Carnot, Nicolas Leonard Sadi (1796-1832)

Elaborado por: Vinicius Kapudjian Carabett - RA 931101

Dados Biográficos

O filho mais velho de Lazare Carnot, Sadi nasceu no Palais de Petit-Luxembourg, onde seu pai viveu como membro do Diretório. O forte e turbulento mundo da política e ciência francesa foi parte integral do ambiente em que Sadi e seu irmão mais novo Hippolyte passaram a juventude. Retirado da vida pública em 1807, Lazare Carnot se concentrou na ciência e educação de seus filhos. Através de seus estudos, Sadi adquiriu não somente gosto e aptidão para a matemática mas também um grande preparo em física, nas ciências naturais da linguagem e na música.

Em virtude do seu rápido progresso, foi decidido que Sadi deveria integrar a elite da École Polytechnique após atingir seus dezesseis anos, o mínimo para a admissão. Seguindo alguns meses de preparação na Lycée Charlemagne em Paris, passou no exame de admissão e assim atingiu a Polytechnique. Seus estudos desde 1812 a 1814 se intensificaram em análise, mecânica, geometria descritiva e química, ministrados por um eminente corpo docente, incluindo Poisson, Gay-Lussac, Ampère e Arago.

Em 1813 Sadi endereçou uma carta a Napoleão em nome de seus colegas de curso, pedindo permissão para se juntar na luta contra os Allies invasores, e, em Março de 1814 estava entre os estudantes que lutaram bravamente em Vincennes, embora em vão. Classificado como o sexto da classe, ele terminou seus estudos da Polytechnique em Outubro de 1814 e foi enviado imediatamente para a École du Génie, em Metz, como estudante a segundo tenente. Durante os dois anos do curso de Engenharia Militar, Sadi escreveu vários artigos científicos, que agora estão perdidos mas que foram bem recebidos na época, segundo seu irmão. Durante os "Cem Dias", Lazare Carnot foi o Ministro do Interior de Napoleão, e Sadi se tornou objeto de especial atenção dos seus superiores. Esta situação terminou em Outubro de 1815, quando Lazare foi exilado pela "Restauração".

No fim de 1816 Sadi terminou seus estudos e começou servindo como segundo tenente no Regimento de Engenharia de Metz. Nos dois anos seguintes, modificou-se sua função de guarnição a guarnição, inspecionando fortificações e projetando planos e relatórios destinados ao esquecimento burocrático. Apesar de alguma conexão com altos oficiais, o nome e a reputação de seu pai se tornaram um fardo para ele nos primeiros anos da Restauração, e seu desenvolvimento intelectual foi frustrado pelo tédio das guarnições militares. Em 1819, aproveitou uma oportunidade para escapar passando por um competitivo exame para um cargo no corpo do Exército de Paris. Imediatamente obteve uma licença permanente de ausência e ocupou o antigo quarto de seu pai em Paris.

Aliviado das limitações da vida militar, Carnot começou uma vasta seqüência de estudos e pesquisas, apesar de numerosas interrupções, até sua morte. Além dos seus estudos particulares, seguiu cursos em Sourbonne, Collége de France, &EACUTEcole des Mines e Conservatoire des Arts et Métiers. Neste último, tornou-se amigo de Nicolas Clément, que ministrou o curso de química aplicada, e foi desenvolvendo importantes pesquisas sobre máquinas a vapor e teoria dos gases. Um dos interesses particulares de Carnot era o desenvolvimento industrial, que ele estudou em todas suas ramificações. Fez freqüentes visitas a fábricas e oficinas, estudou as últimas teorias de política econômica e deixou em suas notas detalhadas propostas em relação aos problemas correntes, como uma reforma tributária. Além disso, sua atividade e habilidade abrangiam matemática e as artes finas.

