"Va, Pensiero"

O tempo é lentíssimo; a melodia sobe e desce, em declives e cumes, com grandes pausas; o acompanhamento é típico da Ária, mas também da Serenata; o tom é solene e vagamente eclesiástico, como o de uma liturgia ao ar livre. E o ritmo, que tranquilidade! O verso seria o decassílabo, verso marcial (lembrem-se "S'ode a destra uno squillo di tromba") ("Ouve-se à direita um toque de trompa"); e em Verdi: "Guerra! Guerra! S'impugni la spada" ("Guerra! Guerra! Empunhem a espada"); ("Si ridesti il Leon de Castiglia)" (Desperta o Leão de Castela). Mas aqui desapareceu a marca do ritmo e nem sequer é reconhecível na audição.

Em suma, este canto nacional é diferente de um hino de marcha e de luta. Quem tivesse ainda dúvidas, bastava que pensasse no passo curto, rápido, ritmado, de Bandiera rossa, da Internacional, de El pueblo unido, da Marselhesa. Neste caso, estamos perante uma meditação de pessoas paradas, mais, de pessoas sentadas. Como os antigos hebreus nas margens do Eufrates, como os italianos na margem estéril do Ticino, antes de 48 (Nabucco é de 1842) e como os escravos negros dos Estados do Sul, na mesma época, projectados em espírito para as margens do bíblico Jordão, no limite da terra prometida, ou seja, da libertação, física e moral, da escravidão. A meditação que precede e prepara a acção; virá depois o momento do "avanti popolo" ("avante, povo"). Como os Espirituais Negros, antes de We shall overcome. Foi assim que os nossos compatriotas do tempo de Nabucco "fizeram política" com esse hino.

Com certeza, a manipulação ideológica; a classe dirigente e literata projetava, sobre a península analfabeta, ou quase, as imagens míticas do "elmo de Cipião", da "harpa de ouro dos fatídicos vates", expressões herméticas como o verso "O simile di Solima ai fati" e ambíguas como a conclusão "al partire virtù" (tendo em conta as suas conotações religiosas naquela época). Mas o milagre da música, no canto, é poder exaltar ou anular as palavras. Dos feitos de Solima talvez já ninguém se recorde e o sentido perde-se; enquanto os "irmãos de Itália", que ouviram e cantaram aquela ária, se sentiram arrebatados pelo voo inicial do "pensamento", por essa libertação da voz que desce e sobe, em amplas espirais, sobre vogais abertas, em grandes espaços intervalares. De novo, o arrebatamento, com o regresso da frase melódica "O mia patria, si bella e perduta" ("Ó minha pátria, tão bela e perdida"). A repetição é a técnica retórica elementar da ênfase; aqui, por conseguinte, a ênfase reforça-se porque a frase exclamativa é, já de si, enfática. E a curva melódica realça e amplia a curva que a voz humana faria, se declamasse aquela frase.

Graças a Verdi, reflitamos sobre os nossos cantos corais, os nossos hinos sociais, políticos e religiosos. Até que ponto se prestam à expressão de comportamentos autênticos e, por outro lado, até que ponto servem para a manipulação ideológica?

Fonte: O Canto da Filosofia

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