Não
costumo fazer afirmações
com base em "achismos",
e, por isso, queria poder embasar
o que penso e digo, adequadamente,
antes de manifestar o que, sem isso,
seria somente uma opinião.
Não é para ser nenhum
paper nem artigo, mas, como prometi,
seguem, abaixo, algumas delas (as
que consegui localizar hoje), mas
creio que dá p/ embasar bem
o que significa quando falo em "animador".
Há
uma certa confusão de funções,
atribuições e tarefas,
porque os termos são usados
indistintamente ao ser referir aos
profissionais que atuam nas comunidades
virtuais, principalmente nas que
se propõem a serem comunidades
de prática, e mais ainda
as de fundo educacional. Para quem
deseje conhecer mais os conceitos
clássicos de comunidades
(sociologia) acho interessante a
leitura de um trabalho, chamado
"Comunidades Virtuais: Uma
abordagem teórica",
de Raquel Recuero (2001). Nele são
apontadas as bases conceituais clássicas,
como o conceito de comunidade de
Ferdinand Tönies, que conceituava
comunidade em oposição
à sociedade. Conceito este
que foi questionado por Durkheim,
que propôs seu próprio
conceito acerca de comunidades.
E ainda fala de Weber, cujo conceito
de comunidade baseia-se na orientação
da ação social, que
se fundamenta em qualquer tipo de
ligação emocional,
afetiva ou tradicional e para quem:
"Chamamos de comunidade a uma
relação social na
medida em que a orientação
da ação social, na
média ou no tipo ideal baseia-se
em um sentido de solidariedade:
o resultado de ligações
emocionais ou tradicionais dos participantes".
(1987) É bastante interessante
para quem esteja começando
a estudar o tema.
Mas
creio que, por ora, o que interessa
é esclarecer a figura e função
que considero essencial numa comunidade,
que é a que é chamada
de "animadores de grupos inteligentes",
ou mais conhecidos no "mercado"
como "animadores de comunidades
virtuais". Alguns autores também
se referem à figura como
"moderadores de comunidades
de prática".
O
estudioso de comunidades virtuais
Howard Rheingold (o "cara"
mais coerente que já li sobre
o assunto!) oferece, em seu livro
The Virtual Community (disponível,
gratuitamente, no endereço
www.rheingold.com/vc/book/ , vale
a leitura) foi um dos primeiros
pesquisadores a estudar o tema,
e um dos primeiros a usar o nome
"comunidades virtuais"
(1996, p.20) e é, ele mesmo,
um formador de comunidades virtuais.
Ainda Rheingold é quem questiona
se "pode um site dar certo
sem criar uma comunidade virtual
em torno dele?" Eu levo a questão
mais adiante, não só
sites, mas qualquer trabalho que
use as tecnologias digitais em rede
como veículo PRECISA de uma
comunidade virtual atuante.
Rheingold
afirma que "a comunidade virtual
é um elemento do ciberespaço,
mas é existente apenas enquanto
as pessoas realizarem trocas e estabelecerem
laços sociais" e que
elas, as comunidades "são
agregados sociais que surgem da
rede [Internet], quando uma quantidade
suficiente de gente leva adiante
essas discussões públicas
durante um tempo suficiente, com
suficientes sentimentos humanos,
para formar redes de relações
pessoais no espaço cibernético
[ciberespaço]." (1994)
Na
entrevista de Wilson Azevedo (disponível
em http://www.aquifolium.com.br/educacional/artigos/entruvb.html)
ele esclarece um pouco do que essa
função de animador.
É dele o nome de "animadores
da inteligência coletiva em
comunidades virtuais", e também
dele a definição de
que: "O segredo não
está nem em normas, nem em
tecnologia, está em pessoas,
educadores capacitados para atuarem
com este perfil". Ou seja,
não é uma metodologia,
mas uma capacidade, que pode ser
desenvolvida em muitos casos, mas
inata em alguns. Um perfil, um modo
de agir, enfim.
Naturalmente
que o conceito de inteligência
coletiva a que se refere está
apoiado em Pierre Lévy, e
é interessante ressaltar
que Lévy acredita que "o
problema do Brasil não é
a falta de computadores, mas o analfabetismo".
Ou seja, Lévy vê o
Brasil não como um excluído
digital do mundo moderno. Para ele,
os números da informatização
apontados pelo IBGE no censo 2000
são animadores. ';';Para
a inteligência coletiva, o
principal obstáculo à
participação não
é a falta de computador,
mas o analfabetismo e a falta de
recursos culturais';';, afirma.
Mas este é outro assunto,
por ora, voltemos às comunidades
virtuais e seus animadores.
