O
papel de Peter Drucker nos 50 anos de história da disciplina do Management
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por
Jorge Nascimento Rodrigues
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O que a gestão é hoje deve-o a Peter Drucker, um austríaco emigrado para o Novo Mundo, nos anos de emergência do nazi-fascismo na Europa, que sempre se recusou a ser um "economista" e que é um expoente de um observador de tendências típico do século XX. Apesar de estar com 90 anos, a sua escrita e fala vão ainda influenciar longamente o novo século. O ponto de inflexão na gestão deste último meio século é a consagração do "politicamente incorrecto" e não do que agradava aos donos de impérios empresariais ou à "nomenklatura" dos consultores. Os marcos estão associados ao triunfo da contra-corrente da época, ainda que muitos dos protagonistas nunca tenham feito gala disso. Peter Drucker desenhou, no final dos anos 40, a doutrina da gestão contra a opinião dominante dos czares empresariais, que a encaravam como o dom de um príncipe, e disso gostariam de fazer coutada. Drucker disse, logo no começo, que o management podia ser uma doutrina - com o conhecimento codificado e explícito - passível de ser absorvida pelos mortais e por isso, a prazo, massificada, como veio a acontecer umas décadas mais tarde. Uma trilogia de livros de Drucker marca a primeira grande "fractura" na literatura de gestão: Concept of Corporation (1946) - o estudo dessa invenção americana que foi a "corporação" empresarial; The New Society (1951) - onde se revela a faceta de observador da sociedade que "lê" as grandes viragens; e The Practice of Management (1954), a bíblia de todos os tempos. A guinada foi tão forte que Drucker pode bem ser alcunhado o "Dr. Management" do Século XX, como Jack Beatty, um senior da revista americana "The Atlantic Monthly", quis intitular um livro sobre o velho senhor de Claremont (na Califórnia do Sul, perto de Los Angeles), mas ele - que não gosta nada do showbiz ou do showbuzz - não deixou. Embrulhado na investigação que fez e profundamente "inebriado" pelo personagem, Beatty resumiu assim o peso histórico de Drucker: "A ideia mais importante de Peter foi a sua impressionante concepção do management. Foi o primeiro a dar uma visão completíssima da gestão. Ele deu dignidade a uma profissão e convenceu-nos de que estávamos diante do órgão central da nossa sociedade. Alguém disse que, se a Natureza se esquecesse de si própria algum dia, poderia reencontrar-se em Shakespeare, tal como a gestão o poderá fazer em Drucker". Um novo continente doutrinário Muita gente já o tentara fazer. Um prático como Chester Barnard listara uns anos antes as funções do "executivo" (um nome que pegou e ganhou status) e James Burnham cunhara a "revolução da gestão" e reclamara para o gestor o papel liderante na sociedade capitalista de então. Sociedade, recorde-se, que atravessava um período conturbado de crise, guerra e emergência de uma nova vaga tecnológica e se aproximava do ponto de viragem para um novo ciclo económico longo. Mas ninguém como Drucker fez a dupla proeza de criar "um novo continente", como chama Beatty à disciplina da gestão, e de dar solidez ideológica à profissionalização da nova carreira emergente, a de gestor. Drucker foi, também, um observador atento da sociedade, que via nascer o que o economista Paul Romer recentemente denominou "Era do transístor", o berço de uma novíssima indústria e de um novo paradigma tecno-industrial, o ponto de viragem para um novo ciclo económico longo de Kondratieff, que viria a gerar, umas décadas depois, o que Alvin Toffler chamou "Terceira Vaga". A revolta contra os números Neste cadinho, a primeira revolução da gestão amadureceu com o pontapé dado por Drucker. Alfred Chandler escrevia, já nos anos 60, Strategy and Structure, um dos livros marcantes deste meio século, e uma vaga de heréticos revoltava-se contra o dogma dos números e reorientava a gestão para as pessoas. Um dos livros mais emblemáticos dessa "humanização" foi precisamente The Humam Side of the Enterprise, de Douglas McGregor. Mas muitas das experiências desta escola das relações humanas eram ilhas isoladas e inclusive foram mantidas secretas. Outros, trilhavam o caminho do cliente. O movimento da Qualidade e o marketing emergiam, mas o primeiro, com os trabalhos de Deming e Juran, só seria ouvido no Japão. A história destes tempos difíceis dos heréticos é contada magistralmente pelo repórter e escritor Art Kleiner no seu livro propositadamente intitulado The Age of Heretics. Mas aproximavam-se aceleradamente novos tempos. E o prestígio de Drucker voltou a não ser abalado. Diz Gary Hamel a propósito: "Tente lembrar-se de alguma coisa "nova", que Peter Drucker não tenha já dito pela primeira vez e bem".
