Envelhecimento

Visão filosófica de personagens da antigüidade oriental e ocidental

SANTOS, Silvana Sidney Costa. Envelhecimento: visão de filósofos da antiguidade oriental e ocidental. Rev. RENE. Fortaleza, v.2, n.1, p. 9-14, jan./jul./2001.

Silvana Sidney Costa Santos
Professora da faculdade de Enfermagem N. S. das Graças. Universidade de Pernambuco. Especialista em Gerontologia Social/SBGG. Mestre em Enfermagem/UFPB. Aluna do Doutorado em Enfermagem /UFSC
silvanasidney@uol.com.br


“Um fantasma amedronta o mundo atualmente e seus ruídos assustadores desafiam o saber e o poder, levando, ao mesmo tempo, o ser humano a uma nova encruzilhada: a velhice. O ambicionado prolongamento à vida transforma-se cada vez mais, em realidade” (Eneida Haddad, 1993).

Resumo: Neste artigo, abordo o envelhecimento por tratar-se do meu objeto de trabalho, enquanto enfermeira e docente. Apresento, partindo de reflexões filosóficas de personagens da história universal, uma breve visão histórica sobre o envelhecimento, apontando questões descritas e relacionadas a esta fase do processo de viver humano ao longo do tempo, considerando essa reflexão necessária ao nosso próprio envelhecer e ao melhor desempenho no cuidado ao idoso.

Unitermos: envelhecimento, visão histórica e filosófica, Oriente, Ocidente.


Introdução

A preocupação com a velhice e com um possível rejuvenescimento existe desde tempo muito remoto e a forma de perceber o envelhecimento não foi única para todos os povos. A partir da visão de alguns expoentes da história universal, pode-se fazer uma breve retrospectiva histórica e filosófica, sobre o processo de envelhecimento, considerando as épocas vivenciadas por estes personagens e as influências das suas civilizações.
Ao realizar esta revisão, não pretendo “esgotar” o assunto, mas apenas torná-la pertinente e necessária para que, após ela possamos refletir acerca do nosso próprio envelhecimento e possamos entender o ser humano idoso, passando a cuidar dele com mais competência; sendo então, este o objetivo deste estudo.


Envelhecimento na civilização oriental

Em relação à civilização oriental, merece destaque a condição privilegiada do idoso, verificada na China, desde a Antigüidade até os dias atuais. Dois personagens foram fundamentais para que essa percepção surgisse e perdurasse até os nossos dias, Lao-Tsé e Confúcio. Primeiro descrevo o filósofo e historiador Lao-Tsé ou Lao-Tzy (604-531a. C.), nome cuja tradução mais apropriada é ancião, o qual foi o fundador do Taoísmo, sistema filosófico, que considera Tao o todo e único. Pouco se sabe acerca da sua história de vida, porém sua historicidade se faz presente através do seu livro Da Razão Suprema e da Virtude, o Tao-te King.

Lao-Tzy indica, através de sua obra, o ponto de partida para o conhecimento intuitivo, para as suas opiniões sobre o sentido da vida, para ele: “a vida nada mais é do que o ser humano que atua espontaneamente e é idêntico ao centro do mundo” (Lao-tzy, 1999). Esse filósofo percebe a velhice como um momento supremo, de alcance espiritual máximo, comentando que ao completar 60 anos de idade, o ser humano atinge o momento de libertar-se de seu corpo através do êxtase de se tornar um santo.

Apesar da velhice ser reconhecida apenas no outro ser humano e não em quem a está vivenciando, o “dono” do corpo que envelhece, integrado na dimensão temporal da existência, reconhece-se a cada momento de forma renovada e galgando novos limites, muitos priorizando a dimensão espiritual.

Outro destaque da civilização oriental foi o filósofo Confúcio (551-479 a.C.), profundo conhecedor da alma humana, que externou conceitos de moral e de sabedoria. A filosofia de Confúcio, que não deve ser considerada religião, visa a uma organização nacionalista da sociedade, baseando-se no princípio da simpatia universal, que deve obter-se por meio da educação, e estender-se do ser humano à família e da família ao Estado, considerando este último a grande família.

