A Ciência Grega

A Ciência Grega

Resumão feito por Osvaldo Pessoa Jr. dos livros de G.E.R. Lloyd, Early Greek Science: Thales to Aristotle (EGS) e Greek Science after Aristotle (GSA), Norton, Nova Iorque, 1970 e 1973, para o curso de Introdução à História da Ciência, do Mestrado em Ensino, História e Filosofia das Ciências, UFBa/UEFS, 2000.

Sumário:

 

1. Pano de Fundo e Inícios (EGS, pp. 1-15)

Costuma-se atribuir o início da ciência aos pensadores da cidade de Mileto (Ásia Menor, atual Turquia, ver Fig. 1), no sec. VI a.C. (esta cidade que foi destruída em 494 a.C. pelos persas). Em que sentido é correto afirmar isso?

Antes de tudo, devemos salientar que ocorreu um desenvolvimento semelhante e independente na China. A ciência nasceu duas vezes, pelo menos. Concentrando-nos porém no Ocidente, o que havia antes da ascensão das cidades-estado gregas?

Figura 1. O mundo grego nos séculos V e IV a.C.

 

1) Tecnologia. Em 3000 a.C, já se estabelecera a metalurgia, a tecelagem e a cerâmica, assim como o uso da roda em veículos de transporte (adaptado da roda do ceramista). A agricultura, com suas técnicas de irrigação, domesticação de animais, preparação e preservação de alimentos, foi essencial para o surgimento de cidades. Além disso, a escrita surgiu em torno de 3500 a.C.

Tais desenvolvimentos técnicos implicam uma ciência? À medida que não envolvem uma teorização consciente, não. No entanto, tais desenvolvimentos certamente envolvem uma grande capacidade de observação e de aprendizado, que são essenciais na ciência.

2) Medicina. A medicina nos antigos Egito e Mesopotâmia era dominada por magia e superstição. No entanto, um papiro egípcio (chamado "Edwin Smith") de 1600 a.C. (mas que se refere ao período anterior) relata 48 casos de cirurgia clínica, envolvendo ferimentos de guerra, cada qual apresentando exame, diagnóstico e tratamento, além de explicações de termos médicos.

3) Astronomia e matemática. Boa parte do esforço astronômico se dirigia à elaboração de calendários, o melhor dos quais era o egípcio. No entanto, foi na Babilônia que a matemática e a astronomia mais avançaram. Os babilônios introduziram um sistema numérico com "valor posicional", como o nosso atual, só que na base 60 ao invés de na base 10. Já o sistema egípcio era como o romano, sendo inferior para certas operações, como as envolvendo frações.

Os babilônios registravam sistematicamente os acontecimentos celestes, como os aparecimentos e desaparecimentos do planeta Vênus, eclipses solares e lunares, além de fenômenos meteorológicos. Com isso, eram capazes de fazer algumas previsões astronômicas, baseadas em regularidades aritméticas (e não modelos geométricos do cosmo), como as de eclipses lunares (os solares são mais difíceis de prever).

Com este pano de fundo, o que os milésios como Tales, Anaximandro e Anaxímenes, além dos outros chamados "filósofos pré-socráticos", trouxeram de novo?

I) A separação entre a natureza e o sobrenatural. As explicações dos milésios não faziam referência a deuses ou forças naturais. Se na mitologia grega os terremotos tinham sua origem no deus dos mares (Poseidon), para Tales a explicação não envolvia deuses. Para ele, a terra boiava na água do oceano, e os terremotos teriam sua origem em grandes ondas e tremores marítimos.

II) A prática do debate. Os pensadores pré-socráticos discutiam criticamente as idéias de seus colegas e antecessores, muitas vezes em frente a uma platéia. Uma conseqüência disto é que diferentes explicações para um mesmo fenômeno natural passavam a competir entre si. O esforço para encontrar a melhor explicação levava a uma reflexão a respeito dos pressupostos, das evidências e dos argumentos a favor e contra teorias opostas.

Por que estas novidades surgiram numa cidade-estado grega no séc. VI a.C., e não em outro lugar ou em outra época? Uma contribuição decisiva foi dada pela organização política de cidades-estado como Mileto, Atenas e Corinto, onde os cidadãos participavam ativamente na escolha de membros do governo e na elaboração de leis. Sobe

 

2. As Teorias dos Milésios (EGS, pp. 16-23)

Os filósofos-cientistas teóricos milésios são mais lembrados pelas três cosmologias propostas.

i) Tales (c. 585 a.C.) colocou a questão sobre o que veio primeiro, e concluiu que foi a água. No entanto, não se conhecem explicações sobre como esta água se transformaria em outras substâncias, como o fogo.

ii) Anaximandro (555 a.C.) sugeriu que a primeira coisa não foi uma substância específica, mas algo indefinido, que chamou de Ilimitado. Apresentou também um relato de como este Ilimitado resultou nas coisas: "No nascimento deste mundo, uma semente de quente e frio se separou do Ilimitado e a partir disto uma bola de fogo girou no ar em trono da Terra, como o casco de uma árvore."

iii) Anaxímenes (535 a.C.) voltou-se às evidências empíricas, sugerindo que o ar seria o princípio de tudo. Este ar se transformaria em água através da condensação, e em fogo através da rarefação.

Temos assim os primeiros passos para entender o problema da mudança.

Outras teorias naturalistas também foram propostas pelos milésios. Anaximandro, por exemplo, propôs o primeiro modelo mecânico para os corpos celestes. Postulou anéis de fogo que se esconderiam por trás de uma névoa espessa, e furos nesta névoa apareceriam como estrelas.

Concebeu a Terra não como repousando na água, dado que havia o problema de explicar sobre o que esta água repousaria. Concebeu-a como flutuando livremente, "permanecendo onde está por estar à mesma distância de tudo".

Anaximandro também considerou o problema da origem da vida e do homem. Defendeu que os seres vivos são gerados quando o "sol age no molhado", evidenciando que acreditavam em geração espontânea. Quanto ao ser humano, concebeu uma forma de evolucionismo, postulando que o homem teria vindo de uma espécie de peixe vivíparo, um cação, que gera seu filho fora do corpo atado a um cordão, lembrando o que ocorre no parto humano. Sobe

 

3. Os Pitagóricos (EGS, pp. 24-35)

O próximo grupo a se destacar no cenário filosófico-científico se concentrou em torno de Pitágoras. Nascido na ilha de Samos, na Ásia Menor, mudou-se para Crotona, na Magna Grécia (atual Itália), onde formou uma escola religiosa, filosófica e política.

Aristóteles atribui aos milésios a busca pela "causa material" das coisas. Já os pitagóricos viam nos números os elementos básicos de tudo, o que pode ser considerado uma "causa formal" (na terminologia aristotélica, que veremos adiante).

Os pitagóricos aplicavam a numerologia para tudo. Com isso, realizaram talvez o primeiro estudo empírico sistemático, ao elaborarem uma lei científica quantitativa, na Acústica. Estudaram a relação entre os tons musicais de uma corda vibrante e seu tamanho, encontrando que os intervalos de oitava, quarta e quinta poderiam ser expressos em termos de razões numéricas simples de comprimentos da corda, respectivamente 1:2, 2:3, 3:4. Estudaram também os sons gerados em jarros com diferentes níveis de água.

Para os pitagóricos, os números exprimiam mais do que aspectos formais dos fenômenos: as coisas seriam feitas de números.

