? O senhor
é contra os cursos
a distância ou contra
os que estão hoje
no mercado?
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Minha tese de mestrado
é, justamente,
sobre uma proposta de
se utilizarem as novas
tecnologias e o ensino
presencial de forma integrada.
A idéia é
criar um novo ambiente
de aprendizado, que alie
educação
presencial e virtual,
sem que o conhecimento
seja criado por um grupo
restrito de pessoas, de
forma centralizada. Só
que as empresas de consultoria
empresarial chegam a uma
corporação
e dizem que vão
reduzir os custos com
treinamento em 80%, porque
vão fazer cursos
pela internet, em que
não é necessário
o professor, não
são necessárias
salas especiais, cada
funcionário faz
o curso em sua mesa de
trabalho etc. Essa linha
de argumentação
significa que se quer
gastar menos dinheiro,
para se atingir o mesmo
resultado. E não
melhorar o resultado gastando
menos dinheiro.
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Os cursos pela internet
não são
mais baratos? Afinal,
os recursos são
muitos.
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A vice-reitora da Universidade
Aberta da Inglaterra,
uma das primeiras grandes
experiências em
educação
a distância do mundo,
costuma explicar como
funcionam seus cursos.
Cada dez, quinze alunos
têm um monitor,
equipes atualizam os conteúdos
constantemente, há
pessoas que acompanham
a trajetória dos
alunos pelo curso, enfim,
o custo é alto,
o mesmo de um curso tradicional.
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Quais são os pontos
positivos, afinal, da
internet, no que diz respeito
à educação?
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A internet é um
vasto terreno de pesquisa,
de informação,
de interação
mundial em tempo real.
Existem muitos mecanismos
de interatividade e trabalho
em conjunto. Quando existe
um vínculo entre
as pessoas, esse trabalho
fica interessante. Se
não há o
vínculo, é
um trabalho empobrecido.
É interessante
começar criando
um vínculo pessoal
e continuar com um vínculo
pela internet. O problema
é que, ao se programar
um curso de Física,
por exemplo, contrata-se
uma equipe para pesquisar
o conteúdo, redigir
um texto, criar ilustrações
e figuras, para, depois
disso, as pessoas lerem
passivamente tudo na tela
do computador.
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Recursos como grupos de
discussão e contatos
com o professor por e-mail
não são
suficientes para se criar
uma interatividade?
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Na verdade, reproduz-se
o mesmo paradigma do ensino
tradicional, em que se
tem o professor responsável
pela produção
e pela transmissão
do conhecimento. Mesmo
os grupos de discussão,
os e-mails, são,
ainda, formas de interação
muito pobres. Os cursos
pela internet acabam considerando
que as pessoas são
recipientes de informação.
A educação
continua a ser, mesmo
com esses aparatos tecnológicos,
o que ela sempre foi:
uma obrigação
chata, burocrática.
Se você não
muda o paradigma, as tecnologias
acabam servindo para reafirmar
o que já se faz.
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Qual deve ser o ponto
de partida de quem vai
criar um curso que tenha
a internet como meio?
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Quando esses projetos
estão nas mãos
de consultorias empresariais,
de gestão empresarial,
em empresas de tecnologia,
a ênfase fica na
tecnologia, na redução
de custos. É uma
questão de cultura
dessas empresas. O primeiro
cuidado a se tomar quando
se quer trabalhar com
educação
a distância pela
internet, é refletir
sobre o paradigma de educação
que vai norteá-lo.
É preciso ter,
primeiro, uma idéia
do curso que se quer oferecer
para, depois, pensar na
tecnologia necessária
para desenvolvê-lo.
Deve-se pensar, primeiro,
na Educação,
não na tecnologia.
Quem disse que a internet
é a melhor mídia
para se ensinar determinada
coisa? Talvez a melhor
solução
para um curso a distância
seja uma articulação
entre várias mídias:
um pouco pela internet,
um pouco em papel, um
pouco em encontros presenciais,
um pouco pela televisão,
uma mídia muito
poderosa. Há uma
série de ações
educativas que podem se
articular para que se
chegue a produtos educacionais
interessantes.
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A internet não
deve moldar o curso, mas
ser um dos meios para
realizá-lo...
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Sim. Se você começa
pensando ''quero fazer
alguma coisa com internet,
mas já se faz e-commerce,
já se vendem serviços,
então, vou fazer
educação'',
aí, começa
a distorção.