Portanto, o Confucionismo é um sistema moral e prático, sendo compreendido pelo ser humano simples, sem a menor dificuldade e apresentando-se repleto de sabedoria e senso comum, aplicando-se a todas as situações e circunstâncias, tornando-se então, um tesouro de ensinamentos éticos do velho povo chinês.

Nessa estrutura o Confucionismo tem como base à família, e a casa toda deve obediência ao ser humano masculino mais velho. A autoridade do patriarca mantém-se elevada com a idade e até mesmo a mulher, tão subordinada, na velhice, tem poderes mais altos do que os jovens masculinos, tendo influência preponderante na educação dos netos. Para Confúcio a autoridade da velhice é justificada pela posse da sabedoria.

Em relação a ele próprio, completava que, aos 60 anos o ser humano compreende, sem necessidade de refletir, tudo que ouve; ao completar 70 anos, pode seguir os desejos do seu coração sem transgredir regra nenhuma, dizia ainda que a sua maior ambição era que os idosos pudessem viver em paz e principalmente, que os mais jovens amassem esses seres.

Para Confúcio (1999), no mundo, não há nada tão grande como o ser humano e no ser humano, nada é maior que a piedade filial. Segundo sua doutrina, os deveres dos filhos para com os pais compreendem: cuidá-los, com carinho, na vida diária; procurar torná-los seres humanos felizes, de todas as maneiras e em todos os momentos; sempre cuidar deles com carinho e atenção; demonstrar saudade e dó deles, por ocasião de sua morte e após a sua morte; oferecer-lhes sacrifícios com muita formalidade. Na verdade, o culto aos antepassados constitui, de certa maneira, a única ligação desta doutrina com o mundo do além.

O amor dos filhos aos pais envelhecidos, a assegurar-lhes maior proteção e segurança na última idade do seu processo de viver, compreende uma das mais sublimes ações do ser humano para consigo mesmo e para com a sua espécie, ou seja, para com a sua geração e para as gerações futuras, perpetuando assim, o amor intenso e especial entre pais e filhos.


Envelhecimento na civilização ocidental

No Ocidente, o primeiro texto referindo à velhice encontra-se no Egito, no ano 2.500 a.C. quando a beleza física e o vigor eram cantados e exaltados, Ptah-Hotep filósofo e poeta, afirmou o seguinte sobre a velhice:
“Quão penoso é o fim do ancião! Vai dia a dia enfraquecendo: a visão baixa, seus ouvidos se tornam surdos, o nariz se obstruí e nada mais pode cheirar, a boca se torna silenciosa e já não fala. Suas faculdades intelectuais se reduzem e torna-se impossível recordar o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. A ocupação a que outrora se entregara com prazer, só a realiza agora com dificuldade e desaparece o sentido do gosto. A velhice é a pior desgraça que pode acontecer a um homem” (Beauvoir, 1990, p.114).

Os versos de Ptah-Hotep mostram a face cruel do processo de envelhecimento, comentando a velhice de um modo pouco favorável, desolado e até depressivo. Ao meu ver, essa é a visão mais presente acerca desta fase do processo de viver humano, onde os preconceitos, a discriminação e o isolamento aos idosos são fatos constantes e que aos poucos vêm sendo trabalhados e transformados em uma função mais positiva. Se bem que, ainda com problemas não resolvidos no que diz respeito à saúde da população materna e infantil, a de adultos jovens e principalmente a do trabalhador, o aumento acelerado e brusco da população idosa em um país em desenvolvimento como o Brasil, passa a ser incluído dentre os sérios problemas de saúde pública.

Por outro lado, penso que, com o avanço tecnológico e com a transição demográfica, a qual surge a partir da redução da mortalidade geral e infantil; da diminuição das taxas de fecundidade e do próprio aumento da expectativa de vida, numa determinada população; é verificado que o crescimento do número de seres humanos idosos, ainda não faz com que estes conquistem espaços que lhes permitam uma velhice mais tranqüila, mais saudável e principalmente, mais adaptável às limitações que possam surgir nesta fase de vida.