Desenvolveram também vários modelos astronômicos. Um bastante interessante foi sugerido por Filolau de Crotona (c. 410 a.C.). O fogo central do universo, Héstia, que alguns pitagóricos colocavam no centro da Terra, permanecia no centro do cosmo, mas a Terra era deslocada para fora do centro, circulando em torno de Héstia. Nós não veríamos este fogo central porque uma "contra-Terra" circularia Héstia, bloqueando a sua visão para os terráqueos. Com isso, procuravam explicar porque os eclipses lunares são mais freqüentes do que os solares.

Os pitagóricos também foram importantes por terem desenvolvido métodos dedutivos em Matemática. O mais conhecido envolve a prova do "teorema de Pitágoras", aplicável para os lados de um triângulo com ângulo reto: a² + b² = h², cujo enunciado já era conhecido dos babilônios. Outro problema trabalhado na época envolvia a impossibilidade de exprimir a raiz quadrada Ö 2 como a razão de dois números, x/y, teorema que na época de Aristóteles seria demonstrado.

Diversas outras descobertas significativas foram feitas por volta desta época, como por exemplo o problema de construir um cubo cujo volume é o dobro de outro. O trabalho de Arquitas de Tarento (385 a.C.), que terminou por resolver esta questão, envolveu uma sofisticada construção tridimensional. Sobe

 

4. O Problema da Mudança (EGS, pp. 36-49)

O grande problema metafísico do início do séc. V a.C. era o problema da mudança: como é possível algo mudar, e deixar de ser o que era?

Heráclito de Éfeso (500 a.C.) salientava que tudo estava sujeito a mudanças: "panta rhei" (tudo flui). Explorava exemplos, como o da corda tensionada, que indicava que por trás de um repouso aparente havia uma interação entre contrários, que finalmente podia levar ao movimento (no caso, quando a corda é solta).

Parmênides de Eléia (480 a.C.) tomava uma posição oposta. Mais do que qualquer pensador antes dele, Parmênides duvidava da evidência dos sentidos, colocando a razão como única fonte confiável de conhecimento. Em seu famoso poema, salientou que "o que é não pode deixar de ser", ou que "do não-ser não pode surgir o ser". Em suma, a mudança é impossível. As mudanças que vemos à nossa volta são apenas aparentes, não são reais. Após as conclusões de Parmênides, todos os filósofos gregos tinham que tomar uma posição em relação às suas teses.

Empédocles de Agrigento (445 a.C.), por exemplo, concordava com as limitações do sentido, mas também argumentava que a razão era limitada. Empédocles concordava que "nada pode vir a ser a partir do não-ser", mas restaurava a noção de mudança negando a unicidade do ser: haveria quatro elementos, terra, água, ar e fogo, que produzem mudanças ao se recombinarem e separarem. Para responder à questão de como apenas quatro "raízes" podiam levar a uma multiplicidade de diferentes substâncias, lançou a idéia de que os elementos se combinariam em diferentes proporções, dependendo da substância. Assim, por exemplo, o osso consistiria de fogo, água e terra na proporção 4:2:2, ao passo que o sangue consistiria dos quatro elementos em iguais proporções. Não efetuou, no entanto, nenhuma investigação empírica metódica para explorar sua idéia, que antecipou (de modo especulativo) a lei das proporções fixas da química moderna.

Anaxágoras de Clazômenas (445 a.C.), tutor de Péricles em Atenas, resolveu de maneira semelhante o paradoxo de Parmênidas. Enfocando o nosso corpo, no entanto, perguntava-se como era possível um cabelo, por exemplo, surgir a partir do "não-cabelo". Concluiu que o cabelo já deveria existir em nosso alimento, enunciando então que "em tudo há uma porção de tudo". Um cabelo, então, deve ter existido desde o começo, na mistura original de todas as coisas.

Outra abordagem para o problema da mudança foi o atomismo de Leucipo de Mileto (435 a.C.) e Demócrito de Abdera (410 a.C.). Segundo esta visão, só têm realidade os átomos e o vazio. Qualquer diferença que observamos no mundo é devido a modificações na forma, arranjo e posição dos átomos. Haveria um número infinito de átomos espalhados no vazio infinito. Os átomos estariam em movimento contínuo, chocando-se freqüentemente uns com os outros. Nas colisões, os átomos podem rebater ou então se ligarem através de ganchos ou formas complementares.

Os atomistas, assim, escapavam das conclusões eleáticas postulando uma infinitude de seres (os átomos) e também a existência do não-ser (o vácuo). Demócrito foi um escritor prolífico, redigindo tratados de física, astronomia, zoologia, botânica, medicina, agricultura, pintura e guerra. Aplicou em detalhe o atomismo em sua doutrina das qualidades sensíveis.

Os pensadores do sec. V a.C. ocupavam-se com explicações sobre todo tipo de questão: Por que o mar é salgado? Por que o Nilo transborda? Como ocorre a diferenciação sexual em embriões? Sobe

 

5. Os Escritores Hipocráticos (EGS, pp. 50-65)

Ao lado dos fragmentos e comentários esparsos que se referem aos filósofos naturais do séc. V, há uma outra grande fonte de informação sobre a ciência grega, que são os mais de 50 tratados do chamado Corpo Hipocrático, livros de medicina escritos por Hipócrates de Cos (425 a.C.) e por seus colegas e discípulos.

Nestes tratados, encontra-se uma preocupação em separar o médico devidamente preparado de um charlatão despreparado. Boa parte da reputação do médico referia-se à sua capacidade de fazer uma prognose, descrevendo corretamente a evolução de uma doença. Já a cura era mais difícil, com os meios limitados de então. Entre os métodos de tratamento do Corpo Hipocrático estavam a cirurgia, a cauterização, o sangramento, a administração de purgantes e, especialmente, o controle do "regime", com dieta e exercício. Algumas cidades gregas desenvolveram famosas escolas de medicina.

Um traço distintivo dos métodos hipocráticos era a concepção de que a doença é um fenômeno natural, o efeito de causas naturais, e não a ação divina ou sobrenatural. Apesar disto, é claro, permaneciam bastante traços de superstição.

Outro métodos desenvolvidos incluíam o exame cuidadoso do paciente e dos fluidos expelidos, e a observação sistemática da evolução do paciente. Estudos de caso tão detalhados só seriam retomados no séc. XVI, com Guillaume de Baillou, que se inspiraria na obra "Epidemia" do Corpo Hipocrático.

Havia diversas teorias sobre as causas das doenças. Alguns defendiam uma causa única para todas as doenças, outros que em cada paciente a causa era singular. No entanto, como o fim prático era o tratamento dos doentes, os médicos valorizavam acima de tudo a coleta de evidência e a cautela com hipóteses causais. No tratado "Sobre a Medicina Antiga", o autor protestou contra a importação para a medicina das idéias de filósofos, com seus conceitos de calor, frio, seco, úmido, etc. Salientou que a medicina é uma arte, techne, que requer prática e não necessita de hipóteses. Apesar destas críticas contra o uso de explicações teóricas, era inevitável que algumas hipóteses explicativas acabassem sendo adotadas pelos médicos, como a divisão entre os quatro humores: sangue, bile amarela, bile negra e flegma (catarro). A recusa em aceitar as especulações filosóficas caracteriza uma postura que era chamada de empirista.

Para explicar o crescimento, utilizava-se o princípio de "atração dos iguais pelos iguais": cada substância do corpo atrairia a substância igual presente nos alimentos ingeridos. Tal princípio se encontra em toda ciência grega, como no provérbio de que "pássaros de pena voam juntos".

