Visão
filosófica de personagens da
antigüidade
oriental e ocidental
SANTOS,
Silvana Sidney Costa. Envelhecimento:
visão de filósofos da
antiguidade oriental e ocidental.
Rev. RENE. Fortaleza, v.2, n.1, p.
9-14, jan./jul./2001.
Silvana
Sidney Costa Santos
Professora da faculdade de Enfermagem
N. S. das Graças. Universidade
de Pernambuco. Especialista em Gerontologia
Social/SBGG. Mestre em Enfermagem/UFPB.
Aluna do Doutorado em Enfermagem /UFSC
silvanasidney@uol.com.br
Um fantasma amedronta o mundo
atualmente e seus ruídos assustadores
desafiam o saber e o poder, levando,
ao mesmo tempo, o ser humano a uma
nova encruzilhada: a velhice. O ambicionado
prolongamento à vida transforma-se
cada vez mais, em realidade
(Eneida Haddad, 1993).
Resumo:
Neste artigo, abordo o envelhecimento
por tratar-se do meu objeto de trabalho,
enquanto enfermeira e docente. Apresento,
partindo de reflexões filosóficas
de personagens da história
universal, uma breve visão
histórica sobre o envelhecimento,
apontando questões descritas
e relacionadas a esta fase do processo
de viver humano ao longo do tempo,
considerando essa reflexão
necessária ao nosso próprio
envelhecer e ao melhor desempenho
no cuidado ao idoso.
Unitermos:
envelhecimento, visão histórica
e filosófica, Oriente, Ocidente.
Introdução
A
preocupação com a velhice
e com um possível rejuvenescimento
existe desde tempo muito remoto e
a forma de perceber o envelhecimento
não foi única para todos
os povos. A partir da visão
de alguns expoentes da história
universal, pode-se fazer uma breve
retrospectiva histórica e filosófica,
sobre o processo de envelhecimento,
considerando as épocas vivenciadas
por estes personagens e as influências
das suas civilizações.
Ao realizar esta revisão, não
pretendo esgotar o assunto,
mas apenas torná-la pertinente
e necessária para que, após
ela possamos refletir acerca do nosso
próprio envelhecimento e possamos
entender o ser humano idoso, passando
a cuidar dele com mais competência;
sendo então, este o objetivo
deste estudo.
Envelhecimento na civilização
oriental
Em
relação à civilização
oriental, merece destaque a condição
privilegiada do idoso, verificada
na China, desde a Antigüidade
até os dias atuais. Dois personagens
foram fundamentais para que essa percepção
surgisse e perdurasse até os
nossos dias, Lao-Tsé e Confúcio.
Primeiro descrevo o filósofo
e historiador Lao-Tsé ou Lao-Tzy
(604-531a. C.), nome cuja tradução
mais apropriada é ancião,
o qual foi o fundador do Taoísmo,
sistema filosófico, que considera
Tao o todo e único. Pouco se
sabe acerca da sua história
de vida, porém sua historicidade
se faz presente através do
seu livro Da Razão Suprema
e da Virtude, o Tao-te King.
Lao-Tzy
indica, através de sua obra,
o ponto de partida para o conhecimento
intuitivo, para as suas opiniões
sobre o sentido da vida, para ele:
a vida nada mais é do
que o ser humano que atua espontaneamente
e é idêntico ao centro
do mundo (Lao-tzy, 1999). Esse
filósofo percebe a velhice
como um momento supremo, de alcance
espiritual máximo, comentando
que ao completar 60 anos de idade,
o ser humano atinge o momento de libertar-se
de seu corpo através do êxtase
de se tornar um santo.
Apesar
da velhice ser reconhecida apenas
no outro ser humano e não em
quem a está vivenciando, o
dono do corpo que envelhece,
integrado na dimensão temporal
da existência, reconhece-se
a cada momento de forma renovada e
galgando novos limites, muitos priorizando
a dimensão espiritual.
Outro
destaque da civilização
oriental foi o filósofo Confúcio
(551-479 a.C.), profundo conhecedor
da alma humana, que externou conceitos
de moral e de sabedoria. A filosofia
de Confúcio, que não
deve ser considerada religião,
visa a uma organização
nacionalista da sociedade, baseando-se
no princípio da simpatia universal,
que deve obter-se por meio da educação,
e estender-se do ser humano à
família e da família
ao Estado, considerando este último
a grande família.