Quanto à Grécia antiga, sua civilização floresceu no Mediterrâneo nos anos 4.000 a 1.000 a.C. num país montanhoso, árido, com uma orla bastante acidentada e com numerosas ilhas, que lhe favoreceu o comércio e as atividades marítimas em geral. As cidades que surgiram nas ilhas eram distintas, possuindo hábitos, costumes, vida econômica independentes e por vezes, eram rivais entre si. Somente a língua e a adoração dos mesmos deuses conscientizavam os gregos que realmente, constituíam um mesmo povo.

Duas cidades destacaram-se na Grécia antiga, Atenas e Esparta. Atenas revelou-se com uma atividade cultural intensa, criativa, apresentada através da filosofia e de gêneros como a tragédia, a comédia, a oratória. A democracia ateniense, constituída pelas instituições políticas, foi muito importante para que os artistas explorassem livremente seus talentos. Dentre os atenienses mais famosos destacam-se: Sócrates, Platão e Aristóteles. Quanto a Esparta, sobressaiu-se pela dura aplicação das leis aos seus cidadãos, os quais empenhavam-se integralmente em aprimorar a formação militar. O jovem espartano, ao contrário do ateniense, recebia uma educação intelectual muito rudimentar (Piettre, 1985), talvez por esta razão Atenas tenha sido o berço, propriamente dito, da civilização grega.

O advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber racional, acarretando uma transformação geral das perspectivas cosmológicas e consagrando o surgimento de uma forma de pensamento e de sistema de explicação sem analogia no mito (Vernant, 1992). Os gregos foram amantes do corpo jovem e saudável, sempre voltados ao culto e preservação deste corpo, sendo a velhice, de um modo geral, tratada com desdém, muito desconsiderada e até motivo de pavor, principalmente pela perda dos prazeres obtidos através dos sentidos.

Beauvoir (1990, p.123), descreve algumas percepções de personagens importantes da Grécia antiga, entre eles Minermo, sacerdote em Colofos, 630 a.C., o qual cantava os prazeres da juventude, do amor e detestava a velhice, ele dizia: “Que vida? Qual o prazer sem Afrodite de ouro?" Já Anacreonte, que cantou o amor e os prazeres do corpo, dizia: "envelhecer é perder tudo que constituí a doçura da vida". Titon afirmava: “Prefiro morrer a envelhecer”. Entretanto, havia aqueles que tinham outras opiniões sobre a velhice, como Homero, que associava a velhice à sabedoria, mas em outro momento opõe-se à velhice, quando dizia que "os deuses odeiam a velhice". Já para Sólon, os prazeres pouco contavam e dizia: “Ao avançar em anos, nunca deixo de aprender”.

Fica claro que mais seres humanos insatisfeitos do que os seus contrários aceitam a velhice e procuram adaptar-se aos limites impostos pelo processo de vida. Não sendo diferente da atualidade, onde são poucos os idosos que se sentem felizes pelos anos vividos e procuram aproveitá-los da melhor maneira possível, engajando-se nos programas oferecidos pela universidade aberta à terceira idade, às aulas de ginásticas a eles direcionados, aos clubes ou associações voltados ao lazer e ao entretenimento e que despertam o interesse no aprendizado de novas situações, como tocar um instrumento, usar o computador e outras. É necessário estimular nos seres humanos idosos à vontade de viver intensamente e com melhor qualidade possível a sua fase de vida.

Mas é nos diálogos de Sócrates, através de Platão, que se encontra o verdadeiro interesse pelos problemas dos idosos. Sócrates (469 – 399 a.C.) foi, talvez, a personagem mais enigmática de toda a história da filosofia. Era um ser humano considerado feio, pois não possuía os atributos tidos como belos pelos gregos daquela época, mas interiormente era especialmente maravilhoso. Sua vida e seus pensamentos chegaram até nós a partir do seu discípulo Platão.