De facto, voltamos a encontrá-lo no período da "grande fractura histórica", como ele, anos mais tarde, lhe chamaria. Em The Age of Discontinuity (1969), Drucker anteviu as novas regras do jogo. Os anos 70 chegavam em força com o fim do padrão ouro e a emergência do padrão informação, com as mediáticas crises do petróleo, o fabrico do primeiro microprocessador e a revolução dos computadores pessoais, bem como o nascimento de uma nova figura, o trabalhador do conhecimento. Drucker cunhou, então, o termo "economia do saber", algo que só hoje começamos a perceber, trinta anos depois. O culto da mudança de paradigma Não esteve só, obviamente. Mas, na gestão, marcou este novo ponto de inflexão. A nova época veria desenvolver-se o culto da "mudança de paradigma" e de "pensar o impensável", com os futuristas, como Herman Kahn, Alvin Toffler (O Choque do Futuro sai em 1970), Willis Herman, Jay Forrester e o casal Meadows (do relatório Os Limites ao Crescimento), e os arautos da sociedade pós-industrial, como Daniel Bell. Nasciam também os planeadores de cenários. O caso do grupo pioneiro Royal Dutch/Shell consagraria o novo método dos cenários, ao ter antevisto um similar ao da crise do petróleo. Novos personagens começavam, entretanto, a dar o jogo. Kenichi Ohmae, no Japão, escrevia, em 1975, o livro que, anos mais tarde, seria traduzido na América com o título The Mind of the Strategist. O modelo japonês emergia e subitamente atraía os ensonados ocidentais no começo dos anos 80. Os livros sobre a gestão japonesa sucederam-se, depois, na América - com William Ouchi (o célebre Theory Z) e com Pascale e Athos. O movimento da Qualidade, teorizado nos anos 50 por americanos, era reexportado do Japão. Deming e Juran voltavam em glória à América e à Europa. Mas apesar do "choque" japonês, a gestão continuava muito insípida, entregue, em geral, a académicos chatos e a consultores repetindo matrizes para entendidos. O furacão que viria abalar a gestão tem o nome de uma dupla: Tom Peters e Robert Waterman. Estes dois homens da "nomenklatura" da consultoria mais fina (eram da McKinsey) fizeram o pino e produziram em 1982 o livro de gestão mais vendido até hoje: Na Senda da Excelência. Um acidente de carro empurrara Tom Peters para a cama e obrigou-o à escrita daquilo que ele e Bob, atónitos, tinham visto no terreno em empresas com sucesso fora do Japão - e que nada tinha que ver com o convencional. A indústria dos gurus faz o seu aparecimento Muita gente tem dúvidas se este livro marcou ou não uma "fractura" histórica na doutrina da gestão. Gary Hamel afirmou peremptoriamente que não. Mas um facto indiscutível é que marcou um ponto de inflexão na popularização da gestão. John Kao sublinhou que "o livro talvez tenha marcado uma ruptura no sentido de que os livros de gestão, a partir daí, passaram a atingir rapidamente a posição de best-sellers", fizeram despoletar o negócio editorial de gestão. E pela força da popularização, os livros passaram a mudar as coisas. As ideias que veiculavam alteravam a ideologia e o comportamento da massa dos gestores, nem sempre familiarizados com os papers dos académicos. Quem acentua com força esta viragem é Stuart Crainer, um jornalista e escritor inglês, que publicou The Ultimate Business Library - uma recolha dos 50 livros de gestão mais importantes de sempre. Ele sublinhou a propósito: "Na Senda da Excelência não desencadeou, se calhar, uma revolução, mas criou literalmente a indústria dos gurus. Mostrou que há um mercado de massa para as ideias de gestão". Tom Peters foi, indiscutivelmente, quem melhor percebeu a oportunidade - ele foi o guru dos gurus. Crainer dedicou-lhe uma biografia. No entanto, como refere Art Kleiner, o livro teve também o mérito de fechar com êxito um ciclo de trinta e cinco anos de heresias, praticadas em minoria e à sucapa - "trouxe a heresia para o centro do palco". Ter sido herético rendeu, foi o juízo da História. Os anos 80, depois, abalaram a modorra do mercado literário de gestão. Entre as muitas obras, Gary Hamel salienta Competitive Strategy, de Michael Porter, que lançaria para a ribalta a