Outro problema agudo era o de explicar como as diferentes substâncias de um animal adulto surgiam a partir de uma semente aparentemente homogênea. Demócrito defendeu que que a semente já contém em si todas as substâncias do corpo. Esta visão foi uma das poucas concepções dos filósofos que acabou sendo incorporada na visão médica, assim como seria a concepção posterior de Aristóteles com relação à semente. É digno de nota que, ao lado das inevitáveis especulações concernentes à embriologia, temos a primeira referência a uma investigação sistemática sobre o crescimento do ovo de uma galinha no cap. 29 do "Sobre a Natureza da Criança". Vinte ovos foram incubados, e a cada dia um era aberto para que se observasse o embrião. É provável que nesta época já se empregasse o método da dissecação em animais (em humanos, isso só ocorreria no séc. III a.C., em Alexandria). Sobe

 

6. Platão (EGS, pp. 66-79)

Na segunda metade do séc. V, três fatores influenciaram o desenvolvimento do pensamento grego: 1) A expansão da educação, associada ao movimento dos sofistas, que ensinavam qualquer matéria, além das já tradicionais gramática, música e poesia, em troca de dinheiro. 2) Uma virada das preocupações com a filosofia da natureza para a ética, feita por Sócrates e por muitos sofistas, como Protágoras. 3) Atenas tornou-se o principal centro intelectual da Grécia.

Platão de Atenas (428-347) herdou a preocupação moral de seu mestre, Sócrates, mas também fez contribuições importantes para a ciência. Fundou sua Academia em torno de 380 a.C., que agregou vários matemáticos, astrônomos e filósofos importantes. Apesar de se dedicar pouco a áreas particulares da ciência, Platão contribuiu de maneira significativa para a filosofia da ciência.

Na "República", Platão descreveu a educação do filósofo-rei, que deveria governar a república, e salientou a importância da razão sobre a sensação. A astronomia platônica, por exemplo, seria uma astronomia abstrata, matemática. Sua abordagem de matematização da ciência vinha junto com um desprezo pela observação, mesmo em uma ciência como a acústica.

No "Timeu", Platão apresenta uma cosmologia que parte da distinção entre o mundo mutável do vir-a-ser e as "Formas" que existiriam de maneira eterna. Ele reconhece que qualquer especulação sobre o vir-a-ser do mundo não pode ser considerada verdadeira, mas isto por uma questão de princípio, e não por falta de evidência. Os problemas da física não podem ser resolvidos por métodos observacionais: tal atividade não passaria de mera "recreação".

A cosmologia de Platão envolve as Formas puras, as entidades particulares que são modeladas de acordo com as Formas, e uma teleologia, personificada por um demiurgo, o artesão divino, que impõe ordem à matéria. Tal demiurgo não seria onipotente e nem teria criado o mundo.

Com relação à constituição da matéria, tomou os quatro elementos de Empédocles e os identificou com quatro sólidos regulares: fogo ® tetraedro; ar ® octaedro; água ® icosaedro (20 faces); terra ® cubo; o quinto sólido regular, o dodecaedro (12 faces), não correspondia a nada. Como tais sólidos podem ser construídos a partir de unidades mais básicas (assim como as faces podem ser construídas de triângulos), Platão sugeriu explicações para algumas transformações na natureza. Por exemplo, a água se transforma em vapor porque o icosaedro da água se transformaria em dois octaedros de ar e um tetraedro de fogo.

Platão, desta maneira, deu um passo a mais no atomismo antigo, introduzindo uma descrição geométrica precisa dos átomos, e descrevendo as mudanças por meio de fórmulas matemáticas. Platão, porém, não aceitava o vácuo de Leucipo e Demócrito. Sobe

 

7. A Astronomia do Século IV a.C. (EGS, pp. 80-98)

O desenvolvimento da astronomia teve papel destacado na antiga ciência grega. Eudoxo de Cnido (365 a.C.), membro da Academia de Platão, foi o nome mais importante no séc. IV. O "Timeu" de Platão já revelara que os gregos distinguiam dois tipos de movimentos celestes: (i) o movimento da esfera de estrelas fixas, compartilhado por todos os corpos celestes; (ii) os movimentos independentes do Sol , Lua e planetas ao longo da "eclítica", um círculo oblíquo ao primeiro movimento e em sentido oposto. Já se sabia também que Vênus e Mercúrio têm a mesma velocidade média que o Sol.

Platão formulou, então, o problema de como explicar movimentos aparentes dos planetas a partir de movimentos uniformes e ordenados, ou seja, apenas a partir de movimentos circulares. A dificuldade era explicar as paradas e movimentos retrógrados dos planetas (Fig. 2). Como explicá-los?

Figura 2. Trajetória de Marte entre maio 1956 e janeiro 1957. (EGS, p. 87.)

Eudoxo conseguiu resolver o problema construindo um modelo que envolvia 4 esferas concêntricas para cada planeta. (1) A esfera externa gira com o movimento das estrelas fixas, de leste a oeste, em 24 horas. (2) A segunda esfera gira com a inclinação da eclítica, representando o movimento aparente do planeta ao longo do zodíaco, movendo de oeste a leste. (3) (4) O movimento das duas esferas internas descreve uma figura com a forma do algarismo "8", figura esta conhecida como "hipopédia" (Fig. 3). O eixo da terceira esfera é perpendicular ao da segunda, ao passo que o eixo da quarta é levemente inclinado em relação à terceira, girando em sentido oposto com a mesma velocidade angular (Fig. 4).

Figura 3. Modelo das esferas concêntricas
de Eudoxo (EGS, p. 88).

Figura 4. A hipopédia de Eudoxo
(EGS, p. 88, orig. Neugebauer 1953).

 

Eudoxo resolveu desta maneira o problema de Platão, usando apenas movimentos uniformes circulares! Estimou bem os dados para cada planeta, para o Sol e para a Lua (estes dois só necessitavam três esferas cada).

A teoria, porém, não explicava tudo. i) Para um mesmo planeta, os retrocessos variam em forma, tamanho e duração, o que não era explicado por seu modelo. ii) Sua teoria funcionava bem para Júpiter e Saturno, mas não para Vênus e Marte. iii) O modelo não explicava a desigualdade das estações, fato já conhecido na época. iv) Não explicava variações no diâmetro aparente da Lua ou no brilho dos planetas, o que mais tarde seria explicado (no modelo dos epiciclos) como sendo resultado de variações na distância dos corpos celestes com relação à Terra.

No total, Eudoxo postulou 27 esferas. Para resolver os problemas de seu modelo, Calipo de Cizico (330 a.C.) postulou 34 esferas. Com isso, conseguiu dar conta do problema da desigualdade das estações.

O passo seguinte foi dado por Aristóteles, que elaborou um modelo físico que correspondesse a esse modelo matemático. Em primeiro lugar, tinha que colocar todos os planetas, Sol e Lua no mesmo sistema mecânico de esferas conectadas. Para cancelar o movimento das esferas superiores, teve que introduzir esferas "reagentes". Usando o sistema de Calipo, chegou a 56 esferas ou, simplificando um pouco, 49. Um "movedor imóvel" teria feito o sistema funcionar.