Um fato crucial na vida de Sócrates foi que ele, ao contrário dos outros filósofos, não queria ensinar aos outros, mas dialogar, discutir com eles, atiça-los. Na sua opinião, tal como a sua mãe parteira, ele deveria ajudar os seres humanos à “parir” suas próprias opiniões, considerando que o conhecimento tem de vir de dentro e não pode ser obtido “espremendo-se” dos outros, pois só o conhecimento que vem de dentro é capaz de revelar o verdadeiro discernimento. Na República (Platão,1985), são registradas passagens onde Sócrates faz referências ao envelhecimento e diz que para os seres humanos prudentes e bem preparados, a velhice não constituiu peso algum.

Importante que percebamos que, se cada vez mais cedo o ser humano começar a preparar-se para o processo de envelhecimento, procurando viver de forma saudável, longe de uso e abuso de drogas, desenvolvendo atividades físicas regulares, alimentando-se adequadamente (estes dois últimos, desde que tendo acompanhamento do professor de educação e do nutricionista), ingerindo grande quantidade de água, realizando suas atividades laborais satisfatoriamente, conquistando o apreço e a amizade dos outros, usufruindo o lazer e do entretenimento e tendo sempre em vista a criação de projetos futuros que sejam voltados à coletividade, com certeza, sua vida terá um sentido concreto e sua velhice, será então, a continuidade da sua vida.

Não posso deixar de descrever um diálogo ocorrido entre Sócrates e Céfalo, discutindo a velhice, que é descrito por Beauvoir (1990, p. 135),
“Céfalo convidou Sócrates para visitá-lo, desculpando-se por não ir procurá-lo, pelo fato de estar velho e ser difícil sair de casa. Queria conversar com o amigo, pois para Céfalo: 'quanto mais amortecidos ficam os prazeres do corpo, mais crescem o deleite e o prazer da conversação'. Sócrates aceitou o convite, respondendo que lhe agrada muito conversar com pessoas de mais idade, que já tinham percorrido um caminho que ele teria que percorrer. Assim, deu-se o início da conversa, quando Sócrates perguntou a Céfalo, como ele, já velho, sentia-se ao atingir a fase que os poetas chamavam de 'o limiar da velhice'. Céfalo respondeu que muito bem, pois a triste cantilena, evocada por muitos, responsabilizando a velhice por todos os males, para ele era decorrente da própria vida e não da idade avançada.”

Então, a partir desta passagem, verifica-se que as queixas não devem ser atribuídas à velhice e sim ao caráter do ser humano, pois aquele que é naturalmente tranqüilo e bem humorado, não sentirá o peso dos anos e aquele que não apresenta estas características, não só a velhice, mas a própria juventude lhe é um fardo bastante pesado, portanto um processo de envelhecimento tranqüilo e saudável, depende de uma juventude tranqüila e saudável.

Já Platão (427-347 a.C.), após a morte de Sócrates, condenado a beber cicuta, fato que lhe marcou a vida e direcionou sua atividade filosófica, começa a descrever e escrever os diálogos e os momentos vividos com o mestre. Sobre o envelhecimento, Platão afirmava que a velhice faz surgir nos seres humanos um imenso sentimento de paz e de libertação. Platão, já aos 80 anos, quando escreveu Leis, enfatizou as obrigações dos filhos para com os pais idosos, salientando que nada é mais digno que um pai e um avô, que uma mãe e uma avó cheias de idade. Essa preocupação de Platão das obrigações dos filhos para com os pais idosos, lembra a piedade filial descrita por Confúcio.

Aristóteles (384-322 a.C.) descendeu de família rica, teve oportunidade de estudar, tornando-se professor muito cedo. Foi discípulo de Platão, mas não ocupou o seu lugar na academia, após a sua morte. É tido como um dos filósofos mais inacessíveis, ou pelo menos o mais difícil de abarcar com um só olhar (Crescenzo, 1988), talvez pelo fato dele não ter sido somente um filósofo, mas um cientista que cultuava a lógica (que para ele tratava-se da relação causa e efeito), foi um grande sistematizador, fundou várias ciências, acreditava na filosofia enquanto atividade oratória, defendia que o grau máximo da realidade está em perceber e sentir utilizando-se os sentidos.