Portanto,
o Confucionismo é um sistema
moral e prático, sendo compreendido
pelo ser humano simples, sem a menor
dificuldade e apresentando-se repleto
de sabedoria e senso comum, aplicando-se
a todas as situações
e circunstâncias, tornando-se
então, um tesouro de ensinamentos
éticos do velho povo chinês.
Nessa
estrutura o Confucionismo tem como
base à família, e a
casa toda deve obediência ao
ser humano masculino mais velho. A
autoridade do patriarca mantém-se
elevada com a idade e até mesmo
a mulher, tão subordinada,
na velhice, tem poderes mais altos
do que os jovens masculinos, tendo
influência preponderante na
educação dos netos.
Para Confúcio a autoridade
da velhice é justificada pela
posse da sabedoria.
Em
relação a ele próprio,
completava que, aos 60 anos o ser
humano compreende, sem necessidade
de refletir, tudo que ouve; ao completar
70 anos, pode seguir os desejos do
seu coração sem transgredir
regra nenhuma, dizia ainda que a sua
maior ambição era que
os idosos pudessem viver em paz e
principalmente, que os mais jovens
amassem esses seres.
Para
Confúcio (1999), no mundo,
não há nada tão
grande como o ser humano e no ser
humano, nada é maior que a
piedade filial. Segundo sua doutrina,
os deveres dos filhos para com os
pais compreendem: cuidá-los,
com carinho, na vida diária;
procurar torná-los seres humanos
felizes, de todas as maneiras e em
todos os momentos; sempre cuidar deles
com carinho e atenção;
demonstrar saudade e dó deles,
por ocasião de sua morte e
após a sua morte; oferecer-lhes
sacrifícios com muita formalidade.
Na verdade, o culto aos antepassados
constitui, de certa maneira, a única
ligação desta doutrina
com o mundo do além.
O
amor dos filhos aos pais envelhecidos,
a assegurar-lhes maior proteção
e segurança na última
idade do seu processo de viver, compreende
uma das mais sublimes ações
do ser humano para consigo mesmo e
para com a sua espécie, ou
seja, para com a sua geração
e para as gerações futuras,
perpetuando assim, o amor intenso
e especial entre pais e filhos.
Envelhecimento na civilização
ocidental
No
Ocidente, o primeiro texto referindo
à velhice encontra-se no Egito,
no ano 2.500 a.C. quando a beleza
física e o vigor eram cantados
e exaltados, Ptah-Hotep filósofo
e poeta, afirmou o seguinte sobre
a velhice:
Quão penoso é
o fim do ancião! Vai dia a
dia enfraquecendo: a visão
baixa, seus ouvidos se tornam surdos,
o nariz se obstruí e nada mais
pode cheirar, a boca se torna silenciosa
e já não fala. Suas
faculdades intelectuais se reduzem
e torna-se impossível recordar
o que foi ontem. Doem-lhe todos os
ossos. A ocupação a
que outrora se entregara com prazer,
só a realiza agora com dificuldade
e desaparece o sentido do gosto. A
velhice é a pior desgraça
que pode acontecer a um homem
(Beauvoir, 1990, p.114).
Os
versos de Ptah-Hotep mostram a face
cruel do processo de envelhecimento,
comentando a velhice de um modo pouco
favorável, desolado e até
depressivo. Ao meu ver, essa é
a visão mais presente acerca
desta fase do processo de viver humano,
onde os preconceitos, a discriminação
e o isolamento aos idosos são
fatos constantes e que aos poucos
vêm sendo trabalhados e transformados
em uma função mais positiva.
Se bem que, ainda com problemas não
resolvidos no que diz respeito à
saúde da população
materna e infantil, a de adultos jovens
e principalmente a do trabalhador,
o aumento acelerado e brusco da população
idosa em um país em desenvolvimento
como o Brasil, passa a ser incluído
dentre os sérios problemas
de saúde pública.
Por
outro lado, penso que, com o avanço
tecnológico e com a transição
demográfica, a qual surge a
partir da redução da
mortalidade geral e infantil; da diminuição
das taxas de fecundidade e do próprio
aumento da expectativa de vida, numa
determinada população;
é verificado que o crescimento
do número de seres humanos
idosos, ainda não faz com que
estes conquistem espaços que
lhes permitam uma velhice mais tranqüila,
mais saudável e principalmente,
mais adaptável às limitações
que possam surgir nesta fase de vida.
Quanto
à Grécia antiga, sua
civilização floresceu
no Mediterrâneo nos anos 4.000
a 1.000 a.C. num país montanhoso,
árido, com uma orla bastante
acidentada e com numerosas ilhas,
que lhe favoreceu o comércio
e as atividades marítimas em
geral. As cidades que surgiram nas
ilhas eram distintas, possuindo hábitos,
costumes, vida econômica independentes
e por vezes, eram rivais entre si.