competitividade, palavra que ganharia estatuto de ideologia e quase fé nos anos 90, depois da obra monumental do autor, A Vantagem Competitiva das Nações. Stuart Crainer considera-a "a obra académica mais ambiciosa dos últimos tempos", o que projecta o "professor competitividade" como o académico de maior nomeada até há bem pouco tempo (pelo menos até à Internet se massificar e a World Wide Web fazer o seu aparecimento em cena e começar a pôr em causa o modelo do académico de Harvard). Com os trabalhos iniciais de Porter é indiscutível que a estratégia começa, finalmente, a ganhar foros de cidadania e a autonomizar-se no corpo da gestão. E, uma vez mais, popularizou-se, inclusive como "ferramenta" de políticas estatais. As duas "perestroikas" - na política e na gestão Com a Perestroika o mundo mudou de um dia para o outro. O primeiro a cheirar as novas realidades foi de novo Drucker com um artigo na revista "Harvard Business Review" (HBR), no próprio ano de 1988, sobre o tipo de organização empresarial que emergia e com outro livro-chave em 1989 (precisamente intitulado The New Realities). O tema seria retomado magistralmente em A Sociedade Pós-Capitalista (em 1993), uma obra que é indispensável colocar na sua biblioteca (mas depois de a ter efectivamente lido). Nascia uma prestroika de ideias e de comportamentos também no management, ao mesmo tempo que a Internet se massificava e que a Web dava os seus primeiros passos. As "novas realidades" iriam, rapidamente, dar origem a uma "nova" economia e a um embrião de nova sociedade. O ano de 1990 viu irromper uma série de artigos na "HBR" que podem ser considerados "revolucionários": Michael Hammer lança o slogan da reengenharia, Gary Hamel e C.K. Prahalad falam das competências distintivas. Tom Peters volta a chocar o mundo com Liberation Management, mais um livro provocador. Alguns destes autores têm produzido obras marcantes desde aí e outros se lhes têm juntado dentro da mesma linha, como John Kao, o "Sr. Criatividade", ou Charles Handy, a quem chamam o "Drucker europeu". A reengenharia, entretanto, parece ter sido vítima do próprio downsizing a que muita gente a colou e Hammer perdeu a oportunidade de destronar financeiramente Peters como guru dos gurus. Há, no entanto, uma dupla subversão que sai de todas estas obras dos anos 90: a gestão tem de deixar de ser uma coutada de uma "nomenklatura" e a organização tem de superar, de uma vez por todas, os moldes tradicionais, herdados ainda de Taylor (a tarefa), Max Weber (a burocracia), Fayol (os silos funcionais) e Sloan (os departamentos). Inclusive, o Estado não pode ficar de fora desta barrela - é o que vieram dizer Ted Gaebler e David Osborbe em Reinventing Government. Prefigura-se, assim, um novo ponto de inflexão na história do Management. Hamel já fez o elogio da estratégia como revolução - o artigo, com esse título, que escreveu na "HBR" foi premiado como o melhor artigo de 1996. Sumantra Ghoshal e Christopher Bartlett, na edição de aniversário da revista "Sloan Management Review" (em 1999) - propositadamente dedicada a "Em Busca da Estratégia" - cunham a necessidade e os "mandamentos" de um novo Manifesto para a Gestão. O elogio da criação de valor para a sociedade, da inovação e do empreendedorismo perpassa por todo o texto. É o sinal da nova época associada a uma aceleração da nova economia. Abrem-se as portas de par em par a uma segunda revolução na gestão, como já a alcunhou James Champy, o outro fundador da reengenharia. Peter Drucker, quase aos 90 anos, escreve a sua provável última obra de fôlego - Management Challenges for the 21st Century, publicada no ano passado. Jorge Nascimento Rodrigues Coordenador da RPG, colaborador do Expresso, da Executive Digest e da Ideias & Negócios, editor do portal http://www.janelanaweb.com/ Contacto do autor: email:mailto:jnr@mail.telepac.pt Tome Nota: Este texto é uma actualização de um artigo publicado em 1997 na http://www.janelanaweb.com/. O artigo continua em "construção". |
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Bibliografia:
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