Em relação ao envelhecimento, Aristóteles achava que uma boa velhice era aquela em que o ser humano não apresentasse enfermidades. Lembro que o envelhecimento é um processo contínuo durante toda a vida e provocam no organismo modificações biológicas, psicológicas e sociais. São modificações biológicas, as morfológicas, reveladas por aparecimento de rugas, cabelos brancos e outras; as fisiológicas, relacionadas as alterações das funções orgânicas; as bioquímicas, que estão diretamente ligadas as transformações das reações químicas presentes no organismo. As modificações psicológicas ocorrem quando o ser humano que envelhece necessita adaptar-se a cada situação nova do seu cotidiano. Já as modificações sociais são verificadas quando as relações sociais tornam-se alteradas em função da diminuição da produtividade e principalmente, do poder físico e econômico, sendo a alteração social mais evidente em países de economia capitalista.

Portanto, de forma natural às doenças ou outros desconfortos físicos, psíquicos ou sociais poderão acometer os seres humanos que envelhecem, em conseqüência das modificações descritas, porém tais idosos aprendem a se cuidar, aprendem a viver com estas doenças/desconfortos, não tornando, apesar disto, a velhice um tormento.

A percepção de Aristótoles acerca da velhice era bem diferente de Platão. Na verdade, sua visão de ser idoso era deprimente, ele os considerava reticentes, excitantes, lentos, possuidores de mau caráter; dizia ainda que os idosos só imaginam o mal, são cheios de desconfiança e que estas características são conseqüências da experiência de vida que os humilhou, sendo carentes de generosidade, vivendo mais de recordações do que de esperanças e desprezando a opinião alheia. Na Ética, onde se concentram seus escritos mais famosos, Aristóteles considera que o ser humano progride somente até os 50 anos, portanto, com sua concepção distorcida de velhice, ele percebia os idosos como pessoas diminuídas, que não mereciam confiança e por isso precisavam ser afastadas do poder, não devendo exercer cargos de importância política.

Para Hipócrates (460-370 a.C.), médico famoso da antigüidade grega, a velhice começa depois dos 50 anos e apresenta-se como um desequilíbrio dos humores. Em seus aforismos, ele assinala no idoso características distintas das expressões clínicas verificadas nos jovens, apontando que a temperatura do idoso não costuma ser alta, os processos de enfermidade tendem à cronicidade, os hábitos intestinais modificam-se, o prognóstico das patologias torna-se diferente e difícil. Algumas observações importantes, quanto à saúde dos idosos foram inicialmente verificadas por Hipócrates, dentre elas destaco: os distúrbios respiratórios, a disúria, as doenças renais de um modo geral, as artralgias, as vertigens, o acidente vascular cerebral, a perda ponderal, a catarata, a hipoacusia (Leme, 1997).

A partir de suas observações, Hipócrates determina normas assistenciais, sobretudo à higiene corporal, recomenda atividade física e mental, assinalando preceitos dietéticos, baseados em geral na sobriedade e completava dizendo que: "os velhos suportam melhor a abstinência, o pouco sustento lhes basta" (Leme, 1997, p.17). Quando acompanhava clinicamente os idosos, ele sugeria moderações em todas as atividades e desaconselhava-os a suspender as suas ocupações habituais. Percebo que, até hoje os conselhos de Hipócrates são bem adequados aos seres humanos idosos, para que estes vivam um envelhecimento tranqüilo e saudável, fazendo parte das orientações corriqueiras dos gerontólogos e dos geriatras.

