O normal em História é a turbulência

Peter Drucker, a caminho dos 90 anos, falou ao longo de quatro horas
numa entrevista em exclusivo sobre os temas mais quentes
do seu mais recente livro, «Management Challenges for the 21st Century»,
uma espécie de testamento, que acaba de ser lançado nos Estados Unidos. Recebeu-nos de ténis e com a sua simplicidade do costume, na sua modesta casa de Claremont, perto de Los Angeles. Ele é um verdadeiro maratonista da palavra, um contador da História deste século. O «pai» da disciplina da gestão percorre os últimos sessenta anos da sua escrita em vinte e uma perguntas

Jorge Nascimento Rodrigues com Jaime Fidalgo, editor da Executive Digest,
acompanhados de Mário Murteira e Luis Reto da Escola de Gestão do ISCTE,
em Claremont, Califórnia

Uma versão ampliada é publicada pela revista Executive Digest de Junho de 1999

 A entrevista em Claremont em 1995 | Drucker à Mesa | O local sagrado 
Um maratonista da palavra |
Como Jack Beatty desenhou Drucker
Management Challenges for the 21st Century (compra do livro)
Digest do novo livro |
Nos Arquivos de Drucker

O que é que o termo capitalismo hoje significa face à emergência da sociedade do conhecimento e da economia digital? Um dos seus livros levou o título pouco ortodoxo de «Sociedade Pós-Capitalista»...

A vivenda dos Drucker em ClaremontPETER DRUCKER - Há duas coisas diferentes, que convém não confundir. Uma é o capitalismo e outra é o mercado. O mercado não é perfeito, mas funciona, até à data nada tem funcionado melhor. O capitalismo, esse, já não é o que era. Houve grandes mudanças estruturais durante este século. A primeira foi a transferência do poder do propietário, do antigo «capitão de indústria», para os fornecedores de capital, a outra foi a emergência da organização como instituição social nova de que todos necessitamos para trabalhar, e finalmente a afirmação do trabalhador do conhecimento que detém a «propriedade» dos meios de produção, o seu saber.

Mas o capitalismo financeiro não é mais capitalismo?

P.D. - A questão não é essa. O capital financeiro de que falava Hilferding no início do século alterou completamente a economia de então e, mais tarde, o mesmo aconteceu com a «revolução invísivel» que anunciei em 1975 com a ascensão dos fundos de pensões, que se transformaram, nos Estados Unidos, nos grandes fornecedores anónimos de capital. Esta revolução financeira recente levou a que hoje os fundos de pensões detenham 40% do capital das empresas cotadas. E quem são esses fundos? Milhões de investidores anónimos, gente que se preocupa em garantir um complemento de reforma.

E em que medida as organizações e o tal trabalhador do saber estão a mandar o capitalismo para a gaveta?

P.D. - Com o trabalhador do saber a questão da propriedade dos meios de produção inverteu-se. Ele detém agora o principal meio de produção que é o seu próprio saber. A tal «alienação» que os marxistas combateram deixou de fazer sentido para gente que detém saber, e sobretudo saber elevado e especializado. Os trabalhadores manuais do capitalismo não tinham essa posse, tinham sim uma boa dose de experiência, mas esta só tinha valor económico no local onde trabalhavam, não era «portátil». Agora, o conhecimento é totalmente «portátil» e o trabalhador do conhecimento não é mais um «activo» no sentido tradicional do termo. Ele não pode ser comprado nem vendido.

Mas como é que as organizações, no sentido de instituição social que lhe dá, que nasceram e se massificaram com o capitalismo, estão a enterrá-lo?

P.D. - As organizações impuseram-se como o elemento chave da sociedade neste século. Uma que analisei nos meus primeiros livros foi a «corporação» empresarial (a «corporation», no original). E a sociedade do conhecimento para que nos deslocámos de uma maneira tão rápida é também uma sociedade de organizações. Mas quando falo de organização, não significa mais ser grande nem uniforme como outrora. Falo de organizações - sempre no plural - que serão diversificadas, descentralizadas e multiformes.

Alianças e não fusões

Drucker na entrevista O grande saiu de moda, o «small is beautiful» está de volta, é isso?