Somente a língua e a adoração
dos mesmos deuses conscientizavam
os gregos que realmente, constituíam
um mesmo povo.
Duas
cidades destacaram-se na Grécia
antiga, Atenas e Esparta. Atenas revelou-se
com uma atividade cultural intensa,
criativa, apresentada através
da filosofia e de gêneros como
a tragédia, a comédia,
a oratória. A democracia ateniense,
constituída pelas instituições
políticas, foi muito importante
para que os artistas explorassem livremente
seus talentos. Dentre os atenienses
mais famosos destacam-se: Sócrates,
Platão e Aristóteles.
Quanto a Esparta, sobressaiu-se pela
dura aplicação das leis
aos seus cidadãos, os quais
empenhavam-se integralmente em aprimorar
a formação militar.
O jovem espartano, ao contrário
do ateniense, recebia uma educação
intelectual muito rudimentar (Piettre,
1985), talvez por esta razão
Atenas tenha sido o berço,
propriamente dito, da civilização
grega.
O
advento da filosofia, na Grécia,
marca o declínio do pensamento
mítico e o começo de
um saber racional, acarretando uma
transformação geral
das perspectivas cosmológicas
e consagrando o surgimento de uma
forma de pensamento e de sistema de
explicação sem analogia
no mito (Vernant, 1992). Os gregos
foram amantes do corpo jovem e saudável,
sempre voltados ao culto e preservação
deste corpo, sendo a velhice, de um
modo geral, tratada com desdém,
muito desconsiderada e até
motivo de pavor, principalmente pela
perda dos prazeres obtidos através
dos sentidos.
Beauvoir
(1990, p.123), descreve algumas percepções
de personagens importantes da Grécia
antiga, entre eles Minermo, sacerdote
em Colofos, 630 a.C., o qual cantava
os prazeres da juventude, do amor
e detestava a velhice, ele dizia:
Que vida? Qual o prazer sem
Afrodite de ouro?" Já
Anacreonte, que cantou o amor e os
prazeres do corpo, dizia: "envelhecer
é perder tudo que constituí
a doçura da vida". Titon
afirmava: Prefiro morrer a envelhecer.
Entretanto, havia aqueles que tinham
outras opiniões sobre a velhice,
como Homero, que associava a velhice
à sabedoria, mas em outro momento
opõe-se à velhice, quando
dizia que "os deuses odeiam a
velhice". Já para Sólon,
os prazeres pouco contavam e dizia:
Ao avançar em anos, nunca
deixo de aprender.
Fica
claro que mais seres humanos insatisfeitos
do que os seus contrários aceitam
a velhice e procuram adaptar-se aos
limites impostos pelo processo de
vida. Não sendo diferente da
atualidade, onde são poucos
os idosos que se sentem felizes pelos
anos vividos e procuram aproveitá-los
da melhor maneira possível,
engajando-se nos programas oferecidos
pela universidade aberta à
terceira idade, às aulas de
ginásticas a eles direcionados,
aos clubes ou associações
voltados ao lazer e ao entretenimento
e que despertam o interesse no aprendizado
de novas situações,
como tocar um instrumento, usar o
computador e outras. É necessário
estimular nos seres humanos idosos
à vontade de viver intensamente
e com melhor qualidade possível
a sua fase de vida.
Mas
é nos diálogos de Sócrates,
através de Platão, que
se encontra o verdadeiro interesse
pelos problemas dos idosos. Sócrates
(469 399 a.C.) foi, talvez,
a personagem mais enigmática
de toda a história da filosofia.
Era um ser humano considerado feio,
pois não possuía os
atributos tidos como belos pelos gregos
daquela época, mas interiormente
era especialmente maravilhoso. Sua
vida e seus pensamentos chegaram até
nós a partir do seu discípulo
Platão.
Um
fato crucial na vida de Sócrates
foi que ele, ao contrário dos
outros filósofos, não
queria ensinar aos outros, mas dialogar,
discutir com eles, atiça-los.
Na sua opinião, tal como a
sua mãe parteira, ele deveria
ajudar os seres humanos à parir
suas próprias opiniões,
considerando que o conhecimento tem
de vir de dentro e não pode
ser obtido espremendo-se
dos outros, pois só o conhecimento
que vem de dentro é capaz de
revelar o verdadeiro discernimento.
