Recursos humanos - Educação - Treinamento

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Você já participou de uma festa à fantasia? Se a resposta for positiva, você certamente vai lembrar da sensação de liberdade que há em viver uma personagem. Nesses momentos, afloram expressões às vezes não permitidas ao indivíduo em outras circunstâncias, como coragem, sensualidade, criatividade, liderança, etc. e até algumas consideradas "negativas" como valentia, promiscuidade, egoísmo, vaidade, e por aí vai.

Essas manifestações surgidas em uma situação artificial são comportamentos legítimos, porém com sua expressão limitada pelos padrões impostos desde a infância pela família, pela escola, pela empresa e pela sociedade. Muitas de nossas habilidades não são reconhecidas porque não temos a oportunidade de manifestá-las. O treinamento temático é uma atividade onde essa experiência pode se dar.

Em educação de adultos, temos que lidar com os arquétipos que povoam nossa personalidade, gerando respostas automáticas, previsíveis, dentro de um padrão do que seja considerado normal, afastando a pessoa da busca por uma resposta original e mais personalizada. Diferente das crianças, os adultos trazem modelos de comportamento e crenças sobre o que é ou não possível. Para vencer determinadas barreiras mentais colocadas frente a desafios e oportunidades, é preciso emancipar o indivíduo de sua esfera de pensamento.

Ao propor uma atividade temática, o aprendiz pode viver uma personagem dentro de um contexto de "fantasia" para poder exercitar quem de fato ele é. A linguagem simbólica utilizada em um programa de desenvolvimento temático permite uma reflexão muito mais profunda e uma aprendizagem perene. Isso porque a linguagem cerebral é simbólica, nos remete ao sentido mais amplo da experiência; assim, ao falarmos a palavra "bússola", por exemplo, é dispensável uma explicação sobre a necessidade de se ter um norte, estar orientado por objetivos, ter clareza de propósitos, etc... O conceito mais profundo do símbolo "bússola" nos remete imediatamente àqueles conceitos.

Essa noção, um tanto estranha, que temos sobre o processo de educação como modelador de comportamento, em que a pessoa deve aprender como agir, como se relacionar, como produzir, é contraposta pelo treinamento temático, onde a pessoa vai aprender sobre quem é, descobrir habilidades, reconhecer limites auto impostos, debater com seus estereótipos e criar, de maneira absolutamente nova e inovadora, seus próprios métodos para fazer e viver melhor.

Einstein afirmou que a imaginação é mais importante do que o conhecimento. Essa frase merece uma reflexão à luz da educação. Por que, se vivemos a era do conhecimento, se tudo que se fala é sobre o diferencial competitivo que o reconhecimento agrega, um pensador tão brilhante quanto Einstein haveria de sugerir que o universo incerto e fantasioso da imaginação teria tal importância? Porque o conhecimento basicamente explica o passado, organiza as informações já coletadas atribuindo-lhes um valor, porém é a imaginação que contém o pó mágico que cria nosso futuro. Está na esfera de nossos pensamentos a criação máxima do que ainda vamos viver.

O treinamento temático é um método para liberar o pensamento abstrato, aquele responsável por nossa imaginação. Na medida que se propõe um tema, uma fantasia através da qual as pessoas possam manifestar seus comportamentos, muitas vezes desconhecidos ou inexplorados, e já que toda a comunicação é através da linguagem simbólica, temos uma experiência abstrata, saímos da prisão do pensamento concreto e, em vez de apenas usarmos metáforas de aprendizagem, vivenciamos, nós mesmos, uma grande metáfora. Nesse ambiente propício, nossa imaginação é capaz de criar uma nova história para nossas vidas, onde a competência, a realização, o sucesso e a felicidade são perfeitamente possíveis. E é assim que precisamos aprender a criar nosso futuro.

UMA EXPERIÊNCIA TEMÁTICA

Imagine que você é um pirata do século XVI. Seu nome é Barba Ruiva e você é considerado o terror dos mares. Sua liderança é inquestionável, tanto quanto cruel. Seus correligionários tremem à sua presença, seus adversários e oponentes fogem e seus inimigos já estão mortos. Você...