Em 1821 Carnot interrompeu seus estudos para passar algumas semanas com seu pai e irmão exilados, em Magdeburg. Foi aparentemente depois dessa visita que, novamente em Paris, começou a se concentrar nos problemas da máquina a vapor. Após a morte de Lazare, em Agosto de 1823, Hippolyte retornou a Paris para encontrar seu irmão trabalhando ainda nos manuscritos de Refléxions . Na tentativa de fazer seu trabalho compreensível a um vasto público, Sadi forçou Hippolyte a ler e criticar partes do manuscrito. Em Junho de 1824, Réflexion sur la puissance motrice du feu et sur les machines propres à développer cette puissance foi publicado por Bachelier, o principal editor científico da França. O livro foi bem recebido por todos os padrões razoáveis. Em 14 de Junho, foi formalmente apresentado para a Académie des Sciences, e em 26 de Julho P.S. Girard leu uma prolongada e muito favorável revisão para a Academia. Esta revisão, impressa na edição de Agosto da Revue Encyclopédique, enfatizou as conclusões do livro e suas aplicações para a construção de máquinas a vapor. Embora os maiores teoremas fossem citados, não havia discussão do raciocínio altamente original que Carnot havia empregado.

Seguindo a publicação dos seu livro, Carnot continuou sua pesquisa, cujos fragmentos são preservados em suas notas manuscritas. Entretanto, uma reorganização geral do exército, forçou Carnot retornar ao serviço ativo em 1827, como capitão. Após menos de um ano na rotina de um engenheiro militar em Lyons e Auxonne, Carnot demitiu-se permanentemente e retornou a Paris. Novamente enfocou suas atenções nos problemas do projeto de máquinas e na teoria do calor. Em 1828, um contemporâneo referiu-se a Carnot como o "Construtor de Máquinas a Vapor", embora não haja registro nenhum de uma formal conexão sua com qualquer empresa. Exceto por seu informal contato com Clément, Carnot sempre trabalhou independentemente e raramente discutiu suas pesquisas.

Embora sensitivo e perceptivo, parecia extremamente introvertido com todos, exceto para poucos amigos mais próximos, como Claude Robelin e Michel Chasles, que foram seus colegas de classe na Polytechnique.

Leal aos princípios republicanos de seu pai, Carnot foi benvindo à Revolução de Julho, mas ficou logo desapontado com o novo governo. Apesar disso, foi altamente considerado em alguns círculos políticos, para logo após a Revolução ser mencionado como um possível membro da Chambre des Pairs. Entretanto, foi contrário à natureza hereditária de sua posição e recusou ser nomeado.

Em 1831 Carnot começou a investigar as propriedades físicas dos gases e vapores, especialmente a relação entre pressão e temperatura. Em Junho de 1832, entretanto, contraiu escarlatina, seguida de complicações que minaram sua frágil saúde. Vítima de uma epidemia de cólera, veio a falecer na manhã do dia 24 de Agosto de 1832, aos trinta e seis anos de idade.

Quase todos os seus artigos foram queimados, mas Carnot não foi esquecido, embora seus trabalhos fossem ignorados por quase oito anos. As notícias de sua morte mereceram um artigo de primeira página no Moniteur de 27 de Agosto, e uma nota descrevendo seu livro como "marcante por suas visões originais" apareceram na edição de Fevereiro de 1833 dos Annales de chimie et de physique. O único obtuário completo foi publicado na edição de Agosto de 1832 da Revue Encyclopédique, da qual Hippolyte Carnot era editor.

Obras e Contribuições Relevantes

O excitante trabalho científico de Sadi Carnot inclui três itens maiores: o manuscrito Recherche, o Réflexions e as notas manuscritas. Fragmentos de matemática, suas traduções de dois dos artigos de Watt e notas de leitura de vários cursos de Matemática e Física também sobreviveram.

O último dos maiores trabalhos é um manuscrito de vinte e uma páginas escrito provavelmente em 1823 e intitulado "Recherche d'une formule propre à représenter la puissance motrice de la vapeur d'eau". Como o título indica, o artigo foi uma tentativa de encontrar uma expressão matemática para a força motriz (trabalho, nos termos modernos) produzidos por um quilograma de vapor. Explicitamente procurando uma solução geral que cobrisse todos os tipos de máquinas a vapor, Carnot reduziu a operação delas a três estágios básicos: uma expansão isotérmica enquanto o vapor é introduzido no cilindro, uma expansão adiabática e uma compressão isotérmica no condensador. Embora Carnot pretendesse um ciclo completo, isto era exato somente com respeito ao movimento do pistão e não com o fluido de trabalho, que não retornava à temperatura do evaporador. Empregando a lei de Clément para vapores saturados e criando uma função de aproximaçào para a Tabela de pressão de vapor de Dalton, Carnot deduziu a força motriz como função das temperaturas e pressões iniciais e finais do vapor. Desde que a tabela de Dalton relaciona temperatura e pressão do vapor, Carnot realmente expressou a força motriz de uma quantidade unitária de vapor como função unicamente da temperatura.