Na República (Platão,1985),
são registradas passagens onde
Sócrates faz referências
ao envelhecimento e diz que para os
seres humanos prudentes e bem preparados,
a velhice não constituiu peso
algum.
Importante
que percebamos que, se cada vez mais
cedo o ser humano começar a
preparar-se para o processo de envelhecimento,
procurando viver de forma saudável,
longe de uso e abuso de drogas, desenvolvendo
atividades físicas regulares,
alimentando-se adequadamente (estes
dois últimos, desde que tendo
acompanhamento do professor de educação
e do nutricionista), ingerindo grande
quantidade de água, realizando
suas atividades laborais satisfatoriamente,
conquistando o apreço e a amizade
dos outros, usufruindo o lazer e do
entretenimento e tendo sempre em vista
a criação de projetos
futuros que sejam voltados à
coletividade, com certeza, sua vida
terá um sentido concreto e
sua velhice, será então,
a continuidade da sua vida.
Não
posso deixar de descrever um diálogo
ocorrido entre Sócrates e Céfalo,
discutindo a velhice, que é
descrito por Beauvoir (1990, p. 135),
Céfalo convidou Sócrates
para visitá-lo, desculpando-se
por não ir procurá-lo,
pelo fato de estar velho e ser difícil
sair de casa. Queria conversar com
o amigo, pois para Céfalo:
'quanto mais amortecidos ficam os
prazeres do corpo, mais crescem o
deleite e o prazer da conversação'.
Sócrates aceitou o convite,
respondendo que lhe agrada muito conversar
com pessoas de mais idade, que já
tinham percorrido um caminho que ele
teria que percorrer. Assim, deu-se
o início da conversa, quando
Sócrates perguntou a Céfalo,
como ele, já velho, sentia-se
ao atingir a fase que os poetas chamavam
de 'o limiar da velhice'. Céfalo
respondeu que muito bem, pois a triste
cantilena, evocada por muitos, responsabilizando
a velhice por todos os males, para
ele era decorrente da própria
vida e não da idade avançada.
Então,
a partir desta passagem, verifica-se
que as queixas não devem ser
atribuídas à velhice
e sim ao caráter do ser humano,
pois aquele que é naturalmente
tranqüilo e bem humorado, não
sentirá o peso dos anos e aquele
que não apresenta estas características,
não só a velhice, mas
a própria juventude lhe é
um fardo bastante pesado, portanto
um processo de envelhecimento tranqüilo
e saudável, depende de uma
juventude tranqüila e saudável.
Já
Platão (427-347 a.C.), após
a morte de Sócrates, condenado
a beber cicuta, fato que lhe marcou
a vida e direcionou sua atividade
filosófica, começa a
descrever e escrever os diálogos
e os momentos vividos com o mestre.
Sobre o envelhecimento, Platão
afirmava que a velhice faz surgir
nos seres humanos um imenso sentimento
de paz e de libertação.
Platão, já aos 80 anos,
quando escreveu Leis, enfatizou as
obrigações dos filhos
para com os pais idosos, salientando
que nada é mais digno que um
pai e um avô, que uma mãe
e uma avó cheias de idade.
Essa preocupação de
Platão das obrigações
dos filhos para com os pais idosos,
lembra a piedade filial descrita por
Confúcio.
Aristóteles
(384-322 a.C.) descendeu de família
rica, teve oportunidade de estudar,
tornando-se professor muito cedo.
Foi discípulo de Platão,
mas não ocupou o seu lugar
na academia, após a sua morte.
É tido como um dos filósofos
mais inacessíveis, ou pelo
menos o mais difícil de abarcar
com um só olhar (Crescenzo,
1988), talvez pelo fato dele não
ter sido somente um filósofo,
mas um cientista que cultuava a lógica
(que para ele tratava-se da relação
causa e efeito), foi um grande sistematizador,
fundou várias ciências,
acreditava na filosofia enquanto atividade
oratória, defendia que o grau
máximo da realidade está
em perceber e sentir utilizando-se
os sentidos.
Em
relação ao envelhecimento,
Aristóteles achava que uma
boa velhice era aquela em que o ser
humano não apresentasse enfermidades.
Lembro que o envelhecimento é
um processo contínuo durante
toda a vida e provocam no organismo
modificações biológicas,
psicológicas e sociais. São
modificações biológicas,
as morfológicas, reveladas
por aparecimento de rugas, cabelos
brancos e outras; as fisiológicas,
relacionadas as alterações
das funções orgânicas;
as bioquímicas, que estão
diretamente ligadas as transformações
das reações químicas
presentes no organismo. As modificações
psicológicas ocorrem quando
o ser humano que envelhece necessita
adaptar-se a cada situação
nova do seu cotidiano. Já as
modificações sociais
são verificadas quando as relações
sociais tornam-se alteradas em função
da diminuição da produtividade
e principalmente, do poder físico
e econômico, sendo a alteração
social mais evidente em países
de economia capitalista.