Outro astrônomo deste período, Heráclides de Pontus, será descrito na seção 13. Ao lado desses desenvolvimetos teóricos, vale mencionar que a acurácia das observações astronômicas também cresceu no período, apesar de os únicos instrumentos utilizados serem os primitivos "gnomon" (bastão vertical) e o "polos" (relógio solar). Sobe

 

8. Aristóteles (EGS, pp. 99-124)

Aristóteles de Stagira (384-322) deixou uma vasta obra e exerceu uma influência incomparável até o séc. XVII. Mencionaremos apenas algumas de suas teses mais relevantes para a história da ciência, deixando de lado significativos desenvolvimentos em lógica, epistemologia e outras áreas da filosofia.

Iniciemos com o problema da mudança, que vimos na seção 4. Aristóteles o formulou na forma de um dilema. Como é que algo pode vir a ser? Pois não pode vir daquilo que não é (pois isto não existe), nem daquilo que é (pois isto já existe, e não vem a ser). Para solucionar este dilema, propõe a distinção entre potencialidade e atualidade. Assim, uma semente é uma árvore em um sentido (potencialidade), mas não é em outro sentido (atualidade).

Para Aristóteles, a finalidade da ciência é revelar a causa das coisas. Por "causa’, ele entende quatro fatores: (i) a matéria – uma mesa é feita de madeira; (ii) a forma – a forma da mesa; (iii) a causa eficiente – a mesa foi feita por um carpinteiro; (iv) a causa final – a finalidade do carpinteiro. Estas noções se aplicam também aos objetos naturais. Tomemos como exemplo a reprodução de uma espécie animal, como o homem. A matéria seria fornecida pela mãe, a forma seria a característica definidora da espécie (no caso do homem, um bípede racional), a causa eficiente seria fornecida pelo pai, e a causa final seria o adulto perfeito para o qual cresce a criança. Na natureza a causa final não consistiria de uma finalidade consciente, mas seria uma finalidade imanente, que pode ser impedida de acontecer devido à ação de outros fatores.

A física aristotélica rejeitava a "quantificação das qualidades" empreendida pelos atomistas e por Platão. Partiu de dois pares de qualidades opostas: quente/frio, seco/úmido. Os corpos simples que compõem todas as substâncias são feitos de opostos: terra = frio e seco; água = frio e úmido; ar = quente e úmido; fogo = quente e seco. Os corpos celestes envolveriam um quinto elemento, o éter, que daria conta da imutabilidade dos céus, em seu eterno movimento circular. Na Terra, fogo e ar sobem naturalmente, água e terra descem. Há movimentos não naturais, como quando uma pedra é jogada para cima. A doutrina aristotélica da relação entre corpos celestes e mundo sub-lunar tinha, reconhecidamente, vários problemas.

A "dinâmica" praticamente inexistia antes de Aristóteles. Os pré-socráticos falavam no princípio de "atração dos iguais pelos iguais" (seção 5), o que explicaria porque a pedra tende a cair para o chão, mas o princípio se aplicava a tudo. Aristóteles, por contraste, refletiu sobre os fatores determinantes da velocidade de um corpo em movimento. Enunciou três leis em contextos diferentes. (1) Em "Sobre os Céus", sugeriu que a velocidade v é diretamente proporcional ao peso P do corpo: v µ P. (2) Na "Física", sugeriu que a velocidade é inversamente proporcional à densidade D do meio no qual se dá o movimento: v µ 1/D. Disso, inferiu que o movimento no vácuo seria impossível. (3) Ao tratar do movimento forçado, sugeriu que a velocidade é diretamente proporcional à força aplicada F, e inversamente proporcional ao peso: v µ F/P. Reconheceu porém que há exceções, pois às vezes a diminuição da força leva abruptamente a uma situação sem movimento.

Hoje em dia, podemos dizer que as lesi aristotélicas se aplicam corretamente apenas em domínios restritos de observação. Por exemplo, v µ P é aproximadamente válido em meios densos, mas não em meios rarefeitos como o ar. As leis de Aristóteles não só falham em condições mais gerais, como são mutuamente inconsistentes. No séc. VI a.D., Filoponus obteria evidência observacional contra a doutrina de que v µ P (ver seção 18).

A maior parte da obra científica de Aristóteles versa sobre a biologia. Ao contrário dos platônicos, ele valorizava a observação detalhada da natureza. Em seus tratados, fez referência a mais de 500 espécies animais. Fez uso constante da dissecação de animais, mas não do homem. Cometeu vários erros, como a suposição de que o cérebro não tem sangue, ou que o coração é o centro das sensações. Em contrapartida, fez descobertas importantes, como a descrição do cação (Mustelus laevis, mencionado também por Anaximandro), um peixe vivíparo cujo embrião fica preso a uma espécie de cordão umbilical. Só em 1842, com Johannes Müller, é que esta descoberta foi confirmada.

O motivo principal destas descrições detalhadas era o de fornecer explicações, estabelecendo as causas formais e finais. Em sua discussão sobre a reprodução, analisou a questão de se a semente contém todas as partes do progenitor adulto (a "pangênese" dos atomistas e de alguns médicos), e concluiu que não, argumentando que muitas vezes o filho de um pai mutilado não nasce mutilado.

Com relação às causas finais, tanto Platão quanto Aristóteles insistiam que a natureza é regida por um desígnio racional, em contraste com a abordagem mecanicista de Empédocles e dos atomistas. Empédocles, de fato, resvalou na noção de seleção natural ao imaginar que, no início, as partes dos corpos de diferentes animais teriam se juntado ao acaso, e aqueles bem adaptados teriam sobrevivido ao passo que os mal organizados teriam perecido.

Dentre as semelhanças e diferenças entre Platão e seu aluno Aristóteles, destaca-se a concepção sobre as Formas: para Platão, elas existem independentemente dos particulares, enquanto que para Aristóteles forma e matéria são indissociáveis de fato (só sendo distinguíveis no pensamento). Platão salientava o uso da matemática para a compreensão dos fenômenos, enquanto Aristóteles valorizava as investigações empíricas. Sobe

 

9. A Ciência Helenista: Base Social (GSA, pp. 1-7)

A ascensão do império de Alexandre teve o efeito de pôr outras culturas em contato com a grega. Com sua morte em 323 a.C. e a queda de seu império, diversos reinos surgiram concentrando bastante riqueza, como o Egito, a Selêucia (na Babilônia) e Pérgamo. Com isto, a atividade científica foi impulsionada pela patronagem real. O ponto alto desta patronagem ocorreu na dinastia dos Ptolomeus, no Egito, com a fundação da Biblioteca e do Museu de Alexandria, que se tornou o principal centro de pesquisa do séc. III a.C. O Museu era uma comunidade de pesquisadores. O interesse dos reis ptolomaicos estaria em parte no desenvolvimento de armas bélicas, e em parte na obtenção de prestígio.

Lembremos, porém, conforme salientado por G.E.R. Lloyd, que a nossa concepção atual de "ciência", enquanto empreendimento associado ao progresso material, estava ausente em toda a Antigüidade. Sobe

 

10. O Liceu após Aristóteles (GSA, pp. 8-20)

No Liceu, em Atenas, os sucessores de Aristóteles foram Teofrasto de Ereso (371-286) e Strato de Lampsaco (290 a.C.). Teofrasto teve uma obra comparável à de Aristóteles, tendo escrito dois grandes tratados de botânica. Questionou o domínio de validade da noção de causa final: qual seria, por exemplo, a causa final das marés?