O ensaio, tanto em métodos como em objetivos é similar aos vários artigos publicados entre 1818 e 1824 por "engenheiros de potência" como Hachette, Navier, Petit e Combes. Entretanto, o trabalho de Carnot se distingue por sua cuidadosa e clara análise das unidades e conceitos empregados e por seu uso tanto no estágio adiabático de trabalho como no estágio isotérmico. A natureza refinada do artigo, em contraste com a grossura das notas, o faz parecer propenso à publicação, embora tenha permanecido desconhecido até 1966.

Refléxions, o único trabalho que Carnot publicou em vida, apareceu em 1824 como um ensaio de somente 118 páginas. Após uma concisa revisão da importância industrial, econômica e política da máquina a vapor, Carnot levantou dois problemas que ele sentiu impedir um maior desenvolvimento tanto da utilidade como da teoria das máquinas a vapor. Havia um limite para a potência motriz do calor, e portanto para um melhoramento das máquinas a vapor? Como Carnot mesmo concebeu, Refléxions foi nada mais nada menos do que um "exame deliberado" dessas questões. Ambos foram problemas temporários e, embora engenheiros franceses os tivessem investigado durante uma década, soluções geralmente aceitas não haviam sido alcançadas. Na ausência de um claro conceito de eficiência, projetos de máquinas a vapor foram julgados largamente em praticidade, segurança e economia de combustível. Ar, ácido carbônico e álcool haviam sido recomendados por alguns engenheiros como melhores substâncias de trabalho do que vapor. A aproximação usual para estes problemas era tanto um estudo empírico da entrada de combustível e da saída de trabalho de máquinas individuais como a aplicação da teoria matemática dos gases para as operações abstratas de um tipo de máquina específica. Carnot interviu firmemente nesta tradição da engenharia; seu método de atacá-la foi radicalmente novo e é a essência de sua contribuição para a ciência do calor.

Como fundações para seu estudo, Carnot cuidadosamente estabeleceu três premissas. A primeira foi a impossibilidade do movimento perpétuo, princípio assumido há muito tempo em mecânica e que foi parte importante no trabalho de Lazare Carnot. Como segunda premissa Carnot usou a teoria calórica do calor, que apesar de alguma oposição, foi a mais aceita e mais desenvolvida teoria de calor disponível. Em Réflexions, o calor foi sempre tratado como um fluido sem peso que não podia nem ser criado nem destruído em qualquer processo. Como um elemento das demonstrações de Carnot essa suposição afirmava que a quantidade de calor absorvida ou liberada por um corpo em qualquer processo depende somente dos estados inicial e final do corpo. A premissa final foi que a força motriz era devida "não a um consumo real de calórico, mas ao seu transporte de um corpo quente a um corpo frio". Fazendo a analogia com uma roda d'água, Carnot observou que esta força motriz devia depender da quantidade de "calórico" empregado e da amplitude do intervalo de temperatura através da qual ela caía. No seu conceito de reversibilidade Carnot também implicitamente assumiu o inverso dessa premissa, que o gasto da força motriz retornará "calórico" do corpo frio para o corpo quente.

A análise das máquinas de calor iniciou onde o Recherche terminou, com um abstrato ciclo de vapor com três estágios. Este ciclo incompleto provocou incômodos e Carnot levou a abstração um passo adiante, produzindo a máquina de calor ideal e o ciclo que agora leva seu nome. A "Máquina de Carnot" consistia simplesmente de um cilindro e pistão, uma substância de trabalho que era assumida como um gás perfeito, e dois reservatórios de calor mantidos a temperaturas diferentes. O novo ciclo incorporou as expansões isotérmicas e adiabáticas e a compressão isotérmica da máquina a vapor, mas Carnot adicionou uma compressão adiabática final na qual força motriz era consumida para aquecer o fluido até sua temperatura de ebulição.