Portanto,
de forma natural às doenças
ou outros desconfortos físicos,
psíquicos ou sociais poderão
acometer os seres humanos que envelhecem,
em conseqüência das modificações
descritas, porém tais idosos
aprendem a se cuidar, aprendem a viver
com estas doenças/desconfortos,
não tornando, apesar disto,
a velhice um tormento.
A
percepção de Aristótoles
acerca da velhice era bem diferente
de Platão. Na verdade, sua
visão de ser idoso era deprimente,
ele os considerava reticentes, excitantes,
lentos, possuidores de mau caráter;
dizia ainda que os idosos só
imaginam o mal, são cheios
de desconfiança e que estas
características são
conseqüências da experiência
de vida que os humilhou, sendo carentes
de generosidade, vivendo mais de recordações
do que de esperanças e desprezando
a opinião alheia. Na Ética,
onde se concentram seus escritos mais
famosos, Aristóteles considera
que o ser humano progride somente
até os 50 anos, portanto, com
sua concepção distorcida
de velhice, ele percebia os idosos
como pessoas diminuídas, que
não mereciam confiança
e por isso precisavam ser afastadas
do poder, não devendo exercer
cargos de importância política.
Para
Hipócrates (460-370 a.C.),
médico famoso da antigüidade
grega, a velhice começa depois
dos 50 anos e apresenta-se como um
desequilíbrio dos humores.
Em seus aforismos, ele assinala no
idoso características distintas
das expressões clínicas
verificadas nos jovens, apontando
que a temperatura do idoso não
costuma ser alta, os processos de
enfermidade tendem à cronicidade,
os hábitos intestinais modificam-se,
o prognóstico das patologias
torna-se diferente e difícil.
Algumas observações
importantes, quanto à saúde
dos idosos foram inicialmente verificadas
por Hipócrates, dentre elas
destaco: os distúrbios respiratórios,
a disúria, as doenças
renais de um modo geral, as artralgias,
as vertigens, o acidente vascular
cerebral, a perda ponderal, a catarata,
a hipoacusia (Leme, 1997).
A
partir de suas observações,
Hipócrates determina normas
assistenciais, sobretudo à
higiene corporal, recomenda atividade
física e mental, assinalando
preceitos dietéticos, baseados
em geral na sobriedade e completava
dizendo que: "os velhos suportam
melhor a abstinência, o pouco
sustento lhes basta" (Leme, 1997,
p.17). Quando acompanhava clinicamente
os idosos, ele sugeria moderações
em todas as atividades e desaconselhava-os
a suspender as suas ocupações
habituais. Percebo que, até
hoje os conselhos de Hipócrates
são bem adequados aos seres
humanos idosos, para que estes vivam
um envelhecimento tranqüilo e
saudável, fazendo parte das
orientações corriqueiras
dos gerontólogos e dos geriatras.
No
primeiro século antes da Era
Cristã, Marco Túlio
Cícero (103-43 a.C.), o grande
filósofo romano, político,
jurista e orador demonstrou-se uma
figura exponencial nos estudos sobre
a velhice. Aos 63 anos de idade, senador
da república, escreveu o livro
De senectude - Catão, o velho.
Nele resume sua visão de envelhecimento,
enquanto um processo fisiológico,
relata os problemas dos idosos quanto
à perda da memória,
perda da capacidade funcional, as
alterações dos órgãos
dos sentidos, a perda da capacidade
de trabalho. Salienta que, com o envelhecimento,
os prazeres corporais vão sendo
substituídos pelos intelectuais,
enfatizando a necessidade de prestigiar-se
os idosos e de fazer-lhes um preparo
psicológico para a morte. Pude
entender que Cícero retorna,
em seus escritos, algumas passagens
descritas na República, de
Platão.
Cícero
foi um otimista diante do fator fisiológico
da velhice e aconselhava o cuidado
corporal e mental, a escolha de prazeres
adequados, de atividades que tragam
benefícios individual e coletivo,
desde que estejam ao alcance das forças
dos idosos. Para esse filósofo,
a arte de envelhecer compreende em
encontrar o prazer que todas as idades
proporcionam, pois todas têm
as suas virtudes. Chamo à atenção
que, essa aprendizagem da arte de
saber envelhecer não deve ser
ligada ao individual, pois a superação
dos obstáculos a uma velhice
feliz vai buscar no social suas razões
de ser.