P.D. - Não é isso que estou a dizer. A organização pode ser pequena e encarar o «grande» com alianças e gestão de relações. Vejo o caso da (Peter F. Drucker) Graduate School of Management que vão visitar amanhã. Assumidamente não quer ser uma «grande» escola. Eu acho que as alianças vão ser o maior desafio dos próximos tempos. São o novo caminho de organizar. E não é apenas para os novos negócios, mas também para as indústrais maduras. Há 50 anos atrás quando escrevi «Concept of Corporation» não era assim. O caminho, então, era engordar, engordar, ser grande por si só. Grande hoje significa apenas mais problemas. Nos tempos actuais tem de se ser parceiro e não «boss». Mas é difícil aprender a ser parceiro. É uma relação democrática. E, também, tenho dito que a organização não se limita ao mundo dos negócios. Aliás, não me tenho cansado de chamar à atenção para a emergência do que se chama o «terceiro sector», das organizações sens fins lucrativos e de serviço público, como viveiros da independência e da diversidade, como guardiões de valores e como fonte de liderança e cidadania da sociedade civil.

Então que pontuação dá à febre de fusões e aquisições a que assistimos hoje não para criar apenas grandes organizações mas gigantes descomunais?

P.D. - Não são solução. Fazem algum sentido se as entendermos como puramente defensivas em indústrias e sectores em declínio acelerado. Veja o caso do automóvel ou da banca comercial e de investimento tradicionais, neste último caso a levar o choque de novos serviços financeiros vindos de sítios de onde nunca sonhariam.

Os novos donos da empresa são outros, então?

P.D. - São, os do dinheiro e os do saber. E ainda não sabemos como conjugar estes dois poderes. Mesmo a comunidade financeira tradicional ainda não se apercebeu destas novas realidades. Muitos bancos estão velhos de 150 anos. Isso lhe garanto eu que sou um veterano do mundo financeiro, onde começei em Frankfurt (pouco antes do «crash» de 1929) e depois em Londres. Os homens dos grandes gigantes da finança clássica não percebem nada de negócios.

Não percebem nada?

P.D. - Não. É preciso mostrar-lhes qual é hoje a filosofia básica dos negócios. O negócio hoje não é dinheiro, mas informação. E a arte é atrair talentos. Manter as pessoas certas é prioritário, recrutá-las bem é essêncial, ganhar o seu empenho é fundamental, tornar produtivos os trabalhadores do conhecimento é o maior desafio da gestão para o próximo século, pois a competição faz-se hoje através das pessoas e com um bom desenho estratégico do negócio. A única vantagem possível que os países desenvolvidos poderão ter é a oferta de gente preparada, educada e treinada para o trabalho baseado no saber. Nós vivemos um período de transição profunda...

Mas muita gente não acredita nisso, julga que isso é uma pura figura de estilo...

P.D. - As mudanças são, ainda, mais (sublinhe bem isto) radicais do que as sofridas na 2ª Revolução Industrial de meados do século XIX, ou mesmo do que as alterações estruturais trazidas pela Grande Depressão dos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial.

Onde estamos hoje na gestão

As mudanças do pós-guerra, nomeadamente, originaram a ascensão do «management», provocaram uma autêntica revolução da gestão. Que balanço faz dela neste século? Em que ponto estamos hoje sessenta anos depois de ter escrito o seu primeiro livro («The End of Economic Man»)?

P.D. - Vejo quatro grandes mudanças. Primeiro, o fim da ortodoxia na disciplina de gestão em termos do modo de organizar e de gerir pessoas. A ideia do francês Henri Fayol, no início do século, de que havia um único tipo «correcto» de organização deixou de ter qualquer utilidade. Ao longo do século, foram-se sucedendo soluções «únicas» atrás de soluções «únicas». Hoje já não cremos mais nisso. A organização não é um absoluto, é uma ferramenta. A segunda mudança teve a ver com a alteração do centro de gravidade no binómio das «tecnologias da informação», o peso passou do «t», de tecnologias, para o «i», de informação.

Mas em geral as pessoas tendem a olhar «tecnocraticamente» para a tal sociedade da informação e pensam nos computadores, na Internet. O que é que quer dizer com a dominância do «i»?