Rejeitou também que o fogo fosse um dos elementos primários. Investigou vários aspectos da geração do fogo, questionando-se, por exemplo, por que uma brasa apertada na mão queima menos do que uma brasa solta. Escreveu um tratado de petrologia, descrevendo pedras de vários tipos a partir do peso, dureza, reatividade ao fogo, etc. É dele a descrição mais antiga de um método para determinar as proporções dos constituintes de uma liga metálica, e do método de preparação do pigmento de chumbo branco.

Nos tratados botânicos, identificou quatro tipos de plantas: árvores, arbustos, arbustos rasteiros e ervas. Classificou diferentes modos de reprodução de plantas, incluindo a geração espontânea, que era aceita também em animais,. mas reconheceu que o que aparenta ser "espontâneo" poderia ser causado por sementes pequenas, como sugerira Anaxágoras.

O sucessor de Teofrasto à frente do Liceu, Strato de Lampsaco, também escreveu sobre vários assuntos, mas se concentrou na física e na dinâmica. Só restaram poucos trechos de sua obra.

Sobre a natureza do pesado e do leve (ou seja, sobre a gravidade), rejeitou a idéia aristotélica de que haveria duas tendências naturais: corpos leves para cima, corpos pesados para baixo. A ascensão do ar e do fogo pode ser explicado pelo deslocamento dos corpos mais pesados para baixo. Investigou também o aumento de velocidade (aceleração) na queda livre, argumentando que tal aumento ocorre fornecendo exemplos de observações.

Strato realizou experimentos para investigar o vácuo. Num destes experimentos, demonstrou a materialidade do ar, colocando um balde invertido na água. Defendeu a possibilidade de se produzir o vácuo, baseado em observações e rejeitando as considerações teóricas de Aristóteles. Num outro experimento, argumentou que a compressibilidade do ar indica a existência de vácuos espalhados em pequenas quantidades, e que ao se chupar o ar de um recipiente produz-se um vácuo. Sobe

 

11. Epicuristas e Estóicos (GSA, pp. 21-32)

Os discípulos de Aristóteles não procuraram desenvolver um sistema alternativo ao de Aristóteles; quem fizeram isso foram os epicuristas e estóicos. Colocando a ética acima da física e da lógica, viam na finalidade da filosofia a obtenção da felicidade, mesmo diante de adversidades.

Epicuro (341-270) nasceu em Samos, mas fundou sua escola, o Jardim, em Atenas. Atacou vigorosamente a superstição e a mitologia, mas não se interessava pela investigação detalhada dos fenômenos naturais, pois o objetivo da pesquisa seria atingir a paz de espírito.

Epicuro era um atomista, seguindo Leucipo e Demócrito, e sendo sucedido neste aspecto pelo romano Lucrécio (sec. I a.C.). Respondendo às críticas de Aristóteles, defendeu que os átomos são "mínimos físicos", mas não "mínimos matemáticos", tendo assim um tamanho e partes. Epicuro também adicionou a propriedade de peso à lista das propriedades primárias dos átomos, que para Leucipo e Demócrito eram apenas forma, arranjo e posição. Enquanto que os fundadores do atomismo concebiam que os átomos rumariam aleatoriamente em todas as direções, formando assim agregados ao acaso, Epicuro imaginava os átomos "descendo" com a mesma velocidade no vácuo, todos paralelamente. Como se formaria o mundo assim? Epicuro introduziu um pequeno movimento aleatório lateral ("clinamen"), um movimento sem causa, para explicar a progressiva agregação da matéria. Tal movimento sem causa seria também usado para explicar a liberdade da alma. Epicuro era um materialista, e explicava eventos mentais por meio de átomos-espirituais.

O estoicismo surgiu na mesma época e foi o grande rival do epicurismo. Fundado por Zenão de Cítio (335-263), desenvolvido por Cleathes de Assus (331-232) e especialmente Crisipo de Soli (280-307), evoluiu até a época romana, com Sêneca.

Os estóicos concordavam com os epicuristas que o motivo subjacente ao estudo dos fenômenos naturais seria alcançar a paz de espírito, mas, de resto, discordavam. Os estóicos negavam a existência do vazio dentro do mundo, apesar de fora do mundo existir um vazio infinito. O mundo seria "pleno", mas mesmo assim o movimento é possível, pela mesma razão que um peixe nada dentro d’água. O espaço e o tempo seriam contínuos, ao contrário da opinião de Epicuro, para quem espaço e tempo seriam compostos de partes mínimas.

A física estóica era essencialmente qualitativa. Partia-se de dois princípios, o ativo e o passivo, onde o passivo é a matéria ou substância sem qualidades, e o ativo é causa, deus, razão ou sopro vital ("pneuma"), alma, fatalidade. Adotavam os quatro elementos de Empédocles e Aristóteles.

O mundo começaria no fogo, evoluiria, até que o processo seria revertido, terminando-se novamente em fogo, num eterno vai e vem. O pneuma consistiria de ar e fogo, e seria um princípio ativo. Objetos teriam "hexis", que os mantém coesos; plantas teriam "physis", natureza, que as fazem crescer e se reproduzir; animais também teriam "psyche", alma, que os fazem se movimentar e sentir. Segundo os estóicos, o universo como um todo é um ser vivo, com "pneuma", "psyche" e "nous" (razão). Não haveria acaso na natureza: os estóicos eram deterministas, e procuravam adivinhar o futuro levando em conta a cadeia de causas e efeitos. Temos com os estóicos a primeira teoria do contínuo da matéria, iniciando o debate que dura até hoje entre atomismo e continuismo. Sobe

 

12. A Matemática Helenista (GSA, pp. 33-52)

A grande novidade da matemática grega do séc. V a.C. havia sido a busca de demonstrações rigorosas de teoremas. Dentro desta tradição, o mais antigo texto que chegou até nós de maneira integral foram os "Elementos" de Euclides (c. 300 a.C.), que trabalhava em Alexandria. Ele reuniu os trabalhos de Eudoxo, Teeteto e outros matemáticos, sistematizou-os, melhorou as demonstrações, e coligiu sua obra de acordo com o método axiomático, que já havia sido utilizado, mas que ele levou ao extremo. Além dos "Elementos", que possui 13 volumes versando sobre geometria plana, teoria dos números e geometria sólida, Euclides escreveu sobre astronomia, óptica e teoria musical.

Nos "Elementos", Euclides partiu de definições, opiniões comuns (axiomas, princípios auto-evidentes) e postulados (suposições geométricas). O número 1 foi tratado como a "unidade", e os outros como "números" propriamente ditos, refletindo a noção parmenidiana de que o uno é indivisível. Dos cinco postulados básicos da geometria, destaca-se o último, que diz que dados uma reta e um ponto fora dela, em um plano, então há apenas uma paralela à reta que passa pelo ponto.

Passou então a demonstrar teoremas e a resolver problemas de construção. Dois métodos de argumentação se destacavam: o método da exaustão (devido a Eudoxo), que é exemplificado pela obtenção (aproximada) da área de um círculo pela geração de polígonos regulares inscritos com cada vez mais lados; e o método da redução ao absurdo, no qual nega-se a tese a ser provada e deduz-se uma contradição ou absurdo (por exemplo, a tese de que o número de primos é infinito).

Algumas décadas depois, apareceu o grande Arquimedes de Siracusa (287-212). Escreveu sobre aritmética, geometria, óptica, estática, hidrodinâmica e engenharia, mas boa parte de sua obra se perdeu, restando apenas 9 tratados. No "Contador de Areia", calculou quantos grãos de areia caberiam no universo inteiro, e para isso fez estimativas interessantes sobre o tamanho do universo, que concluiu que tivesse um diâmetro de 100 trilhões de estádios (1 estádio » 157 metros). Chegou à cifra de 1063 grãos de areia. Nestes cálculos, Arquimedes introduziu uma notação plenamente satisfatória para exprimir números grandes.