Em
De Senectude, Cícero (1999)
descreve a conversa entre o velho
Catão e os jovens Cipião
e Gaio Lélio, estes rapazes
interpelam Catão sobre os agravos
e as vantagens da velhice. Catão,
senador e ser humano muito respeitado
por seus pares, com mais de 80 anos,
fala do envelhecimento de uma forma
clara, concreta, procurando criticar
os preconceitos que pairam sobre os
idosos e lembrando que sempre quando
os Estados viram-se arruinados pelos
os jovens, foram os idosos que os
restauraram. Na verdade, fica claro
que o maior interesse de Cícero,
ao escrever De Senectude é
defender a velhice para provar que
a autoridade de Senado, há
muito abalada, deve ser reforçada.
Para
Cícero (1999) não se
deve atribuir à velhice todas
as lamentações da vida;
quem muito se lamenta, para ele, faz
isto em todas as idades do processo
de viver, pois os seres humanos inteligentes
sempre tentam afastar o temperamento
triste e a rabugice em qualquer idade.
Acrescenta ainda que são quatro
as razões detestáveis
da velhice: o fato desta fase afastar
o ser humano da vida ativa; a constatação
de que ela enfraquece o corpo; a condição
de privar-nos dos melhores prazeres
e a aproximação com
a morte. Em seguida ele passa a contestar
cada uma dessas razões, trazendo
como exemplos figuras e situações
conhecidas da época. Também
é de Cícero a célebre
frase comentando a existência
de seres humanos que, como alguns
vinhos, envelhecem sem azedar-se.
Eu completo que, sendo o envelhecimento
um conjunto de alterações
biológicas, psicológicas
e sociais, estas se configuram em
novas situações vivenciadas
pelo ser humano e que a presença
desse novo, muitas vezes
pode representar o inusitado e a expansão
de capacidades inovadoras e prazeirosas
para o idoso.
Sêneca
(20 a.C.-65 d. C.), outro grande romano,
defendeu a velhice em suas cartas
a Lucílio, onde afirma que
a velhice é boa, como tudo
que é natural e que não
revela nenhuma decadência, continuando,
assim, 100 anos depois, as idéias
de Cícero. Na opinião
de Sêneca (1999), para que se
possa ter tranqüilidade é
necessário que se aceite o
processo de envelhecimento e se tire
o melhor proveito desta fase de vida,
que poucos seres humanos têm
o prazer de galgar. Penso que, a oportunidade
de continuar vivo e lutando pela vida,
rompe laços de exigências
passadas e torna o ser humano idoso
um lutador satisfeito, um vencedor.
No
século II, na Era Cristã,
Galeno (129-199 d. C.) dedicou à
velhice uma importante obra: Gerocomica,
na qual apresenta sua teoria sobre
os temperamentos formadores do tipo
constitucional: o fleugmático,
o sangüíneo, o colérico
e o melancólico. Para ele a
velhice seria a conseqüência
do desequilíbrio entre os temperamentos
e o declinar da vida começaria
nos 35 anos (Beauvoir, 1990). Em seu
livro Gerocomica, Galeno adverte que
o idoso deve ser aquecido e umedecido,
deve tomar banhos quentes, fazer dietas
especiais, tomar vinho e permanecer
ativo. Percebo que, hoje se retira
dos escritos de Galeno a necessidade
de maior hidratação,
à medida que o processo de
envelhecimento aproxima-se e intensifica-se,
sendo uma das orientações
mais presentes nos atendimentos e
consultas realizados pelos profissionais
que cuidam dos idosos.
Na
Segunda metade do século XV,
Gabriele Zerbi (1468-1505), anatomista,
professor e clínico escreve
Gerontocomia, considerada
como a obra literária sobre
a velhice, de maior envergadura, depois
de Galeno (Beauvoir, 1990). Sendo
a primeira monografia dedicada à
patologia da velhice. Na sua obra
Zerbi define que os idosos têm
uma compleição especial,
completando que eles têm dificuldades
respiratórias, apresentam dores
e dificuldades à micção,
queixam-se de dores nas juntas, trazem
consigo doenças nos rins, tonturas,
caquexia, pruridos por todo o corpo,
falta-lhes o sono, as dificuldades
de visão como a catarata e
a diminuição da audição,
são constantes. Por outro lado
Zerbi orientava os melhores lugares
da casa para os idosos, bem como dietas
adequadas e curiosamente, prescrevia
leite humano para a melhoria da condição
dos idosos.