P.D. - O que eu digo é que está em curso uma nova revolução da informação. Mas não é sobretudo uma revolução na tecnologia, na maquinaria, nas técnicas, no software, na velocidade. É uma revolução de conceitos. Não o perceber é o que conduz a que muita gente do topo do management continue a encarar as TI como processadoras de «dados», em vez de as entender como produtoras de informação e conhecimento, que conduza a novas e diferentes questões, a novas e diferentes estratégias. Voltando, às mudanças que eu vejo. A terceira é o retorno aos tempos «normais» de turbulência...

Como assim, o «normal» é a turbulência?

P.D. - Meus amigos, a continuidade estável é que é excepção em História! O problema é que a maioria das pessoas não se consegue adaptar a este regresso da História ao seu curso «normal»... de turbulência.

E qual é a quarta grande mudança?

P.D. - A compreensão de que os sectores de crescimento no séc. XX nos países desenvolvidos não foram os ligados ao mundo dos negócios. Foram outros - os governos, as profissões liberais, a saúde, a educação, tudo sectores onde faz falta dramaticamente boa gestão. E creio que para o próximo século o sector que mostrará mair pujança será o sector social sem fins lucrativos.

O cataclismo demográfico

Nós passámos todo o tempo até aqui a falar de «economia». Mas, segundo este seu mais recente livro, o desafio dos desafios é o da demografia, a que se dá pouca atenção. O que é que nos está a reservar esta bomba ao retardor?

P.D. - É outra alteração estrutural fundamental, não essencialmente «económica». É provavelmente a nova realidade mais importante, sem precedente, na História. Como sabem a taxa de natalidade baixou enormemente na maioria dos países desenvolvidos. Isso é particularmente visível na Europa, que encetou um caminho para o suicídio colectivo em finais do séc. XXI, a continuar o actual colapso da natalidade. Em simultâneo, há um crescimento do peso dos idosos. Assistiremos, em meados do próximo século, a um desequilíbrio dramático em que os idosos serão esmagadoramente mais que os jovens.

O que é que vai implicar essa «revolução dos cabelos brancos»?

P.D. - Um dos desafios é colocar essa gente reformada, que esteja em perfeitas condições físicas e mentais, a ser útil à sociedade. É preciso aprender a trabalhar com pessoas idosas, isso poderá ser uma vantagem competitiva enorme. Eu creio mesmo que, nos próximos vinte ou trinta anos, a idade de reforma nos países desenvolvidos terá de subir. Ou pelo menos, a reforma não significará a saída do mundo do trabalho. As relações de trabalho tornar-se-ão provavelmente muito heterogéneas e crescentemente flexíveis. E quando a vossa geração - a que se designou de «baby boomers» - entrar na idade de reforma nas próximas décadas do século XXI trará consigo o facto de ser uma geração com uma maioria de trabalhadores do conhecimento. Crê que isso pode ser deitado para o lixo?

Aliás, o seu exemplo é bastante evidente (com quase 90 anos), continua a ser uma maratonista a dar aulas. E Doris, a sua mulher, até empresária virou agora aos oitenta e tal anos...

P.D. - Ouvem-na, está a trabalhar ! (ruído ao fundo de conversas ao telefone e de um computador ligado) Até ao ano passado, eu dei aulas todo o dia ao sábado na Graduate School of Management. Desde as 9 da manhã, sem interrupção, apenas com uma paragem para um «donut» e um café. Agora, só dou à tarde. A «classe» é de umas 80 pessoas, com séniores com uma média de 45 anos, muitos vindos do estrangeiro, com gente que não vem só de empresas, mas de organizações sem fins lucrativos, como hospitais, colégios, bispados.

Vê-se que adora ensinar... O jornalista Jack Beatty, no livro apaixonado que escreveu sobre si e a sua obra («The World According to Peter Drucker»), diz que você ficou incuravelmente infectado pelo vírus de ensinar, desde pequenino...

P.D. - Eu sou um grande falador. Mas dou aulas também para aprender com gente com experiência. O que eu insisto é que é preciso aprender a aprender todo o tempo da nossa vida. As pessoas, particularmente depois dos 50, têm de voltar à escola, senão ficam completamente obsoletas. Isso é mais óbvio ainda nalgumas áreas.

Mas sente-se um professor de gestão, aliás a disciplina de que o «acusam» de ser o pai fundador?