A eficiência máxima

Com o objetivo de alcançar a máxima eficiência, era necessário que, no processo empregado não houvesse qualquer troca de calor direta entre corpos a temperaturas diferentes. Transferência direta de calor por condução ou radiação entre corpos a temperaturas diferentes é equivalente a perder a diferença de temperatura que poderia ter sido utilizada para produzir força motriz. A substância de trabalho deve estar em equilíbrio (isto é, com pressão e temperatura uniformes em todo o seu volume) com o evaporador e com o condensador nos instantes em que estiver em contato com eles. Nas máquinas reais há sempre alguma troca de calor entre vapor e o cilindro e alguma perda de calor para corpos externos. Pode haver também alguma diferença de temperatura entre o evaporador e o cilindro na admissão, ou entre o vapor e o condensador livre. Estas diferenças representam perda de eficiência que podem ser reduzidas indefinidamente, pelo menos na imaginação, através de meios apropriados. Aliás, projetistas da época foram bem sucedidos na diminuição das perdas. Todas essas perdas são supostas ausentes no limite da eficiência ideal, além da qual seria impossível seguir.

O Ciclo Ideal

Carnot exemplificou o ciclo ideal da seguinte maneira:

Seja um fluido elástico, ar atmosférico por exemplo, no interior de um cilindro fechado abcd (fig. 1) e um pistão móvel cd. Seja também dois corpos A e B, cada um mantido a temperatura constante, supondo que a temperatura de A seja maior que a de B. Seja a seguinte série de operações a ser realizada:

  • Contato do corpo A com o ar contido no espaço abcd, em contato com a extremidade inferior do cilindro, supondo que o cilindro seja um bom condutor de calor. O ar está agora a temperatura do corpo A, e cd é a atual posição do pistão.

  • O pistão sobe lentamente e alcança a posição ef. O ar permanece em contato com o corpo A, e é mantido a temperatura constante durante a expansão. O corpo A fornece o calor necessário para manter sua temperatura constante.

  • O corpo A é removido e o ar não está mais em contato com qualquer corpo capaz de lhe fornecer calor, o pistão continua subindo e passa da posição ef para a gh. O ar se expande sem receber calor e sua temperatura cai. Imaginemos que caia até atingir a temperatura do corpo B. Nesse instante o pistão pára na posição gh.

  • O ar é colocado em contato com o corpo B; é comprimido e o pistão vai retornando da posição gh até a posição cd. O ar permanece a temperatura constante em virtude do seu contato com o corpo B, para o qual libera calor.

  • O corpo B é removido e a compressão do ar continua, porém sua temperatura volta a subir. A compressão continua até que sua temperatura atinja a temperatura do corpo A. O pistão passa da posição cd para ik.

  • O ar é recolocado em contato com o corpo A, e o pistão retorna da posição ik para a posição ef, com a temperatura permanecendo invariável.

  • O período 3-4-5-6 deve ser repetido sucessivamente
  • Durante essas operações o ar exerce esforços razoavelmente grandes no pistão. A pressão do ar varia com as variações de volume e com as variações de temperatura, mas deve ser observado que para volumes iguais, que é o mesmo que dizer, para posições iguais do cilindro, a temperatura é maior durante a dilatação do que durante a compressão. Desde que a pressão é maior durante expansão, a quantidade de força motriz produzida pela dilatação é maior do que a consumida na compressão. Assim, obteremos um balanço de força motriz, que pode ser empregada para qualquer propósito.

    Todas as operações descritas acima podem ser executadas no sentido inverso. Vamos imaginar que após o sexto período, quando o pistão alcança a posição ef , fazemos ele retornar a posição ik e ao mesmo tempo manter o ar em contato com o corpo A. O calor fornecido por este corpo durante o sexto período retornará para a fonte, isto é , para o corpo A, e tudo será como se fosse o final do quinto período. Se agora nós removermos o corpo A, e se fizermos o pistão se mover de ik para cd, a temperatura do ar cairá de alguns graus como aumentou durante o quinto período, e se igualará a temperatura do corpo B.

    O resultado da série de operações foi a produção de uma certa quantidade de força motriz e o transporte de calor do corpo A para o corpo B. O resultado das operações inversas é o consumo da força motriz produzida no primeiro caso e o retorno do calor de B para A, de modo que essas duas séries de operações se anulam.

