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O Tempo e as Pessoas na Organização
Assunto/s | Globalização - Mudança - Organização
Autor/es | Teixeira Filho, Jayme
Publicado | 11/2001
 
         
     

Em seu livro A Lentidão (Nova Fronteira, RJ, 1995), Milan Kundera lança um olhar provocativo sobre o chamado mundo moderno, uma reflexão sobre o tempo e sobre o fim de uma época em que se tinha tempo, em que se podia prazerosamente retardar o movimento das coisas em favor da fruição.

Ilustrando suas indagações com a correria comum das pessoas no trânsito, Kundera indica que a "velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu de presente ao homem". Em contrapartida, o utilitarismo puritano joga a eficácia em oposição à ociosidade. Na vida moderna a ociosidade se transformou em desocupação, trocando sua dignidade contemplativa, que convida à reflexão, pela frustração da busca de um movimento que parece sempre lhe faltar. A utilidade de cada minúscula fração do tempo é cruelmente o critério último do valor da vida. Administramos nossas vidas, então, de forma a tornar útil, eficaz, eficiente, rentável, cada fração do tempo. O mundo é transformado em uma apertada agenda. E a vida, em cumpri-la.

É curioso partir-se desta perspectiva para pensar as pessoas nas empresas competitivas, neste momento globalizado em que a velocidade percebida das mudanças se acelera ferozmente.

 
      A globalização e a flexibilidade.  
     

As transformações econômicas são tão marcantes nestes tempos que parece difícil, para qualquer espírito mais crítico, ensaiar qualquer opinião sem situá-la neste contexto histórico. Vivemos os anos da Globalização. Esse termo - usado de múltiplas formas nos mais variados sentidos - designa aqui um conjunto de idéias sobre uma nova forma de relacionamento internacional entre os governos, as empresas e indivíduos. Por Globalização denomina-se aqui, essencialmente, um conjunto de fatores, como a intensificação do comércio internacional de produtos e serviços, o intercâmbio cultural acentuado e a fluidez das informações.

Néstor Canclini, em seu livro Consumidores e Cidadãos (UFRJ, RJ, 1995), alerta para o fato de que as identidades hoje se organizam tanto a partir de símbolos nacionais como em torno daqueles produzidos comercialmente. "Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos - a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses - recebem sua resposta mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa, do que das regras abstratas da democracia e ou pela participação coletiva em espaços públicos".

A maneira neoliberal de globalizar tem levado a uma "cultura do efêmero". Muito do que é feito nas artes hoje, por exemplo, está menos ligado a uma vanguarda experimentalista e mais associado a interesses comerciais que "dinamizam" o mercado com novos lançamentos. Para constatar isso, basta percorrer a relação de estréias no caderno de cinema do jornal. E a premência do efêmero, essa certa permanência da novidade, condiciona também nossa percepção do tempo e a forma como encaramos as mudanças.

A adaptação é o traço característico aparente daqueles que parecem melhor navegar nesse mar de mudanças. A flexibilidade passa a ser cada vez mais valorizada. O ápice da era da indústria de massa para consumo de massa, inaugurada com Ford, é a customização de massa: atender às expectativas individuais de forma massiva, mas ainda assim diferenciada. E flexibilidade e velocidade de adaptação nos remetem novamente à percepção do tempo.

 
      A velocidade das mudanças  
     

Para transformar dados em informações precisamos de ferramentas que vasculhem e organizem. Precisamos agrupar, identificar padrões, efetuar cálculos. Mas para transformar informação em conhecimento, precisamos de tempo. A reflexão que leva à compreensão exige tempo de maturação.

A questão da velocidade das mudanças traz embutida a questão da percepção dessa velocidade. Quando uma sucessão de fatos ocorrem sem que compreendamos sua natureza, suas causas e conseqüências, temos a impressão de uma velocidade muito maior. Quando encontramos padrões de comportamento e explicações lógicas para os fatos, podemos encará-los via relações de causa e efeito, e às vezes nos darmos até ao luxo da previsibilidade.

A tecnologia da informação e da comunicação expõe as pessoas hoje, através de diversas mídias, a uma avalanche de dados e informações. Somos inundados de fatos novos, todos os dias, pelos telejornais vespertinos, por exemplo. Mas a maioria das pessoas não consegue articular relações inteligentes de causa-efeito durante o curto espaço de tempo dos intervalos comerciais da TV...