P.D. - Do que eu realmente falo é de História. Já sou suficientemente velho para me lembrar bem de tempos muito diferentes que se foram sucedendo ao longo deste século.

Keynes e Schumpeter ao vivo

Muita gente considera-o, também, um «economista», mas há uma história deliciosa sobre como o grande Keynes o conseguiu afastar de tal caminho...

P.D. - Quando eu estive em Londres nos anos 30, eu apanhava o combóio uma vez por semana para ir assistir às aulas de John Maynard Keynes em Cambridge. Havia muito «diz que disse» naquele ambiente. Keynes era homossexual e estava casado com uma linda lésbica e o casal era motivo de grandes conversas na época, como imaginam, mas o meu interesse não eram esses «detalhes». Nas aulas, subitamente apercebi-me que Keynes e todos aqueles brilhantes estudantes de economia falavam do comportamento das mercadorias e não das pessoas! Eu disse para comigo que o que me interessava eram as pessoas, e que sendo assim nunca poderia vir a ser um economista.

Mas um dos grandes economistas que o encantou foi Joseph Schumpeter, que aliás conheceu desde miúdo na Áustria e que o viria a inspirar na sua visão do empreendedor e da inovação...

P.D. - Bom vou pôr um pouco de pimenta na conversa. Schumpeter, «Pepi» como era conhecido, era um mulherengo impenitente, especializado mesmo em mulheres casadas. O meu pai conheceu-o desde novo, na faculdade de economia da Universidade de Viena, e safou-o algumas vezes de algumas encrencas em que ele se meteu. Ele foi, também, meteoricamente ministro das Finanças na Áustria em 1922, mas demitiu-se, um ano depois, reconhecendo que muitas decisões nesse campo são mais questões de vontade política do que de teoria ou política económicas. Ele ficou muito traumatizado com isso. Ele sabia o que era então necessário fazer, mas não o pôde fazer. Algum do pessimismo que perpassa no seu clássico «Capitalismo, Socialismo e Democracia», escrito na América mais de vinte anos depois, tem a ver com essa experiência traumática. Ele só «assentou» dos devaneios quando casou e já na América.

Li algures que esteve com Schumpeter pouco antes da sua morte...

P.D. - Eu levei o meu pai a visitá-lo estava ele no seu último ano a dar aulas em Harvard. Ele morreria alguns dias depois. Nunca me esquece o que ele respondeu, a dado passo, ao meu pai: «Adolfo (era o nome do meu pai), atingi uma idade em que não é suficiente ser lembrado pelos livros e teorias. Só se marca realmente a diferença quando significamos diferença de facto na vida das pessoas». Nunca me esqueci desta (última) conversa.

Psicologicamente atlânticos
Peter Ferdinand Drucker conhece Portugal de Norte a Sul de viagens que por cá fez com Doris, a sua mulher, quando mais novo.
Fala com o à vontade de quem visitou Évora ou Tomar há dois dias atrás e revela uma memória fotográfica notável dos locais, quando Mário Murteira e Luis Reto, da Escola de Gestão do ISCTE, lhe ofereceram um livro profusamente ilustrado sobre o nosso país.
Foi decididamente um turista não acidental este austríaco de nascimento e americano de adopção a partir de 1937.
Mas que registo tem de Portugal este homem com uma memória de elefante?
«Vocês são psicologicamente diferentes do ponto de vista da História. Portugal é um país atlântico. Não creio que 'encaixem' noutro figurino», responde-nos a meio de um café duplo, com que encerra a refeição.
E, depois, desconcertante, como só ele saber ser ao falar da História com palavras simples: «Vocês têm também uma vantagem clara sobre Espanha, a meu ver. Tiveram a sorte (risos) de nunca ter tido um governo central eficaz. O que vos obrigou a serem mais 'desenrascados' e têm razões de fundo para serem mais empreendedores. Vejo-vos mais parecidos com os catalães do que com os castelhanos».