    A prova do princípio de Carnot

    Carnot então postulou a existência de uma máquina que, em virtude dos seu projeto ou substância de trabalho produziria mais potência do que a "Máquina de Carnot" operando entre a mesma diferença de temperatura e com a mesma quantidade de "calórico". Esta máquina hipotética trabalharia ao lado de uma "Máquina de Carnot" revertida, que por sua vez, consumiria todo o calor fornecido pelo condensador da primeira e forneceria todo seu calor liberado para o evaporador da hipotética. Porém a máquina revertida consumiria somente uma porção da força motriz produzida pela máquina hipotética, deixando o restante disponível para trabalho externo. Juntas, estas duas máquinas formariam uma máquina maior cujo único efeito seria a produção de força motriz em quantidade ilimitada. Como tal movimento perpétuo violava sua primeira premissa, Carnot concluiu que nenhuma máquina produz mais força motriz do que a "Máquina de Carnot".

    A declaração do princípio de Carnot

    Se o raciocínio acima for admitido, podemos concluir com Carnot que a força motriz obtida do calor é independente dos agentes empregados para realizá-la. A eficiência depende apenas das temperaturas dos corpos entre os quais o transporte de calor é efetuado. "Devemos entender que os métodos de desenvolvimento de força motriz atingem a perfeição se não há troca direta de calor entre corpos de sensível diferença de temperatura".

    Isto é característico de um estado de equilíbrio mecânico sem atrito, de modo que uma diferença indefinidamente pequena de pressão seria suficiente para quebrar o equilíbrio e reverter o movimento. De modo similar, no equilíbrio térmico de dois corpos a mesma temperatura, uma diferença indefinidamente pequena de temperatura seria suficiente para reverter a transferência de calor.

    A regra de Carnot é, portanto, o critério da reversibilidade do ciclo de operações com transferência de calor. É assumido que a máquina ideal é mecanicamente reversível, que não há, por exemplo qualquer comunicação entre os reservatórios de gás ou vapor a diferentes temperaturas e que não há perda de trabalho devido ao atrito. Se há equilíbrio mecânico e térmico em cada estágio do ciclo, a máquina ideal será perfeitamente reversível, isto é, todas as suas operações serão exatamente revertidas com respeito ao calor e ao trabalho quando as operações são executadas no sentido inverso. No seu entendimento, o princípio de Carnot poderia ser colocado de maneira diferente, que é freqüentemente adotada, mas é realmente a mesma coisa colocada em outras palavras: A eficiência de uma máquina perfeitamente reversível é a máxima possível, e é função somente dos limites de temperatura entre as quais ela trabalha. Este resultado depende essencialmente da existência de um estado de equilíbrio térmico definido pela igualdade de temperatura e independente, na maioria dos casos, do estado do corpo em outros aspectos. Com o objetivo de aplicar o princípio do cálculo e previsão dos resultados, é suficiente determinar a maneira na qual a eficiência depende da temperatura para um caso particular, desde que a eficiência deve ser a mesma para todas as máquinas reversíveis.

    O trabalho com os gases

    Para elucidar mais a força motriz do calor, Carnot tornou sua atenção para as propriedades físicas dos gases, um assunto que havia sido considerado por toda a década. Em 1823 um considerável conjunto de dados experimentais em processos isotérmicos e adiabáticos e em calores específicos tinham sido assimilados na teoria calórica do calor e equacionada matematicamente por Laplace e Poisson. Combinando os resultados desta atividade com os conceitos envolvidos nesse teorema fundamental, Carnot deduziu uma série de sete teoremas. Com excessão de uma longa nota de rodapé, na qual tentou fundir seus resultados numa forma algébrica, Carnot desenvolveu seus teoremas numa maneira sintética e geométrica tal que, embora clara e logicamente rigorosa, estava em contraste com a análise matemática dominante na comunidade científica. Entretanto, pelo menos três dos teoremas representaram maiores avanços.