No primeiro século antes da Era Cristã, Marco Túlio Cícero (103-43 a.C.), o grande filósofo romano, político, jurista e orador demonstrou-se uma figura exponencial nos estudos sobre a velhice. Aos 63 anos de idade, senador da república, escreveu o livro De senectude - Catão, o velho. Nele resume sua visão de envelhecimento, enquanto um processo fisiológico, relata os problemas dos idosos quanto à perda da memória, perda da capacidade funcional, as alterações dos órgãos dos sentidos, a perda da capacidade de trabalho. Salienta que, com o envelhecimento, os prazeres corporais vão sendo substituídos pelos intelectuais, enfatizando a necessidade de prestigiar-se os idosos e de fazer-lhes um preparo psicológico para a morte. Pude entender que Cícero retorna, em seus escritos, algumas passagens descritas na República, de Platão.

Cícero foi um otimista diante do fator fisiológico da velhice e aconselhava o cuidado corporal e mental, a escolha de prazeres adequados, de atividades que tragam benefícios individual e coletivo, desde que estejam ao alcance das forças dos idosos. Para esse filósofo, a arte de envelhecer compreende em encontrar o prazer que todas as idades proporcionam, pois todas têm as suas virtudes. Chamo à atenção que, essa aprendizagem da arte de saber envelhecer não deve ser ligada ao individual, pois a superação dos obstáculos a uma velhice feliz vai buscar no social suas razões de ser.

Em De Senectude, Cícero (1999) descreve a conversa entre o velho Catão e os jovens Cipião e Gaio Lélio, estes rapazes interpelam Catão sobre os agravos e as vantagens da velhice. Catão, senador e ser humano muito respeitado por seus pares, com mais de 80 anos, fala do envelhecimento de uma forma clara, concreta, procurando criticar os preconceitos que pairam sobre os idosos e lembrando que sempre quando os Estados viram-se arruinados pelos os jovens, foram os idosos que os restauraram. Na verdade, fica claro que o maior interesse de Cícero, ao escrever De Senectude é defender a velhice para provar que a autoridade de Senado, há muito abalada, deve ser reforçada.

Para Cícero (1999) não se deve atribuir à velhice todas as lamentações da vida; quem muito se lamenta, para ele, faz isto em todas as idades do processo de viver, pois os seres humanos inteligentes sempre tentam afastar o temperamento triste e a rabugice em qualquer idade. Acrescenta ainda que são quatro as razões detestáveis da velhice: o fato desta fase afastar o ser humano da vida ativa; a constatação de que ela enfraquece o corpo; a condição de privar-nos dos melhores prazeres e a aproximação com a morte. Em seguida ele passa a contestar cada uma dessas razões, trazendo como exemplos figuras e situações conhecidas da época. Também é de Cícero a célebre frase comentando a existência de seres humanos que, como alguns vinhos, envelhecem sem azedar-se.
Eu completo que, sendo o envelhecimento um conjunto de alterações biológicas, psicológicas e sociais, estas se configuram em novas situações vivenciadas pelo ser humano e que a presença “desse novo”, muitas vezes pode representar o inusitado e a expansão de capacidades inovadoras e prazeirosas para o idoso.

Sêneca (20 a.C.-65 d. C.), outro grande romano, defendeu a velhice em suas cartas a Lucílio, onde afirma que a velhice é boa, como tudo que é natural e que não revela nenhuma decadência, continuando, assim, 100 anos depois, as idéias de Cícero. Na opinião de Sêneca (1999), para que se possa ter tranqüilidade é necessário que se aceite o processo de envelhecimento e se tire o melhor proveito desta fase de vida, que poucos seres humanos têm o prazer de galgar. Penso que, a oportunidade de continuar vivo e lutando pela vida, rompe laços de exigências passadas e torna o ser humano idoso um lutador satisfeito, um vencedor.