Em geometria, calculou o valor de p como 3 1/7 > p > 3 10/71, e encontrou os valores aceitos para a superfície e volume de uma esfera. Seguiu o método de Euclides, fazendo uso de vários teoremas euclidianos em suas demonstrações. Arquimedes também utilizou princípios da estática (a lei da alavanca) em seus problemas de geometria, e concebeu áreas como somas de linhas paralelas. No entanto, salientou que tais métodos mecânicos devem ser usados apenas para descobrir respostas (síntese), mas não para demonstrá-las rigorosamente (análise). Em geral, na tradição grega, os matemáticos expunham apenas a análise e não a síntese.

Em seus estudos de mecânica, Arquimedes utilizou métodos da geometria. Em seu livro "Do Equilíbrio dos Planos", sistematizou os teoremas da estática, apesar de não ter sido o primeiro a formular a lei da alavanca, que se encontra no corpo aristotélico. Sua hidrostática foi apresentada no tratado "Dos Corpos Flutuantes", mas não faz menção da estória contada por Vitrúvio, de que teria saído da banheira gritando "Eureca!" ao descobrir como determinar se a coroa de ouro do rei Hiero estava adulterada com prata.

Outros dois matemáticos devem ser mencionados. Eratóstenes de Cirene (225 a.C.) era amigo de Arquimedes, escrevia sobre temas de várias áreas, mas não era considerado o melhor em nenhuma. Mesmo assim, foi convidado para ser o chefe da Biblioteca de Alexandria. Descobriu um método para encontrar números primos e uma nova solução ao problema de encontrar um cubo de volume duas vezes maior do que outro. Seu mais importante trabalho, porém, foi na aplicação da matemática à geografia. Fez o primeiro mapa mundi com latitude e longitude. Calculou também a circunferência da Terra a partir de observações da sombra de um gnomon ao meio dia no solstício de verão em Siene, no Trópico de Câncer, e em Alexandria (Fig. 5). Seu valor de 39690 km se aproxima bem do valor aceito atualmente (40009 km), apesar de haver uma incerteza quanto ao valor de conversão da unidade "estádio".

 

Figura 5. Método para calcular a circunferência da Terra de Eratóstenes (GSA, p. 50).

 

Apolônio de Perga era mais jovem do que Erastótenes e Arquimedes, vivendo em torno do ano 200 a.C. Seu trabalho matemático mais importante é o "Das Cônicas", onde investigou sistematicamente as seções do cone, que são a elipse, a parábola e a hipérbole. Veremos na seção seguinte suas contribuições para a astronomia. Sobe

 

13. A Astronomia Helenista (GSA, pp. 53-74)

Ao examinarmos a astronomia do séc. IV, deixamos de mencionar as opiniões de Heráclides de Pontus (330 a.C.), contemporâneo de Aristóteles. São dele as idéias de que a Terra gira em torno de seu próprio eixo (e portanto a esfera das estrelas é fixa), e de que Vênus e Mercúrio giram em torno do Sol. A idéia de que a Terra gira provavelmente não foi aceita (assim como o heliocentrismo posterior de Aristarco) por causa dos efeitos que tal movimento deveria ter sobre a queda dos corpos e sobre as nuvens. Quanto ao movimento de Vênus e Mercúrio, trata-se da primeira proposta envolvendo epiciclos.

No séc. III, a abordagem matemática continuou tendo bastante influência na astronomia, que foi marcada por duas novas idéias: a hipótese heliocêntrica de Aristarco de Samos (275 a.C.) e desenvolvimento da idéia de epiciclo, com Apolônio.

As únicas obras que restaram de Aristarco apresentam um método para se medirem as distâncias da Lua e do Sol. No entanto, vários autores mencionam sua hipótese heliocêntrica, segundo a qual o Sol e a esfera das estrelas estariam fixas e a Terra circularia em torno do Sol. Salientou também que a esfera das estrelas é muitíssimo distante. Isso era necessário para explicar porque não se observava a paralaxe das estrelas, ou seja, uma alteração em suas posições relativas (a paralaxe só seria observada por Bessel em 1840). Aristarco também aceitava a hipótese de Heráclides, de que a terra gira em torno de seu próprio eixo.

O único outro astrônomo importante que aceitou a hipótese heliocêntrica foi Selêuco da Selêucia (150 a.C.). A resistência em se aceitar as idéias de Aristarco se deveu a três motivos: (i) A concepção aristotélica do movimento natural dos corpos graves sugeria que o centro do universo coincidia com o centro da Terra. (ii) O argumento de que, se a Terra estivesse se movendo, haveria um efeito visível no movimento de objetos no ar. (iii) A ausência de paralaxe estrelar.

Um fator adicional foi o seguinte. Um dos problemas do modelo de Eudoxo era explicar a desigualdade das estações. O modelo heliocêntrico em nada contribuía para explicar este problema. Porém, um modelo novo teve bastante sucesso neste sentido: os modelos "gêmeos" dos epiciclos e círculos excêntricos, que preservava o geocentrismo e os movimentos circulares. Um epiciclo é o movimento circular de um planeta P em torno de um ponto C, que por sua vez orbita no círculo "deferente" em torno de um centro E onde se localiza a Terra (Fig. 6). Um excêntrico é o movimento circular de P em torno de um ponto fixo O que não coincide com o centro da Terra E (Fig. 7). Pode-se mostrar que ambos os modelos são equivalentes.

 

Figura 6. Movimento em epiciclo
(GSA, p. 62).

Figura 7. Movimento excêntico
(GSA, p. 62).

 

Quem introduziu os epiciclos e excêntricos, que seriam usados de maneira tão hábil por Ptolomeu? Ptolomeu cita muito Hiparco de Nicea (150 a.C.) e às vezes Apolônio. No entanto, o consenso hoje é que foi Apolônio quem introduziu os modelos com epiciclos e excêntricos para descrever os movimentos de todos os planetas, do Sol e da Lua (epiciclos para Mercúrio e Vênus já havia sido introduzido por Heráclides). Apolônio provavelmente mostrou também que para cada modelo de epiciclo há um equivalente de excêntricos, e vice-versa.

Desta forma, a observação de Calipo de que, a partir do equinóxio de primavera, as estações têm 94, 92, 89 e 90 dias, pôde ser facilmente representado por epiciclos, ao passo que com esferas concêntricas a explicação era bem mais difícil.

O movimento do Sol conseguiu ser bem explicado, mas o problema da Lua e dos planetas era mais complicado. No entanto, foi aqui que o modelo dos epiciclos teve sua aplicação mais espetacular, explicando o movimento dos planetas, com suas paradas e retrocessos. Isso foi conseguido através de epiciclos que giram no mesmo sentido que os deferentes (Fig. 8). Apolônio obteve este resultado, e Hiparco ajustou os valores numéricos que melhor explicavam as observações. Hiparco também atacou o problema mais difícil da Lua, tendo tido acesso aos dados babilônicos de eclipses, fato que só foi possível no Helenismo, em conseqüência da maior integração das diferentes nações. Os trabalhos de Apolônio e Hiparco culminariam em 150 a.D., com a grande obra de Ptolomeu de Alexandria (seção 16).

Figura 8. Explicação do movimento retrógrado dos planetas
através do modelo dos epiciclos (GSA, p. 66).