    O primeiro, que afirmava que a quantidade de calor absorvida ou liberada em mudanças isotérmicas é a mesma para todos os gases, foi experimentalmente estabelecida por Dulong em 1828, mas sem qualquer referência a Carnot. Num argumento verbal extremamente sutil, Carnot também demonstrou que "a diferença entre calores específicos sob pressão constante e calores específicos sob volume constante é a mesma para todos os gases". O teorema final diz que a queda de calórico produz mais força motriz quando o intervalo de temperatura é localizado mais abaixo do que um mais acima numa escala de temperatura. Embora conscientes das incertezas introduzidas por algumas suposições e dados experimentais para variação de calor específico, Carnot foi capaz de calcular valores para a força motriz e verificar o teorema. Os trabalhos de Clapeyron e William Thomson foram em parte motivados pelo desejo de deduzir uma expressão algébrica ("A função de Carnot") para seu teorema e verificá-lo com dados mais precisos.

    Prós e Contras

    Na seção final de Réflexions, Carnot retornou às suas questões originais sobre máquinas a vapor. Com dados experimentais extraídos da literatura corrente, verificou que todos os gases produzem a mesma quantidade de força motriz e foi capaz de estimar o limite ideal para essa produção. Numa revisão dos tipos mais comuns de máquinas a vapor, Carnot procurou aplicar suas descobertas a questões práticas de projeto e operação de máquinas a vapor. Sua contribuição, entretanto, foi justamente o seu objetivo original. Suas conclusões que o vapor deve ser usado expansivamente (adiabaticamente), sobre uma grande diferença de temperatura, e sem perdas de condução, foram vastamente reconhecidas já por engenheiros de seu tempo. Em razão das dificuldades na construção da máquina, até mesmo o problema da melhor substância de trabalho não foi conclusivamente respondida.

    Embora Réflexions tenha sido considerada por contemporâneos como primeiramente um ensaio em máquinas a vapor, as mais importantes inovações de Carnot residiram numa nova aproximação para o estudo do calor. Carnot também modificou a ênfase de uma visão microscópica para macroscópica. Em vez de construir a noção de gás como partículas envolvidas por atmosferas de calórico, iniciou as entidades de volume, pressão, temperatura e trabalho diretamente quantificáveis.

    Dos seus conceitos de uma máquina ideal e reversibilidade, havia alguma vaga antecipação. A noção de uma máquina de calor abstrata foi aproximada no trabalho de Hachette e foi mais claramente apresentada nos estudos de Cagniard de La Tour e Clément sobre a força motriz produzida por uma bolha de gás subindo adiabaticamente em água. A máquina a vapor de Jacob Perkins, vastamente discutida em 1823, representou uma tentativa de projetar um sistema completo de maneira fechada, e engenheiros eram conscientes que certos tipos de máquinas hidráulicas eram reversíveis. Entretanto, duas idéias de Lazare Carnot tiveram grande importância: o conceito de movimentos geométricos (reversíveis) em máquinas mecânicas e a necessidade de computar o trabalho feito por uma máquina somente após um ciclo de operação. Adiciona-se a isto o estilo do trabalho de Sadi Carnot, sintético, de abstrata generalidade que fez seu trabalho distintivamente diferente daqueles de engenheiros e físicos. Assim, aplicando os conceitos de máquinas ideais e reversibilidade ao estudo do calor, Sadi Carnot deu a eles uma precisão e generalidade sem precedente e as colocou numa combinação altamente original e frutífera.

    Embora as razões exatas são impossíveis de se determinar, Réflexions quase não teve influência na ciência contemporânea. A edição original não foi vendida em 1835; em 1845 vendedores já a tinham esquecido completamente. Ao lado dos revisores de 1824 e das referências de óbito, o trabalho de Carnot foi mencionado somente duas vezes entre 1824 e 1834. Clément recomendou o livro nas suas aulas em 1824-1825 e Poncelet, escrevendo algumas vezes antes de 1830, a citou em seu Introduction à la mécanique industrielle (Paris, 1839). No obituário de Carnot, Robelin atribuiu o desprezo à obra de Carnot pela sua dificuldade, uma explicação que teria sido aplicada somente a engenheiros e artesãos não familiares com a física e matemática contemporânea. Outra explicação indica o fracasso da obra de Carnot por não alcançar conclusões de real valor para os engenheiros de vapor. O silêncio parcial dos físicos como Dulong, que mais tarde reescreveu porções do trabalho de Carnot, é mais difícil de se explicar. Um provável fator, foi o uso da teoria calórica e de resultados experimentais tais como a lei de Clément dos vapores saturados. Seu trabalho ficou, assim, especialmente vulnerável, como ele mesmo percebeu, quando a lei de Clément foi reprovada em 1827 e quando problemas de calor radiante iniciaram um período de "materialismo" referente à natureza do calor.