No século II, na Era Cristã, Galeno (129-199 d. C.) dedicou à velhice uma importante obra: “Gerocomica”, na qual apresenta sua teoria sobre os temperamentos formadores do tipo constitucional: o fleugmático, o sangüíneo, o colérico e o melancólico. Para ele a velhice seria a conseqüência do desequilíbrio entre os temperamentos e o declinar da vida começaria nos 35 anos (Beauvoir, 1990). Em seu livro Gerocomica, Galeno adverte que o idoso deve ser aquecido e umedecido, deve tomar banhos quentes, fazer dietas especiais, tomar vinho e permanecer ativo. Percebo que, hoje se retira dos escritos de Galeno a necessidade de maior hidratação, à medida que o processo de envelhecimento aproxima-se e intensifica-se, sendo uma das orientações mais presentes nos atendimentos e consultas realizados pelos profissionais que cuidam dos idosos.

Na Segunda metade do século XV, Gabriele Zerbi (1468-1505), anatomista, professor e clínico escreve “Gerontocomia”, considerada como a obra literária sobre a velhice, de maior envergadura, depois de Galeno (Beauvoir, 1990). Sendo a primeira monografia dedicada à patologia da velhice. Na sua obra Zerbi define que os idosos têm uma compleição especial, completando que eles têm dificuldades respiratórias, apresentam dores e dificuldades à micção, queixam-se de dores nas juntas, trazem consigo doenças nos rins, tonturas, caquexia, pruridos por todo o corpo, falta-lhes o sono, as dificuldades de visão como a catarata e a diminuição da audição, são constantes. Por outro lado Zerbi orientava os melhores lugares da casa para os idosos, bem como dietas adequadas e curiosamente, prescrevia leite humano para a melhoria da condição dos idosos.

Ainda no século XV é marcante a presença dos ingleses no estudo da Gerontologia, dentre eles: Barentins, Sir John Flayer, Fischer. Goethe, já idoso, no início do século XIX, envia-nos uma mensagem de otimismo: “Assim, amigo idoso e fraco, não te deixes abater pelos anos. Tenhas ou não teus cabelos brancos, ainda poderás encontrar o amor” (Gomes, 1994), lembrando que para o amor, não há idade, só há necessidade de partilhamento entre seres humanos aptos a amarem-se e nesta fase da vida, com a maturidade alcançada, o amor apresenta-se, penso eu, sereno e harmonioso.

Foi no século XIX que cuidar dos idosos tornou-se uma especialidade, iniciando-se como grande ciência, embora não sendo ainda designada como Geriatria e verificada através das atividades da inglesa Marjorie Warren, no controle de pacientas crônicos, em Londres. No século XX, o americano Metchinikoff, , apresentou um tratado onde correlaciona à velhice a um tipo de auto-intoxicação. Ainda neste século, Nascher, pediatra americano nascido em Viena, criou o termo Geriatria, que é um ramo da Medicina que trata dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais das doenças que podem acometer aos idosos. Mais tarde, foi criado o termo Gerontologia, como sendo uma especialidade com caráter global e um ramo da ciência que se propõe a estudar o processo de envelhecimento e os múltiplos problemas que possam envolver o ser humano (Beauvoir, 1990).


Envelhecimento hoje e a necessidade da capacitação profissional

No Brasil, o interesse na Geriatria iniciou-se em 1961, com a criação da Sociedade Brasileira de Geriatria, que posteriormente passou a ser designada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Na década de 70 alguns serviços de saúde, geralmente ligados às universidades começam a oferecer atendimentos a idosos doentes. Já nos anos 80, esses serviços proliferam e iniciam um atendimento mais sistemático ao idoso, oferecendo também atividades voltadas à promoção da saúde e à prevenção das doenças.

O fato de a Geriatria ter surgido antes da Gerontologia, direciona, até hoje, os problemas vivenciados pelos idosos às doenças, cujas causas biológicas e/ou psicológicas são individuais, deixando, então as dimensões social e política da questão da velhice subestimada e tornando a velhice homogeneizada por determinados estereótipos. Ao meu ver, essa questão vem, aos poucos, sendo transformada e direcionada a que os profissionais que cuidam dos idosos passem a ter sobre eles uma visão mais integrada.