 

A astronomia helênica também fez grandes avanços na parte experimental, desenvolvendo instrumentos de observação mais precisos. A Hiparco é atribuído a "dioptria de bastão de 4 cúbitos". A dioptria é um bastão com duas fendas separadas, através das quais se pode olhar uma estrela ou corpo celeste (Fig. 9). É possível que Hiparco já usasse também o astrolábio armilar, instrumento que permitia medir a altura de um astro acima do horizonte.

 

Fig. 9. Uma dioptria simples. Em montagens mais sofisticadas, este instrumento girava em uma base que fornecia medidas angulares no plano horizontal (GSA, p. 68).

Plínio conta que Hiparco fez uma observação de uma estrela "nova". Para averiguar se no futuro outras mudanças ocorreriam nas estrelas fixas, resolveu catalogar todas as estrelas visíveis, ajudado pelos instrumentos que desenvolveu. Catalogou 850 estrelas, fornecendo a latitude e longitude de cada uma, o que viria servir de base para o catálogo de Ptolomeu. Com estes dados, Hiparco descobriu a precessão dos equinóxios: o eixo da Terra descreve um movimento rotatório de 50 segundos de arco por ano, o que resulta num período de 26.000 anos.

O objetivo principal dos astrônomos helênicos era "salvar os fenômenos". Muitos dos grandes astrônomos gregos, incluindo Hiparco e Ptolomeu, acreditavam ser possível prever o futuro a partir das estrelas (astrologia), e isto estimulou bastante a observação.

Lloyd comenta o fato curioso que os gregos não tenham usado a elipse para descrever os movimentos dos corpos celestes, como faria Kepler no séc. XVI. No entanto, a própria elipse pode ser descrita facilmente pelo modelo dos epiciclos. Sobe

 

14. Biologia e Medicina Helenistas (GSA, pp. 75-90)

A história da biologia e da medicina helênicas sofre da falta de fontes primárias. Vários trabalhos importantes dos sécs. IV e III a.C. só são conhecidos com algum detalhe devido a comentadores posteriores, especialmente Galeno de Pérgamo (180 d.C.).

Os dois mais importantes biólogos foram Herófilo da Calcedônia (270 a.C.) e Erasistrato de Ceos (260), que trabalharam em Alexandria na primeira metade do séc. III a.C. Eles foram os primeiros a praticar a dissecação do corpo humano, e é provável também que tenham feito vivissecção em humanos (ou seja, corte do corpo de pessoas vivas!).

Estes médicos, chamados Dogmatistas, apontavam as vantagens da vivissecção, argumentando que o benefício trazido superava o mal feito: "não é cruel, como a maioria diz, procurar remédios para as multidões de homens inocentes de todas as épocas futuras, por meio do sacrifício de um reduzido número de criminosos". Posteriormente, em Roma, o médico Celsius viria a defender a dissecação praticada pelos helênicos, mas condenaria a vivisecção, argumentando que o conhecimento adquirido poderia ser obtido mais lentamente através de outros métodos, como a observação de feridos de guerra.

O conhecimento de anatomia de Herófilo e Erasistrato era ainda bastante limitado. Fizeram algumas descobertas significativas, mas mantinham concepções erradas, como Herófilo que afirmava que os nervos ópticos seriam ocos. Herófilo reconheceu que o cérebro é o centro do sistema nervoso, ao contrário do que defendera Aristóteles, e descreveu várias de suas partes. Descreveu o olho, a retina, e distinguiu nervos sensoriais e motores, distinguindo-os de tendões e ligamentos. Descreveu o coração, dando o nome de "veia arterial" à artéria pulmonar. Cunhou o termo "duodeno". Tocou em questões de anatomia comparada, comparando os fígados de diferentes mamíferos. Descobriu os ovários, comparando-os com os testículos. Sua maior contribuição à clínica médica foi a teoria do valor de diagnóstico do pulso. Classificou diferentes tipos de pulsos (com relação a velocidade, intensidade, regularidade, etc.) e também três tipos anormais.

Erasistrato também era médico, crítico de remédios drásticos como sangramento e purgantes fortes. Desenvolveu uma doutrina fisiológica bastante arrojada, usando idéias mecânicas para explicar processos fisiológicos, como a digestão. Sabia que o alimento era empurrado por peristalse e contração do estômago , que era amassado, e que os nutrientes eram absorvidos pelos vasos sangüíneos, pela ação do vácuo criado. Desenvolveu também uma teoria mecânica de como a bile e a urina é separada do sangue. Descreveu bem as diferenças entre artérias e veias, mantendo a idéia comum na época de que as artérias contêm apenas ar (ilusão criadas em animais mortos), apesar de outros teóricos reconhecerem que há uma mistura de ar e sangue. Para Erasistrato, quando uma artéria é cortada, o ar sairia e puxaria o sangue, que então jorraria.

Apesar destes erros, apreciou o papel das quatro válvulas principais do coração, que são unidirecionais. Reconheceu que o coração funciona como uma bomba, dilatando as artérias. Inferiu que deviam haver passagens ligando as terminações das artérias e das veias, mas não chegou perto da idéia de circulação sangüínea (tais terminações explicariam o jorramento de sangue nas artérias). Forneceu explicações mecânicas também para o funcionamento anormal do corpo (febres, etc.).

Galeno viria a criticar várias das doutrinas fisiológicas de Erasistrato, mas o admirava como anatomista. Erasistrato efetuou também alguns experimentos simples.

No período posterior, a dissecação do corpo humano decairia, mas há relatos de estudos de ossos de cadáveres em Alexandria ainda na época de Galeno. Fora de Alexandria, só a observação acidental de esqueletos permitia um exame da ossada humana.

O final do séc. III a.C. viu a proliferação de seitas médicas, como os "dogmatistas" e os "empiristas", havendo também os "metodistas". Os dogmatistas argumentavam que a consideração de causas ocultas seria essencial para a prática médica, e que tal conhecimento só poderia ser obtido suplementando-se a experiência com raciocínio e conjectura. Os empiristas eram contra tais especulações: o invisível não poderia ser conhecido. Como o médico trata casos individuais, ele deveria assim evitar inferências, guiando-se apenas pelos sintomas manifestos de cada paciente.

No campo da filosofia, tal debate colocou de um lado os peripatéticos (aristotélicos), estóicos e epicuristas, que defendiam a possibilidade do conhecimento das causas ocultas, e de outro as diferentes tendências do ceticismo, primeiramente com Pirro de Elis (séc. IV a.C.), depois na Academia com Arcesilau (séc. III), e depois com Aenesidemo (séc. I a.C.). Todos negavam que houvesse um critério definitivo de aquisição de conhecimento. Num certo sentido, com os empiristas, a medicina poderia ser considerada a antítese da matemática. Sobe

 

15. Mecânica Aplicada e Tecnologia (GSA, pp. 91-112)

Na Antigüidade, colocava-se a existência de uma oposição entre teoria e prática, mas também pregava-se sua união. Papus de Alexandria (sec. IV a.C.) fez um relato das artes mecânicas da Antigüidade, destacando as seguintes técnicas com relação à sua utilidade para a vida.

1) A arte dos construtores de polias, para levantar pesos. 2) A arte dos fabricantes de instrumentos de guerra, especialmente catapultas. 3) A arte dos fabricantes de máquinas, como as máquinas para elevar água. 4) Os criadores de maravilhas, como os dispositivos pneumáticos, flutuantes e relógios d’água. 5) Os construtores de esferas perfeitas, usadas em astronomia e astrologia.

