Jovens Conformistas
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A jovem estudante de Jornalismo Iule Carla Pinheiro Vargas, de 23 anos, não esconde seu descontentamento com o atual estado de coisas. “Eu me iludi achando que haveria uma intervenção federal”, confessa. “Acho um absurdo que depois de tanta ilegalidade política eles [políticos] estarem atuando como se nada tivesse acontecido”.
Entre os colegas, Iule é das estudantes mais engajadas: está sempre metida em protestos, mobilizações ou campanhas educativas. Mas mesmo ela hoje admite estar frustrada com o caminhar das coisas após os violentos protestos de 2005, na época em que estourou o escândalo das propinas envolvendo o governador e parte dos deputados estaduais.
— Depois de a gente ter ido às ruas, pintado a cara, ser agredido, nada foi feito. Chega a um ponto em que o acadêmico, o jovem, se desacredita da lei, da política e acaba ficando adormecido para o engajamento político.
INDIFERENÇA
Na opinião da também acadêmica de Jornalismo Beatriz Bortolete, de 20 anos, a indiferença dos jovens pela política é fruto da alienação. “Os jovens não procuram mais saber como funciona a política, o Brasil, e o que foi que aconteceu para chegar até aqui”, afirma.
De acordo com Beatriz, o jovem fica preso a história passada nas salas de aula e “esquece que ele faz parte do passado, do futuro e do presente do Brasil”. O que – continua – contribui “para tudo que está acontecendo, tanto para o lado bom quanto para o ruim”.
E dessa maneira o jovem vai se alienando mais e mais. “Ficando com as coisas supérfluas da vida e deixando de lado aquelas que realmente importam”, conclui a estudante.
CONTEXTO HISTÓRICO
Para o professor de Filosofia da UNIR (Universidade Federal de Rondônia) Adilson Siqueira de Andrade, mestre em Antropologia, o comportamento do jovem brasileiro precisa ser analisado dentro do contexto histórico.
De acordo com o estudioso, é inviável comparar o alto grau de mobilização do jovem francês com a inércia do brasileiro porque tais posturas têm diferentes contextos históricos.
No caso do jovem europeu, Andrade afirma que esse comportamento faz parte da postura preservada pelo povo francês desde a Revolução Francesa (1789-1799). A juventude brasileira, por sua vez, vem de outro contexto histórico, explica o professor.
— A década de 80 foi marcada por muitas lutas e movimentos, frutos dessa questão histórica. O povo estava precisando reafirmar posições. Nas décadas de 90 a 2000, entrou no cenário um novo ente: as ONGs (Organizações Não-Governamentais). Apoiadas pelo Banco Mundial, elas vêm na tentativa de assumir uma posição que seria do sindicato e dos movimentos sociais. Só que as ONGs não são únicas também. Há ONGs marxistas e ONGs neo-liberais, prevalecendo as neo-liberais. E, nesse sentido, eu vejo que os sindicatos foram se aplastando, os movimentos sociais foram se desgastando.
Por isso, entende Adilson, dizer que o jovem brasileiro é tolerante com a corrupção não é correto, visto que ele surge em meio a esse desgaste geral dos movimentos sociais. Além disso, argumenta, “estamos numa sociedade capitalista onde somos pulverizados com ideologias que tentam implantar a felicidade do ponto de vista do consumo”.
“A juventude não é alienada por si. Ela é o resultado de uma cultura. Se a cultura é capitalista ela vai tender a pensar como capitalista”, assevera o professor.
RESISTÊNCIA ACADÊMICA
Outro problema, segundo Andrade, é a fragilização imposta pelo governo aos centros universitários, redutos naturais de resistência a tais ideologias alienantes.
“Uma forma de tirar poder das universidades é não investindo nelas”, sentencia. “O governo Lula é massacrante do ponto de vista do investimento. Não dá para entender um governo que fala em desenvolvimento sem investir na prática nas universidades”.
Mesmo com a falta de recursos, o professor Adilson Siqueira acredita que a universidade é de todas as entidades públicas a mais crítica.
MOMENTO ÚNICO
Contra tudo o que indicam as aparências, Andrade afirma que estamos vivendo um momento de retomada dos movimentos sociais.
— Estamos na encruzilhada do labirinto. E nessa encruzilhada ninguém tem certeza. É necessário muito debate. Quando você olhar e ver os líderes dizendo que “é por aqui”, desconfie. Porque ninguém tem certeza de nada. A transformação da sociedade só se dá com a sociedade civil organizada. Não vamos esperar que um líder resolva isso. Não existe um líder. Existe uma comunidade que dentre a ela vai sair o seu líder, não com um projeto espontâneo, mas com um trabalhado.
(Publicado na edição nº 79, de 11 a 20 de abril de 2006)
Fonte: Imprensa Popular