A percepção da velocidade das mudanças se acelera ao ritmo das próprias mudanças, é claro, que é vertiginoso em todo o mundo. Mas essa percepção também é acelerada pela forma como as informações circulam. A simultaneidade entre acontecimento e notícia, propiciada pelos novos meios de comunicação, é crucial para essa percepção de velocidade.

Uma conseqüência disso é que nos aproximamos de níveis de saturação de informação nunca antes vivenciados. Incapazes de refletir sobre a torrente de informações que nos chegam, pela exiguidade crescente do tempo disponível para isso entre uma notícia e a seguinte, temos cada vez mais dificuldade para consolidar conhecimento. E assim nossa capacidade de julgamento vive ao sabor dos "sustos" entregues cada vez mais rápido pela mídia.

Muito tem sido dito em Administração sobre a capacidade de adaptação como vantagem competitiva para as organizações e também para os indivíduos. Na perspectiva de Kundera, talvez devamos entender que essa capacidade é menos a agilidade para aderir às novas práticas, e mais a profundidade da reflexão sobre a natureza das mudanças em curso. Trata-se de entender antes de aderir. Assim, essa perspectiva inverte a costumeira abordagem "eficiente" do uso do tempo.

 
      Visão estratégica  
     

Charles Handy, em Tempo de Mudanças [Saraiva, SP, 1996] , nos lembra que "o futuro não é ineviável... podemos influenciá-lo se soubermos o que queremos dele". Essa mensagem, mais do que um alento para tempos turbulentos, é um alerta para a importância da visão estratégica.

Os administradores têm sido desafiados a desvendar os mistérios do ambiente em que suas organizações se inserem, identificando oportunidades e ameaças, e definindo novos rumos para suas empresas. Em muitos sentidos, a idéia de visão estratégica tem sido associada com a de vantagem competitiva , essencialmente em uma abordagem adaptativa. Muda o ambiente, muda a organização. Melhor ainda se pudermos antever as mudanças do ambiente, pró-ativamente. Melhor ainda se pudermos induzir às mudanças no ambiente favoravelmente.

O problema crucial que se agudiza neste fim de século é que o ciclo percepção-adaptação está ficando espremido em janelas de tempo cada vez menores. O que antes se fazia em gerações, passou a ser feito em anos, e agora em meses. A visão estratégica passa a ser permanentemente atualizada, cada vez mais rápido, com menos tempo para reflexão e amadurecimento. E, muitas vezes, na corrida contra o relógio perdemos nossa bússola, esquecemos porque, em primeiro lugar, entramos nessa corrida.

As pessoas nas empresas competitivas

A Administração , em geral, e a Gestão de Recursos Humanos, em particular, têm sido desafiadas a repensar o papel das pessoas nas empresas competitivas. O ser humano - revalorizado em todas as suas dimensões - está sendo conduzido ao centro do palco. Em todos os níveis da organização fala-se no novo papel das pessoas. O talento individual e a capacidade de desenvolvimento em equipe são indicados como cruciais para a vantagem competitiva das empresas.

Apesar de tudo, mudamos para competir uns com os outros, e não na busca de um mundo melhor. A torrente de mudanças não é planejada, não é orientada por princípios éticos de uma visão de mundo compartilhada. A velocidade e, principalmente, a direção das mudanças são condicionadas pela competição imediatista entre interesses alheios à compreensão e ao controle dos indivíduos.

Assim, talvez a verdadeira questão não seja como aproveitar melhor o tempo no sentido utilitário das novas tecnologias da informação e da comunicação. Talvez o interessante seja recuperar o controle sobre essa impermanência do tempo moderno, adequando seu ritmo, redescobrindo o espaço da reflexão e da ociosidade.

Talvez a verdadeira conquista não esteja na organização dos empreendimentos, e da vida, para a eficiência do uso do tempo , mas sim para sua fruição.

Jayme Teixeira Filho (jayme@attglobal.com.br, jayme.filho@sbgc.org.br) é professor da Fundação Getúlio Vargas, autor do livro Gerenciando Conhecimento (Editora SENAC Rio, 2000) e presidente da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento.

 
         
         
     
Bibliografia:
 
     
 
         
     
 
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