A maioria das experiências
de cursos pela internet,
hoje, é ruim. Tem
uma qualidade pedagógica,
de inovação,
ruim. Meu orientador nos
Estados Unidos, David
Cavallo, costuma dizer
que a educação
a distância vem
reunindo o que há
de pior em educação
e o que há de pior
em distância.
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O que pode ser feito para
que se garanta um trabalho
de qualidade?
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Nos Estados Unidos, as
empresas de e-learning
já perceberam que
produzir conhecimento
não é a
mesma coisa que colocar
CDs para vender na internet.
Então, elas estão
se associando a grandes
universidades americanas
para, exatamente, usar
a experiência, o
conhecimento, o know-how
acumulados em educação
que essas universidades
têm. Por um lado,
isso transforma quem trabalha
na universidade, indiretamente,
em produtor de conteúdos
para cursos online. Há
quem critique isso.
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Por quê?
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Vários artigos
têm sido escritos
sobre isso, por americanos
como David Noble, que
considera isso uma ''proletarização
do trabalho universitário''
e uma ''comoditização
do saber universitário''.
Pega-se o conhecimento
da universidade, o conteúdo
dos cursos, o material
didático, a experiência
dos professores e encapsula-se
tudo isso em cursos online.
Depois, para o tipo de
curso que se cria, acaba-se
não precisando
de professores tão
qualificados. Temos o
exemplo, nos Estados Unidos,
da Unext, uma grande empresa
de educação
pela internet, que se
associou à Universidade
de Chicago e que tem um
dos diretores como conselheiro
da universidade. Isso
gera conflito de interesses.
Em várias universidades
americanas, professores
estão indignados
com esses acordos, fazem
protestos, manifestos
etc. Os termos são
desfavoráveis para
a universidade.
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Não há aspectos
positivos na associação
de empresas de e-learning
com universidades?
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Quando a empresa se apropria
desse material, faz o
uso que quiser dele, que
deixa de pertencer a uma
instituição
universitária,
para pertencer a uma empresa
cujo controle é
de acionistas. Na universidade
real, seja ela pública
ou privada, as pessoas
têm acesso ao que
está acontecendo,
têm acesso ao reitor,
têm espaço
para trocas, para negociações.
Em uma universidade virtual,
mal se sabe onde é
a sede.
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E isso importa?
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O comércio é
universal. Pode-se vender
um sabonete no Brasil,
nos Estados Unidos. Mas
a educação
não é universal;
é local, integrada
à cultura local.
Em um curso de Tecnologia
Aeroespacial online, por
exemplo, pode-se ter certeza
de que pontos mais avançados
e estratégicos
da tecnologia aeroespacial
que as pessoas que estudam
nos Estados Unidos, no
Laboratório do
MIT (Massachussets Institute
of Technology) vão
aprender ali, não
serão incluídos
no curso a distância.
É um produto para
exportação.
Todos os produtos que
o Brasil importa, se comprados
no local onde são
fabricados, em geral,
são melhores. Só
que uma coisa é
você comprar um
CD americano. Outra coisa
é comprar um curso
online.
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O ensino via internet
pode não despertar
o interesse das empresas
apenas por ser apresentado
como um treinamento mais
barato, mas por oferecer
as vantagens de um recurso,
pleno de agilidade, com
o qual nunca se havia
contado antes...
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Há um projeto interessante
de educação
a distância da Petrobrás,
há muitos anos,
para propiciar o acesso
a cursos a pessoas que
nunca poderiam sonhar
com isso e que estão
em diferentes pontos do
país. Mas é
um processo extremamente
caro. Existem outras experiências,
e não são
novos. Entretanto, o que
muitos querem, hoje, é
a fórmula mágica,
uma fábrica de
cursos pela internet,
uma produção
em série. Querem
se apropriar do conhecimento
universitário e
empacotar para viagem.
A universidade deve questionar
esse processo. Senão,
a educação
presencial será
cada vez mais elitista
e cara. E a educação
a distância, um
produto mais barato, de
menor qualidade, para
quem não puder
pagar o outro. Esse é
o grande perigo: reproduzir
e aprofundar uma estrutura
social perversa no uso
das novas tecnologias.
Entrevista - Paulo Blikstein
Fonte:
JBonline
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Novas
tecnologias podem limitar
e escravizar o homem