Ah, quer saber como continua essa história? Então conta pra nós. Pois é assim que funciona um treinamento temático, cada participante tem uma personagem dentro do tema, para criar e vivenciar. O tema, que pode variar entre períodos históricos (um tempo no passado), mitos (convenção de bruxas, Rei Arthur e sua Távola Redonda, os deuses do Olimpo), metáforas (futebol, olimpíadas, viagens), fantasias (vida em outro planeta, um país que não existe, um tempo no futuro), etc., etc., é a arena onde podemos exercitar comportamentos e vivenciar a aprendizagem de forma acelerada.

O que é importante considerar é o planejamento da experiência temática. Ele deve atender às necessidades e objetivos do grupo de treinandos da empresa (quando envolvidas) e do compromisso de desenvolvimento que todo processo educativo deve ter. Ou seja, não pode ser uma grande festa à fantasia por si só. O facilitador deve ser capaz de trazer à tona reflexões importantes sobre os estereótipos que se manifestem durante a experiência, além de orientar a execução das dinâmicas que devem ser totalmente criadas e/ou adaptadas para o tema proposto.

Sendo o treinamento temático uma grande metáfora, é sempre muito rico de reflexões e insights, e não há como prever as múltiplas possibilidades que a experiência traz para seus participantes. Assim, é indispensável que o facilitador tenha uma sólida formação nas ciências do comportamento, como filosofia, psicologia, antropologia, comunicação ou similares, com uma ampla visão de cultura geral e forte bagagem didática. Porque, do contrário, muito do que se processar durante a experiência não poderá ser aproveitada pelo grupo ou pelos indivíduos. É preciso considerar que nem todas as pessoas vão compreender a experiência em sua plenitude, porque somos profundamente moldados por nossos preconceitos e, muitas vezes, estamos cegos para o que está um palmo à nossa frente.

É aí que o facilitador deve atuar. Contribuindo para que os aprendizes avancem pelo caminho que eles mesmos vão abrindo, propondo uma reflexão sobre o comportamento expresso para gerar uma revisão, em nível mais profundo, da percepção que temos da realidade, expandindo-a, modificando-a e, conseqüentemente, transformando o comportamento, gerando uma nova realidade.

É claro que essa é a função da educação, em qualquer de suas manifestações; entretanto, a vantagem desse treinamento é a proposta divertida e envolvente que oferece, fazendo do aprendiz um participante ativo, não apenas audiência, estimulando de forma consistente sua contribuição e autopercepção e atuando num nível muito mais vivencial e menos teórico.

Outra facilidade permitida num treinamento temático é a possibilidade de rever estereótipos que moldam nosso comportamento, sem gerar traumas ou aflições. Bem, não quer dizer que o participante fique isento de inquietações mas, de certa forma, esse é um dos objetivos da educação. Estar inquieto, inconformado com o que aí está, é premissa importante para o crescimento.

Um exemplo de revisão de estereótipos é o mito da bruxa, que é sempre colocada, em nosso imaginário infantil, como uma figura má, feia, egoísta e vingativa, em contraponto com a fada madrinha, que é um anjo de bondade e beleza. Entretanto se vamos nos aprofundar nessa percepção, há mensagens subliminares que produzem respostas inconscientes. A bruxa, que é má, usa o poder em proveito próprio, enquanto que a fada faz o bem para os outros. Assim somos condicionados a acreditar que nosso poder pessoal não deve ser usado em proveito próprio. Outras culturas pensam de forma diferente, como os Estados Unidos, por exemplo, onde a bruxa é cultuada e imitada, e onde, não por acaso, se estabeleceu o "sonho americano do self-made-man" o indivíduo que faz por si mesmo. Pense nisso!

Dulce Magalhães é Ph.D. em Planejamento de Carreira pela Columbia University Website: http://www.work.com.br/ (Artigo publicado originalmente na revista T&D)

  
  
 

Publicado 09/2001 - Intermanagers