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    O local sagrado
    Ao encontro da máquina de escrever
    Drucker e a célebre máquina de escreverAo longo dos anos trocámos muitos «faxes», escritos à máquina e emendados à mão meticulosamente. Peter Drucker é um «paranóico» da perfeição, como ele próprio se define.
    Sempre tive a curiosidade de conhecer a célebre máquina de escrever do homem que há 30 anos atrás foi dos primeiros a falar da emergência da nova indústria da informação. Mas Drucker continua a preferir aquela máquina ao processador de texto no PC. Ele disse uma vez a Jack Beatty, o jornalista da revista «Atlantic Monthly» que escreveu um livro sobre a sua vida e obra («The World According to Peter Drucker» ), que «o processador de texto torna-me excessivamente palavroso» na segunda ou primeira actividade de que ele mais gosta - escrever. A outra é falar, onde ele é um maratonista.
    Da primeira vez que estive em Claremont, em 1994, foi muito à pressa e Drucker falava com algumas longas pausas, revelando algum cansaço.Tinha acabado de sair da escrita de «A Sociedade Pós-Capitalista», uma das suas obras recentes mais marcantes. A visita foi rápida e a curiosidade não se pôde, então, desfazer.
    Desta vez, condescendeu a tirar algumas fotos no seu local sagrado. É um escritório que dá para a estrada, carregado de livros e papeis, onde as duas peças «tecnológicas» com que lidei do outro lado da linha ao longo de anos lá estavam incólumes, o «fax» e a máquina de escrever electrónica.

    Claremont, Fevereiro de 1999
    Jorge Nascimento Rodrigues


    Um maratonista da palavra
    Foram mais de quatro horas de registo de entrevista. Pelo meio ficou um almoço em Claremont num restaurante italiano, onde o «pai» do management «atacou» saborosamente uma lasanha e terminou com um café duplo, raramente parando de falar.
    Ele é um maratonista da palavra quase a caminho dos 90 anos, que fará em Novembro próximo. Conta histórias, mais precisamente conta a História como se viajasse ao longo do século, pairando de helicóptero.
    «Do que realmente gosto de falar é de História», esclarece desconcertando-nos. O leitor costuma vê-lo como um «economista» (mas se lho dizem na cara apanham com uma sonora gargalhada) ou como um guru falando da gestão num estilo acéptico.
    Ele recorre à História para relativizar o que hoje se chama de «hype», a cortina de fumo de exageros, ou para nos dizer que depois desta moda virá outra, que se calhar coloca tudo de pernas para o ar: «Eu já sou suficientemente velho para me lembrar de tempos muito diferentes que se foram sucedendo ao longo deste século».
    Privou com imensa gente que marcou o século e conta piadas sobre a vida desses «VIP», com algum picante, como as histórias à volta dos dois «monstros sagrados» da economia contemporânea, Keynes, que conheceu em Londres, e Schumpeter, outro austríaco que era amigo e colega do pai.
    O jovem Drucker também conheceu Freud na sua Viena (de Áustria) natal e desmistifica-o sem rebuço, apesar de o considerar com Keynes e Marx um dos três homens cujo pensamento maior impacte teve no mundo ocidental. «A meu ver, a psicanálise freudiana representa ume esforço gigantesco para combinar numa síntese a razão científica e a experiência interior que está fora do domínio da razão. É uma síntese entre o científico e o mágico. Funde numa só pessoa o ultra-racionalista, filho do Iluminismo, e o sonhador, o poeta da 'noite negra da alma'», uma abordagem que alguns psicanalistas não gostarão.
    Mas o grande ponto forte de Drucker é que sempre foi um expectador atento do «futuro já presente», como ele diz. Um observador das tais tendências que já estão em movimento debaixo dos nossos pés mas que a maioria ainda não vê. Meticulosamente identifica-as, discute-as, analisa-as e prescreve-as, e diz-nos que isto está ao nosso alcance, que é uma atitude e um método que pode ser aprendido, treinado e dominado. «A mudança já foi quando quando começamos a falar que temos de a gerir. A mudança não se gere. Só se pode antecipar, só se pode liderar», aconselha Drucker.
    Fala-nos das tendências para que abramos os olhos, para que as aproveitemos antes de elas serem temas quentes. «Quando forem 'temas quentes' já arrefeceram para quem quiser estar na liderança», conclui Peter Drucker, que continua a andar pelo seu pé, que recusa que lhe demos o braço ou a mão, que se apoia, quando necessário, numa bengala, que tem uma longa etiqueta pendurada com o seu nome.