Ainda
no século XV é marcante
a presença dos ingleses no
estudo da Gerontologia, dentre eles:
Barentins, Sir John Flayer, Fischer.
Goethe, já idoso, no início
do século XIX, envia-nos uma
mensagem de otimismo: Assim,
amigo idoso e fraco, não te
deixes abater pelos anos. Tenhas ou
não teus cabelos brancos, ainda
poderás encontrar o amor
(Gomes, 1994), lembrando que para
o amor, não há idade,
só há necessidade de
partilhamento entre seres humanos
aptos a amarem-se e nesta fase da
vida, com a maturidade alcançada,
o amor apresenta-se, penso eu, sereno
e harmonioso.
Foi
no século XIX que cuidar dos
idosos tornou-se uma especialidade,
iniciando-se como grande ciência,
embora não sendo ainda designada
como Geriatria e verificada através
das atividades da inglesa Marjorie
Warren, no controle de pacientas crônicos,
em Londres. No século XX, o
americano Metchinikoff, , apresentou
um tratado onde correlaciona à
velhice a um tipo de auto-intoxicação.
Ainda neste século, Nascher,
pediatra americano nascido em Viena,
criou o termo Geriatria, que é
um ramo da Medicina que trata dos
aspectos biológicos, psicológicos
e sociais das doenças que podem
acometer aos idosos. Mais tarde, foi
criado o termo Gerontologia, como
sendo uma especialidade com caráter
global e um ramo da ciência
que se propõe a estudar o processo
de envelhecimento e os múltiplos
problemas que possam envolver o ser
humano (Beauvoir, 1990).
Envelhecimento hoje e a necessidade
da capacitação profissional
No
Brasil, o interesse na Geriatria iniciou-se
em 1961, com a criação
da Sociedade Brasileira de Geriatria,
que posteriormente passou a ser designada
Sociedade Brasileira de Geriatria
e Gerontologia (SBGG). Na década
de 70 alguns serviços de saúde,
geralmente ligados às universidades
começam a oferecer atendimentos
a idosos doentes. Já nos anos
80, esses serviços proliferam
e iniciam um atendimento mais sistemático
ao idoso, oferecendo também
atividades voltadas à promoção
da saúde e à prevenção
das doenças.
O
fato de a Geriatria ter surgido antes
da Gerontologia, direciona, até
hoje, os problemas vivenciados pelos
idosos às doenças, cujas
causas biológicas e/ou psicológicas
são individuais, deixando,
então as dimensões social
e política da questão
da velhice subestimada e tornando
a velhice homogeneizada por determinados
estereótipos. Ao meu ver, essa
questão vem, aos poucos, sendo
transformada e direcionada a que os
profissionais que cuidam dos idosos
passem a ter sobre eles uma visão
mais integrada.
Agora
existem pesquisas que apontam para
o envelhecimento enquanto um processo
fluido, cambiável e que pode
ser acelerado, reduzido, parar por
algum tempo e até mesmo reverter-se.
Esses estudos, realizados nas três
últimas décadas, têm
comprovado que o envelhecer é
muito mais dependente do próprio
ser humano, do que jamais se imaginou
em épocas passadas. Um dos
defensores desta teoria é Deepak
Chopra (1999, p.19), segundo o qual
(...) Embora os sentidos lhe
digam que você habita um corpo
sólido no tempo e no espaço,
esta é tão somente a
camada mais superficial da realidade.
Esta inteligência é dedicada
a observar a mudança constante
que tem lugar dentro de você.
(...). Envelhecer é uma máscara
para a perda desta inteligência.
Esses estudos são pautados
na física quântica, a
qual diz que não há
fim para a dança cósmica.
Penso que, esta realidade trazida
pela física quântica
traz a possibilidade de, pela primeira
vez, poder-se manipular a inteligência
invisível que está como
pano de fundo do mundo visível
e alterar-se o conceito de envelhecimento.
Partindo
deste histórico e das reflexões
aqui tecidas considero o envelhecimento
um processo universal, que não
afeta só o ser humano, mas
a sua família e a sua comunidade
e sociedade; lembro que o número
de idosos está crescendo rapidamente
no Brasil, existindo mais mulheres
idosas e sós do que homens
idosos; acrescento que o envelhecimento
é um processo normal, dinâmico
e não uma doença, mas
que são notórias as
desigualdades e especificidade nesse
contigente populacional, as quais
se refletem na expectativa de vida,
na morbidade, na mortalidade prematura,
na incapacidade e na má qualidade
de vida. Acredito que, sendo a percepção
um fenômeno aprendido, há
muito ainda a descobrir sobre o envelhecer.