Vejo
como ponto de importância
fundamental no desenvolvimento de
ambientes que sejam animadores de
uma inteligência coletiva
a mudança qualitativa nos
processos, ou seja, entender MESMO
as especificidades de comunidades
virtuais de prática e fazer
a "coisa" acontecer fazer
de maneira a que os "Info-mediadores",
intermediários e animadores
de ciberespaços sejam os
agentes formativos do processo.
Professores, pedagogos, educadores,
animadores, monitores, enfim, todos,
juntos, trabalhando dentro de uma
mesma mentalidade, com um mesmo
perfil de trabalho, voltado para
as necessidades do grupo. Como diz
Levy: "Os indivíduos
toleram cada vez menos seguir cursos
uniformes ou rígidos que
não correspondem as suas
necessidades reais e à especificidade
de seu trajeto de vida". (Lévy,
1999, p. 169).
O
paradigma da "aprendizagem
cooperativa" traduz a perspectiva
da inteligência coletiva de
Lévy no domínio educativo.
Nesse novo paradigma rompe-se com
a idéia de "transmissão
à distância",
ou seja, a transferência de
cursos clássicos (o que se
faz num meio analógico para
um digital), em formatos hipermídia
interativos.
Para
que isso ocorra é necessária
a vida ';social'; de uma comunidade.
Essa vida social é o que
proporciona o envolvimento, necessário
à ação. A sensação
de "pertencimento" ao
grupo, ou comunidade, é que
move o indivíduo à
ação colaborativa.
O desenvolvimento de comunidades
virtuais apóia-se nessa inter-relação.
O
primeiro requisito da comunidade
virtual é um grupo de pessoas
que estabelecem entre si relações
sociais. Essas relações
"são construídas
através da interação
mútua" (Primo, 1998)
entre os indivíduos, em um
período de tempo, tendo a
permanência - entendida como
espaço temporal contínuo
de relacionamento - entre seus requisitos
fundamentais (Palácios, 1998).
Palacios
(1998) enumera os elementos que
caracterizariam a comunidade: "o
sentimento de pertencimento, a territorialidade,
a permanência, a ligação
entre o sentimento de comunidade,
caráter corporativo e emergência
de um projeto comum, e a existência
de formas próprias de comunicação".
O sentimento de pertencimento, ou
"pertença", seria
a noção de que o indivíduo
é parte do todo, coopera
para uma finalidade comum com os
demais membros (caráter corporativo,
sentimento de comunidade e projeto
comum); a territorialidade, o locus
da comunidade; a permanência,
condição essencial
para o estabelecimento das relações
sociais.
Segundo
Lévy (1999) e Palloff e Pratt
(1999), uma comunidade virtual é
formada a partir de afinidades de
interesses, de conhecimentos, de
projetos mútuos e valores
de troca, estabelecidos num processo
de cooperação. Elas
não são baseadas em
lugares e filiações
institucionais, muito menos em "obrigações",
sejam elas de que tipo forem. Um
curso não é "concluído"
por um aluno, "porque sim".
Para que este o conclua é
necessário que tenha algum
envolvimento, motivação,
etc. E esta motivação
deve ser bem mais consistente do
que uma ordem de um superior.
Piaget
diz que "[...] na vida social,
como na vida individual, o pensamento
procede da ação e
uma sociedade é essencialmente
um sistema de atividades, cujas
interações elementares
consistem, no sentido próprio,
em ações se modificando
umas às outras, segundo certas
leis de organização
ou equilíbrio[...] É
da análise dessas interações
no comportamento mesmo que procede
então a explicação
das representações
coletivas, ou interações
modificando a consciência
dos indivíduos." (1973,
p.33). Essas representações
coletivas a que se refere Piaget,
são a base de qualquer trabalho
em comunidades, ou seja, "o
conhecimento humano é essencialmente
coletivo, e a vida social constitui
um dos fatores essenciais da formação
e do crescimento dos conhecimentos
[...]". (Piaget, 1973 p.17).
Lévy
(1999), afirma que nas comunidades
virtuais de aprendizagem, as relações
on-line estão muito longe
de serem frias. Elas não
excluem as emoções.
Entre os participantes de comunidades
virtuais também se desenvolve
um forte conceito de "moral
social". Uma espécie
de código de conduta, um
conjunto de leis não escritas,
que governam suas relações,
principalmente com relação
à pertinência das informações
que circulam na comunidade. Ou seja,
não é necessário
impor o que "pode" e o
que "não pode"
em uma comunidade. Ela mesma se
auto-regula, se organiza. Se não
for assim, não é uma
comunidade... A "moral"
de uma comunidade virtual é
a da reciprocidade, ou seja, se
aprendemos algo lendo as trocas
de mensagens, é preciso também
expressar o conhecimento que temos
quando uma situação
problema ou questionamento for formulado.