    Utilidade para trabalhos posteriores

    Em 1834, Clapeyron, que pode ter conhecido Carnot em 1832, publicou uma reformulação analítica de Réflexions. Clapeyron preservou as premissas, os teoremas e alguns argumentos específicos, porém a ênfase e o estilo foram considerados alterados. Relacionou o ciclo de Carnot com o diagrama pressão-volume e, enfatizando a função de Carnot, traduziu o sintético trabalho de Carnot do mundo das máquinas a vapor para o domínio da teoria matemática dos gases. O trabalho de Carnot não atraiu mais atenção até K.H.A. Holtzman em 1845 e William Thomson em 1848 começarem a trabalhar aspectos especiais do artigo de Clapeyron. Entre 1848 e 1850 Thomson, trabalhando diretamente com Réflexions, publicou uma série de artigos que estendiam e confirmavam os resultados de Carnot. Esses artigos constituíram uma forte defesa do trabalho de Carnot, incluindo o uso da teoria do calórico, no tempo em que Joule, Julius Mayer e Helmholtz estavam estabelecendo a convertibilidade do calor e trabalho e o princípio da conservação da energia. Em 1850 Clausius mostrou que o teorema de Carnot estava correto como foi afirmado, mas que a prova de Carnot, que assumia nenhum calor perdido necessitava de modificações. Clausius adicionou então algumas afirmações sobre a máquina de Carnot: uma certa quantidade de calor é destruída, outra quantidade é transferida para o corpo mais frio e ambas quantidades permanecem em uma definida relação com o trabalho realizado. Com essas adições, que Thomson também adotou em 1851, o teorema de Carnot se tornou a segunda lei da termodinâmica.

    Outros trabalhos e falhas da teoria

    O terceiro maior item do trabalho científico de Carnot são vinte e três folhas de notas manuscritas que escaparam da destruição após a sua morte. Não agrupadas, continham notas de artigos do jornal, observações de experimentos e conclusões de resultados de pesquisa. Diziam respeito aos temas: Processos adiabáticos, calor gerado por atrito e a natureza do calor radiante. Do desenvolvimento desses temas e algumas evidências internas as notas foram ordenadas cronológicamente, e pareciam ter sido escritas entre 1824 e 1826. Várias passagens em Réflexions indicam que Carnot tinha sérias desconfianças sobre a validade da teoria do calórico, e explicitava essas dúvidas em suas notas. A dificuldade de explicar certos fenômenos adiabáticos, a teoria vibracional da luz de Fresnel e a especulação vastamente divulgada da similaridade da luz e do calor radiante são citadas em suas primeiras notas. Carnot aceitou a teoria de Fresnel e a empregou contra a teoria do calórico com o argumento que o movimento (calor radiante) nunca poderia produzir matéria (calórico). Logo após, conduziu uma extensiva pesquisa literária na qual os trabalhos de Rumford e Davy se destacavam. Também entre estas notas estão os planos para experimentos de teste de efeitos na temperatura causados por atrito em líquidos e gases, muitos dos quais eram bem próximos àqueles realizados por Joule quase vinte anos depois.

    Finalmente convencido que "calor é nada mais do que força motriz, ou um movimento que modificou sua forma", Carnot começou trabalhar os detalhes da teoria cinética. Estava consciente que essa nova teoria de calor negava os argumentos de Réflexions, mas as notas não continham tentativas específicas de reformular seus trabalhos iniciais. Embora seu procedimento estivesse perdido em notas, Carnot calculou um coeficiente de conversão para calor e trabalho e afirmou que a quantidade total de força motriz no universo é constante. Estas notas anteciparam quase toda a elaboração da primeira lei da termodinâmica. Entretanto, permaneceram não descobertas e não publicadas até 1878.


    Bibliografia

    Encycloaepdia Britannica, Vol 4, pp 940, 941. Vol 11, pp 237 a 239.
    Dictionary of Scientific Biography Vol. 3 e 4, pp 79 a 83.