Brasileiros registram o nascimento do cosmos
José
Tadeu Arantes
jtadeu@edglobo.com.br
Como
se formaram as
galáxias? Quanta
matéria existe
no Universo? De
que forma o cosmos
está se expandindo?
Ele se expandirá
para sempre ou
freará seu crescimento
e encolherá, até
que todos os astros
se esmaguem uns
aos outros, provocando
uma imensa explosão?
A resposta para
essas perguntas,
perseguida obsessivamente
pelos cosmólogos
neste fim de século,
vai depender do
resultado de pesquisas
que contam com
a participação
decisiva de cientistas
brasileiros. Eles
fazem parte do
Ace (Advanced
Cosmic Explorer),
um projeto que
envolve astrofísicos
do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas
Espaciais), da
Escola Federal
de Engenharia
de Itajubá (MG)
e da Universidade
da Califórnia
em Santa Bárbara
(EUA).
O objetivo é mapear,
em alta resolução,
as diferenças
de temperatura
existentes no
vestígio mais
antigo do início
no Universo. Trata-se
da "radiação cósmica
de fundo", que
os popularizadores
da ciência chamam
de eco do Big
Bang, a explosão
que deu origem
a toda a matéria.
Para isso, no
dia 20 de maio
deste ano, um
telescópio de
2,2 metros de
abertura foi lançado
do Novo México
(EUA), a bordo
de um balão.
O equipamento,
cuja óptica foi
projetada por
Newton Figueiredo,
da Escola Federal
de Engenharia
de Itajubá, permaneceu
21 horas na estratosfera,
a 38 km de altitude.
Um novo lançamento
será feito em
novembro, da Antártida.
E, no ano que
vem, uma versão
aprimorada do
telescópio deverá
sobrevoar o continente
antártico durante
cem dias, colhendo
dados sobre a
radiação de fundo.
Apesar do forte
apelo que essa
imagem possui,
a radiação de
fundo não é exatamente
um "eco do Big
Bang". Os cientistas
querem, na verdade,
captar os sinais
de um mar de fótons,
ou partículas
de luz, formado
cerca de 300 mil
anos depois do
Big Bang, quando
a radiação eletromagnética
e a matéria se
descolaram uma
da outra (veja
quadro abaixo).
A princípio, a
temperatura desses
fótons era da
ordem de 3 mil
kelvin. Porém,
mais de 15 bilhões
de anos depois,
eles esfriaram
tanto que sua
temperatura beira
o zero absoluto:
2,7 kelvin. A
freqüência vibratória
também diminuiu.
Já não se apresentam
na sua forma original,
de radiação infravermelha,
mas como microondas.
Eles chegam continuamente
à Terra, provenientes
dos confins do
cosmos, de muito
além das mais
distantes galáxias
e quasares.
|
Como tudo começou
A teoria mais aceita
atualmente diz que
o Universo nasceu
de uma grande explosão
(Big Bang), de fantástica
intensidade. à medida
que se expandiu,
o cosmos tornou-se
cada vez mais frio.
Esse resfriamento
criou condições
para a estruturação
da matéria
1. Big Bang
O Universo é um
ponto de volume
zero e densidade
e temperatura infinitas.
Uma alteração na
energia causa sua
expansão
2. Superforça
As forças conhecidas
(gravitacional,
nucleares forte
e fraca e eletromagnética)
estão unidas na
supergravidade
3. Era Gut
A força gravitacional
se descola das outras
três, que permanecem
unidas, de acordo
com a teoria de
Alan Gut, dos EUA
4. Inflação
A força nuclear
forte se desacopla.
Isso faz com que
a expansão do Universo
se acelere violentamente
5. Quarks
A energia cria os
quarks, que estão
entre as mais antigas
partículas materiais
conhecidas
6. Prótons
A força fraca separa-se
da eletromagnética.