A responsabilidade de cada um envolvido
no processo, a opinião pública
e seu julgamento aparecem naturalmente
(e bem claramente!) no ciberespaço
pois durante os processos de interação,
os participantes ativos constroem
e expressam competências,
que são reconhecidas e valorizadas
de imediato pela própria
comunidade. Líderes surgem
naturalmente. Papéis são
assumidos claramente. Há
o "implicante", o ';contestador';,
o ';meigo';, e esse papéis,
TODOS, fazem parte e constituem
a comunidade.
Ponto
importante a ressaltar é
a necessidade de se garantir a total
liberdade de opinião que
deve ser ampla e igualmente distribuída
a todos os participantes de uma
comunidade, sendo que as regras
que regulam as interações
devem ser construídas na
coletividade. Isso não é
censura, muito pelo contrário,
é o que possibilita o surgimento
de novas formas de opinião
pública.
Conflitos
são parte integrante da vida
de uma comunidade virtual, principalmente
quando um dos participantes ofende
as regras acordadas pela comunidade.
Mas, como afirma Castells (1999)
nas comunidades virtuais também
"constroem-se afinidades, parcerias
e alianças intelectuais,
sentimentos de amizade e outros,
que se desenvolvem nos grupos de
interação, da mesma
forma como acontece entre pessoas
que se encontram fisicamente para
conversar. A personalidade de cada
participante acaba sendo expressa
através do estilo de escrita,
competências, tomadas de posição,
evidenciadas nas relações
humanas presentes nas interações.
Também dessa forma, as comunidades
não estão livres de
manipulações e enganações,
assim como em qualquer outro espaço
de interação social".
Uma
comunidade que sustente uma efetiva
rede de comunicação
aprende com seus próprios
erros, pois estes são difundidos
por toda a rede e voltarão
para a sua origem ao longo de laços
de realimentação.
Devido a isso, a comunidade pode
corrigir seus erros, auto-regulando-se
e auto-organizando-se.
Esse
é o mais difícil dos
desafios, quando falamos em comunidades
virtuais. Elas são autônomas.
Devem ser. Devem ter organização
própria, serem auto-suficientes
e auto-organizadas. Devem ter vida
social ativa, pois é essa
vida social que proporciona os laços,
importantes para a criação
e manutenção da sensação
de pertencimento, que é o
que virá a motivar a participação
e comportamento ativo de ação.
Mas, infelizmente, temos, todos
nós, que aprender a lidar
com isso. Temos a enorme tendência
a querer controlar, impor, encaminhar.
Nos julgando conhecedores de tudo.
Na educação, infelizmente,
a figura do professor é,
quase sempre, ligada à essa
abordagem. É o "dono"
do saber, o ';senhor';, o que tem
que dar o caminho, mostrar o ';certo';
e o ';errado';, julgando atos e
pessoas.
Mesmo
pessoas supostamente esclarecidas,
com um discurso "moderno",
na prática, agem exatamente
assim. Já ouvi, infelizmente
muitas vezes, frases (absurdas!)
como: "A comunidade é
minha", ou "Eu sei o que
é melhor para o grupo".
Essas frases saem da boca de pessoas
que, em teoria, deveriam propor
as mudanças e cuidar para
que elas ocorram!
Sender
diz que: "Só mudando
nossa forma de pensar é que
podemos modificar políticas
e práticas profundamente
enraizadas. Só mudando nossa
forma de interagir poderemos estabelecer
visões e compreensões
compartilhadas, e novas capacidades
de ação coordenada
[...] A aprendizagem que altera
os modelos mentais é altamente
desafiadora, desorientadora. Pode
ser assustadora ao confrontarmos
crenças e pressupostos consagrados,
não pode ser feita isoladamente.
Só ocorre dentro de uma comunidade
de aprendizes."
(1998, p. 23).
Vejo
a atuação do animador,
numa comunidade virtual, exatamente
como o agente da ação
social, que promove a inter-relação,
instiga à participação,
traz idéias e temas a serem
debatidos. É dele a "função"
de agitar, promover a comunicação
e a interação entre
as partes, no processo de comunicação.
É
difícil isso? Não,
em teoria, não, hehehe. Mas
é quase impossível,
na prática, sem abandonar
a "pose", descer do pedestal,
do ';olimpo'; de ';deuses do saber';...
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