Agora existem pesquisas que apontam para o envelhecimento enquanto um processo fluido, cambiável e que pode ser acelerado, reduzido, parar por algum tempo e até mesmo reverter-se. Esses estudos, realizados nas três últimas décadas, têm comprovado que o envelhecer é muito mais dependente do próprio ser humano, do que jamais se imaginou em épocas passadas. Um dos defensores desta teoria é Deepak Chopra (1999, p.19), segundo o qual “(...) Embora os sentidos lhe digam que você habita um corpo sólido no tempo e no espaço, esta é tão somente a camada mais superficial da realidade. Esta inteligência é dedicada a observar a mudança constante que tem lugar dentro de você. (...). Envelhecer é uma máscara para a perda desta inteligência.” Esses estudos são pautados na física quântica, a qual diz que não há fim para a dança cósmica. Penso que, esta realidade trazida pela física quântica traz a possibilidade de, pela primeira vez, poder-se manipular a inteligência invisível que está como pano de fundo do mundo visível e alterar-se o conceito de envelhecimento.

Partindo deste histórico e das reflexões aqui tecidas considero o envelhecimento um processo universal, que não afeta só o ser humano, mas a sua família e a sua comunidade e sociedade; lembro que o número de idosos está crescendo rapidamente no Brasil, existindo mais mulheres idosas e sós do que homens idosos; acrescento que o envelhecimento é um processo normal, dinâmico e não uma doença, mas que são notórias as desigualdades e especificidade nesse contigente populacional, as quais se refletem na expectativa de vida, na morbidade, na mortalidade prematura, na incapacidade e na má qualidade de vida. Acredito que, sendo a percepção um fenômeno aprendido, há muito ainda a descobrir sobre o envelhecer.

Por tudo isso, enquanto profissionais da saúde, é urgente que passemos a discutir pré-requisitos básicos direcionados à melhoria da qualidade de vida do ser humano idoso, considerando sua multidimensionalidade e necessidades, entre as quais: alimentação e saneamento básico adequado, moradia segura, seguridade econômica, acesso aos serviços de saúde, cidadania e outras. Penso que, um momento oportuno para iniciar essa reflexão é na família, durante a formação da criança e posteriormente, durante o curso de formação dos profissionais de Enfermagem; surgindo, então a necessidade de inclusão do ensino de conteúdos sobre enfermagem geriátrica e gerontológica nestes cursos, onde se capacitará o futuro profissional no cuidado ao idoso, ao mesmo tempo em que o preparará para um envelhecer mais saudável e tranqüilo.

Considerações Finais

Para finalizar essa reflexão, ao meu ver, conhecer um pouco do histórico e refletir acerca do envelhecimento humano, partindo de opiniões de personagens importantes, aponta para uma elaboração pessoal do próprio processo de envelhecimento, e essa elaboração necessária, difícil e pertinente, direciona a um cuidar de um ser humano que passa por um processo específico e singular, mesmo que universal.

E cuidar do idoso não é tarefa fácil, simples, técnica, pois para cuidá-lo é necessário que o outro ser humano seja capaz de escutá-lo e para isto é preciso ter consciência da sua própria concepção de velhice. Continuo insistindo nessa necessidade. Por outro lado, os cuidados devem ser bem definidos, considerando-se a multidimensionalidade e especificidade do idoso e devem corresponder às reais necessidades identificadas, sem excesso e sem déficits.

Para cuidar dos idosos com qualidade, considerando a conservação de um bom estado de saúde, integrando os aspectos físicos, mentais, sociais e sexuais, inseridos em um ambiente físico, social e econômico favorável e, baseado-se em conhecimentos variados e na criatividade, o enfermeiro deve elaborar a sua própria filosofia de vida, partindo, é claro, das suas crenças e dos seus valores pessoais, procurando criar um elo da sua filosofia pessoal com a filosofia da Enfermagem, disciplina que tem no cuidado, no respeito pelo ser humano e na competência técnica, seu sustentáculo e seus pressupostos para o ensino e a prática profissional.


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VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. 7.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.


Data de Publicação do Artigo:
30 de Março de 2004

Fonte: MedCenter.com Odontologia


 

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