Os quarks se aglutinam,
formando prótons
e nêutrons
7. Elétrons
Uma nova classe
de corpúsculos se
destaca na quentíssima
sopa cósmica: os
elétrons e os neutrinos
8. Núcleos
A alta energia faz
com que parte dos
prótons e nêutrons
se cole, criando
os núcleos atômicos
dos elementos químicos
mais leves. O que
soma ao hidrogênio
o hélio e o lítio
9. Átomos
Os núcleos capturam
os elétrons, compondo
os primeiros átomos.
Isso libera os fótons,
que, a partir de
então, podem se
propagar livremente
10. Radiação
As partículas eletromagnéticas
liberadas formam
o mar de fótons,
detectado hoje como
radiação de fundo.
Diferenças de temperatura
na radiação revelam
o nascimento das
grandes estruturas
no Universo
11. Galáxias
As primeiras concentrações
materiais atraem
mais matéria à sua
volta, criando gigantescas
nuvens gasosas,
que se aquecem devido
ao choque entre
partículas. Ainda
não sabemos se essas
nuvens evoluíram
formando embriões
de galáxias individuais
ou estruturas muito
maiores, que depois
se fragmentaram
em galáxias
12. Via Láctea
Nossa galáxia surge
4 bilhões de anos
após as primeiras.
Ela é um disco espiralado,
com 50 mil anos-luz
de raio, composto
por 100 bilhões
de estrelas e enormes
nuvens de gás e
poeira. O centro
galáctico é ocupado
por um buraco negro,
em torno do qual
se concentram 10
milhões de vezes
mais estrelas do
que no resto da
Via Láctea
13. Sistema Solar
Ele se localiza
num dos braços da
Via Láctea, a 30
mil anos-luz do
centro. Sua idade
é estimada em 4,5
bilhões de anos
e, além do hidrogênio
e do hélio existentes
no Universo primordial,
contém elementos
químicos pesados
(carbono, oxigênio,
cálcio, ferro, ouro,
urânio etc.), sintetizados
no interior de estrelas
velhas
14. Células
A Terra nasce com
o Sistema Solar.
E os organismos
vivos teriam aparecido
1 bilhão de anos
mais tarde. Esse
intervalo de tempo
é muito pequeno
para a transição
da matéria não viva
à vida. Por isso,
alguns acreditam
que a vida possa
ter-se originado
em nuvens gasosas,
disseminando-se
depois pelo cosmos
e desenvolvendo-se
em planetas com
condições favoráveis
15. Era atual
A evolução do cosmos
criou, na Terra,
uma base material
na qual a inteligência
pôde se manifestar.
Com 100 bilhões
de estrelas da Via
Láctea e 100 bilhões
de galáxias do Universo
observável, essa
situação deve ter
ocorrido também
em outros planetas
Matéria escura
As
flutuações de
temperatura
desse mar de
fótons são a
chave para responder
àquelas instigantes
perguntas da
cosmologia relatadas
no início desta
reportagem.
"Isso acontece
porque elas
revelam como
a matéria se
distribuía no
Universo primitivo",
afirma o astrofísico
Thyrso Villela
Neto, pesquisador
do Inpe e um
dos principais
responsáveis
pelo projeto
Ace.
A temperatura
da radiação
de fundo não
é exatamente
a mesma em todas
as regiões do
Universo: 2,7
– ou melhor,
2,726 kelvin
– é apenas
um valor médio.
Em torno desse
número, existem
diminutas variações,
da ordem de
um milionésimo
de grau. As
temperaturas
mais altas aparecem
naquelas regiões
do espaço em
que os fótons
interagiram
com partículas
materiais. Assim,
ao mapear as
temperaturas,
estamos mapeando
também a distribuição
da matéria primordial.
Quando o mar
de fótons se
constituiu,
a formação de
estruturas no
cosmos estava
apenas começando.
Essas concentrações
de matéria,
que provocaram
pequenas alterações
de temperatura
na radiação
de fundo, foram
as sementes
das galáxias
e estrelas,
que nasceram
cerca de um
bilhão de anos
depois. Seu
mapeamento traz,
portanto, informações
fundamentais
sobre a gênese
dessas estruturas
cósmicas. "As
flutuações de
matéria ficaram
gravadas como
impressões digitais
na radiação
de fundo", afirma
o astrofísico
Carlos Alexandre
Wuensche, outro
pesquisador
do Inpe que
participa do
projeto Ace.