Por
tudo isso, enquanto profissionais
da saúde, é urgente
que passemos a discutir pré-requisitos
básicos direcionados à
melhoria da qualidade de vida do ser
humano idoso, considerando sua multidimensionalidade
e necessidades, entre as quais: alimentação
e saneamento básico adequado,
moradia segura, seguridade econômica,
acesso aos serviços de saúde,
cidadania e outras. Penso que, um
momento oportuno para iniciar essa
reflexão é na família,
durante a formação da
criança e posteriormente, durante
o curso de formação
dos profissionais de Enfermagem; surgindo,
então a necessidade de inclusão
do ensino de conteúdos sobre
enfermagem geriátrica e gerontológica
nestes cursos, onde se capacitará
o futuro profissional no cuidado ao
idoso, ao mesmo tempo em que o preparará
para um envelhecer mais saudável
e tranqüilo.
Considerações
Finais
Para
finalizar essa reflexão, ao
meu ver, conhecer um pouco do histórico
e refletir acerca do envelhecimento
humano, partindo de opiniões
de personagens importantes, aponta
para uma elaboração
pessoal do próprio processo
de envelhecimento, e essa elaboração
necessária, difícil
e pertinente, direciona a um cuidar
de um ser humano que passa por um
processo específico e singular,
mesmo que universal.
E
cuidar do idoso não é
tarefa fácil, simples, técnica,
pois para cuidá-lo é
necessário que o outro ser
humano seja capaz de escutá-lo
e para isto é preciso ter consciência
da sua própria concepção
de velhice. Continuo insistindo nessa
necessidade. Por outro lado, os cuidados
devem ser bem definidos, considerando-se
a multidimensionalidade e especificidade
do idoso e devem corresponder às
reais necessidades identificadas,
sem excesso e sem déficits.
Para
cuidar dos idosos com qualidade, considerando
a conservação de um
bom estado de saúde, integrando
os aspectos físicos, mentais,
sociais e sexuais, inseridos em um
ambiente físico, social e econômico
favorável e, baseado-se em
conhecimentos variados e na criatividade,
o enfermeiro deve elaborar a sua própria
filosofia de vida, partindo, é
claro, das suas crenças e dos
seus valores pessoais, procurando
criar um elo da sua filosofia pessoal
com a filosofia da Enfermagem, disciplina
que tem no cuidado, no respeito pelo
ser humano e na competência
técnica, seu sustentáculo
e seus pressupostos para o ensino
e a prática profissional.
Referências Bibliográficas
BEAUVOIR,
S. de. A velhice. Trad. De Maria Helena
Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990.
CÍCERO,
M. T. Saber envelhecer. Trad. Paulo
Neves. Porto Alegre: L & PM, 1999.
CHOPRA,
D. Corpo sem idade, mente sem fronteira.
A alternativa quântica para
o envelhecimento. Rio de Janeiro:
Rocco, 1999.
CRESCENZO,
L. de. História da Filosofia
grega - a partir de Sócrates.
Lisboa: Presença, 1988.
CONFÚCIO.
Vida e doutrina. Os analectos. Trad.
Múcio Porphyrio ferreira. São
Paulo: Pensamento, 1999.
GOMES,
F. A. de A. Histórico de geriatria
e gerontologia. In: Caminhos do envelhecer.
Rio de Janeiro: Revinter, 1994, p.
1-5.
HADDAD,
E. G de M. O direito à velhice:
os aposentados e a previdência
social. São Paulo: Cortez,
1993.
LEME,
L. E. G. A gerontologia e o problema
do envelhecimento: visão histórica.
In: PAPALÉO NETTO. Gerontologia.
São Paulo: Atheneu, 1997, p.
13-25.
LAO-TZY.
Tao-te King. O livro do sentido da
vida. Trad. Margit Marticia. São
Paulo:Pensamento, 1999.
PLATÃO.
A república livro VII.
Trad. Elza Moreira Marcelina. Brasília:
UnB, 1995.
PIETTRE
B. Platão A República:
livro VII. Brasília: UnB, 1985.
SENECA,
L. A. Da tranqüilidade da alma.
Trad. Giulio Davide Leoni. In: Os
pensadores. São Paulo: Nova
Cultura, 1999.
VERNANT,
J. P. As origens do pensamento grego.
7.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1992.
Data de Publicação do
Artigo:
30 de Março de 2004
Fonte:
MedCenter.com Odontologia