Mas não é só.
"O mapa nos
ajuda a estimar
também a quantidade
total de matéria
existente hoje
no Universo",
acrescenta Thyrso
Villela Neto.
A maior parte
desse conteúdo
material não
é detectável
pelos instrumentos
disponíveis,
porque corresponde
à chamada "matéria
escura". Essa
matéria seria
constituída
por partículas
exóticas, totalmente
diferentes daquelas
que conhecemos.
Por ignorarmos
o montante de
matéria escura,
não podemos
saber se a velocidade
de expansão
do cosmos é
constante, acelerada
ou retardada.
E, conseqüentemente,
se as galáxias
continuarão
se afastando
para sempre
umas das outras
ou se elas voltarão
a se aproximar,
puxadas pela
força gravitacional,
até levar o
Universo ao
colapso (Big
Crunch). O mapa
da radiação
de fundo nos
ajuda a sair
desse impasse.
Clara ou escura,
a matéria deixou
seu traço no
mar de fótons.
E, por meio
dele, é possível
calcular sua
quantidade.
O primeiro mapa
da radiação
de fundo foi
obtido em 1992,
pelo satélite
norte-americano
Cobe –
Cosmic Background
Explorer. E
corresponde
à grande imagem
elíptica mostrada
na primeira
página. Seu
equipamento
rastreou o céu
inteiro e demonstrou
que o mar de
fótons apresentava
diminutas variações
de temperatura
de um lugar
para outro.
Mas o mapa construído
a partir das
observações
do Cobe ainda
era grosseiro,
porque ele não
conseguia diferenciar
pontos muito
próximos. Já
a resolução
do telescópio
do Ace permite
a obtenção de
imagens 500
vezes mais detalhadas.
Resultado: áreas
que no mapa
do Cobe aparecem
como manchas
contínuas apresentam
uma fantástica
granulação no
mapa do Ace.
Isso faz uma
enorme diferença,
porque as manchas
do Cobe correspondem
a regiões do
espaço maiores
do que superaglomerados
de galáxias.
|
lossário
|
|
Buraco negro: região do espaço de força gravitacional
tão intensa
que não
permite
nem mesmo
a luz escapar
Força
nuclear
forte:
mantém os
núcleos
atômicos
coesos,
contrabalançando
a repulsão
eletromagnética
entre prótons
Força
nuclear
fraca:
provoca
o fenômeno
da radioatividade
Kelvin:
unidade
de temperatura
na escala
absoluta.
Zero kelvin
corresponde
a -273,15
º C |
Direto
ao ponto
As
pesquisas do
Ace são complementares
às do projeto
Boomerang, que
reúne cientistas
do Instituto
de Tecnologia
da Califórnia
(EUA) e da Universidade
de Roma (Itália).
No final de
abril deste
ano, foram divulgadas
as observações
do telescópio
Boomerang, que,
também a bordo
de um balão,
mapeou uma pequena
parte da radiação
de fundo, equivalente
a 3% da imagem
global obtida
pelo Cobe.
A diferença
entre os dois
projetos paralelos
é que o Boomerang
observa o mar
de fótons em
altas freqüências
vibratórias,
de 90, 150 e
270 gigahertz,
ao passo que
o Ace sintoniza
freqüências
mais baixas,
de 30, 40 e
90 gigahertz.
Isso
determina distintas
tecnologias
de observação.
O Boomerang
registra uma
larga faixa
de freqüências
em torno de
um valor médio.
Desse modo,
capta mais fótons
primordiais,
mas também um
número maior
de fótons indesejáveis,
provenientes
de outras fontes,
que constituem
a poluição eletromagnética.
Já o Ace fecha
o foco numa
faixa estreita
em torno do
valor procurado,
indo, por assim
dizer, direto
ao ponto. Os
pesquisadores
do Ace e do
Boomerang vão
mapear o espaço
inteiro. Quando
concluírem seu
trabalho, teremos
uma nova visão
da origem e
evolução do
cosmos.
Bibliografia:
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