Os principais autores sobre prática mecânica foram: Ctesibus de Alexandria (270 a.C.), Filo de Bizâncio (200 a.C.), Vitruvius (25 a.C.) e Hero de Alexandria (60 d.C.).

Os "arquitetos" eram responsáveis não só pelo planejamento e construção de edifícios ou até cidades, mas também pelo desenho, construção e manutenção de dispositivos mecânicos de vários tipos, especialmente de guerra. As armas de guerra foram melhorando continuamente, usando o princípio de torção de fios. Tal evolução se deu basicamente através da tentativa e erro, como observou Filo, aliada a alguma teorização.

Das cinco máquinas simples conhecidas na Antigüidade, quatro estavam em uso bem antes do séc. IV a.C.: a alavanca, a polia, a cunha e o sarilho. A quinta máquina, o parafuso, foi uma inovação do séc. III a.C., com Arquimedes, que a utilizou para elevar água, e com o seu uso em prensas no séc. I a.C.

Outros dispositivos descritos nos textos de mecânica incluem outros tipos de máquinas para elevar água, guindastes, instrumentos de levantamento topográfico e relógios. Ctesibius construiu uma bomba dupla para apagar incêndios. Princípios pneumáticos eram usados para abrir portas de templos automaticamente, a partir de um fogo aceso no altar do templo. Hero construiu um precursor da máquina a vapor: uma bola que gira sem parar acima de água fervente (Fig. 10).

 

Figura 10. A bola de Hero que gira continuamente com o vapor (GSA, p. 105).

 

Salta aos olhos o fato de a engenhosa tecnologia greco-romana não ter gerado melhores frutos, apesar de ter se desenvolvido ao longo de um milênio, de 500 a.C. a 500 d.C. Foram feitos avanços em tecnologia militar, agricultura e tecnologia de alimentos, em especial com moinhos. No entanto, as forças motrizes do vapor e do vento não foram desenvolvidas.

Um exemplo ilustrativo é o uso de moinhos movidos a roda d’água, desenvolvidos no séc. I a.C., mas que só passaram a ser utilizados sistematicamente a partir do séc. III d.C. Por que houve esta demora? (i) Um fator é a falta de riachos com escoamento rápido nos países do Mediterrâneo, mas tal problema poderia ser superado de diversas maneiras. (ii) Um fator mais importante era a existência de trabalho escravo, que desestimulava a procura de outras formas de geração de energia, mas que decaiu no séc. III. (iii) Outro fator era a relativa complexidade de construção e o custo alto, ao contrário por exemplo dos moinhos de milho, movidos a jumento.

Uma característica adicional do período era a despreocupação em difundir ou produzir em massa as novas técnicas desenvolvidas, por exemplo, em metalurgia, tecelagem e cerâmica. De maneira geral, os antigos faziam de seu ofício uma arte, não uma indústria. Sobe

 

16. Ptolomeu (GSA, pp. 113-135)

Após o auge da ciência grega nos sécs. III e II a.C., seguiu-se um período com bem menos trabalhos originais. No entanto, no séc. II d.C., duas grandes figuras representaram a culminação da ciência antiga: Ptolomeu e Galeno.

Ptolomeu de Alexandria (150 d.C.) escreveu o grande tratado astronômico Composição Matemática, mais conhecido por seu nome em árabe, Almagesto, além de outras obras que chegaram até nós. Ptolomeu conhecia bem a obra de seus predecessores, e a desenvolveu em vários aspectos. Levou adiante o catálogo de estrelas de Hiparco, chegando a 1028 estrelas.

No início do Almagesto, Ptolomeu justificou o estudo da astronomia porque fortaleceria o caráter dos homens, que passariam a querer que sua alma também atingisse a beleza divina dos corpos celestes. Passou então a formular e justificar as principais teses de seu sistema, como a esfericidade dos céus, da Terra, e o fato de que a Terra estaria em repouso no centro do universo. Ptolomeu foi bastante influenciado por Aristóteles, e desenvolveu diversos argumentos (os quais já vimos na seção 13) para justificar a imobilidade da Terra, e que seriam retomados por Copérnico (1543).

Ptolomeu apresentou uma detalhada "tabela de cordas", equivalente à nossa tabela de senos e cossenos, sendo que o primeiro a fazer tal tabela foi Hiparco.

O principal objetivo do astrônomo seria "salvar as aparências", explicando o movimento irregular dos corpos celestes a partir de movimentos circulares uniformes. Para isso, adotou a abordagem de Apolônio e Hiparco dos epiciclos e excêntricos. Com relação ao Sol, seguiu de perto o modelo de Hiparco.

Com relação à Lua, introduziu modificações importantes, a partir de seus dados obtidos com o astrolábio armilar, que facilitava sobremaneira a determinação de latitudes e longitudes dos corpos celestes (sem precisar fazer cálculos complicados). Modificou o modelo de Hiparco transferindo o centro do círculo deferente para fora do centro da Terra, para um ponto que orbita em torno da terra. Introduziu também uma correção adicional, conhecida como a "doutrina da direção", que modifica periodicamente a posição da Lua em seu epiciclo.

Ptolomeu introduziu correções semelhantes para os planetas, sendo que a principal envolve um conceito novo chamado "equante". O equante é um ponto fora da Terra e fora do centro do círculo excêntrico, em relação ao qual o planeta orbita com velocidade angular constante. De todos os planetas, o caso mais complicado era o de Mercúrio. Ptolomeu forneceu dados numéricos precisos para possibilitar os cálculos de posições para cada corpo celeste (ver Fig. 11).

Figura 11. Representação simplificada do sistema de Ptolomeu (GSA, p. 126).

 

Apesar de seus méritos, a teoria ptolomaica estava sujeita a duas críticas. 1) Um movimento circular uniforme em torno de um ponto que não é seu centro, como na doutrina do equante, quebrava a regra de que só deveria haver movimentos circulares uniformes em sentido estrito. Tal crítica foi colocada por Copérnico. 2) As teorias lunar e planetária não descreviam certos dados conhecidos pelo próprio Ptolomeu. No caso da Lua, seu modelo previa que o diâmetro aparente da Lua dobraria entre o perigeu (o ponto mais próximo da Terra) e o apogeu (o ponto mais distante), o que de fato não é observado, como ele próprio sabia.

Uma justificativa dada para isto é que ele estaria preocupado apenas em prever as posições da Lua, e não em fornecer um modelo físico completo. No entanto, em outros momentos, ele demonstrou preocupação com tal modelo físico, como quando ele utilizou o sistema aristotélico para justificar a imobilidade da Terra. Em uma outra obra, As Hipóteses dos Planetas, Ptolomeu inclusive sugeriu uma descrição física: os planetas estariam situados em faixas de esferas (não esferas cristalinas), e os planetas estariam imbuídos de uma "força vital" que lhes daria movimento.

Com relação ao critério de simplicidade, Ptolomeu o utilizou para fazer escolhas entre diferentes mecanismos, mas por outro lado defendeu que nosso conceito sublunar de "simplicidade" poderia ser diferente do sentido que se aplicaria de maneira apropriada aos corpos celestes.

Ptolomeu também escreveu um tratado astrológico, o Tetrabiblos, e também sobre geografia, acústica (incluindo teoria musical) e óptica. Seu tratado de óptica é bastante importante, descrevendo detalhadamente a reflexão e a refração da luz. Os princípios da reflexão já eram conhecidos, mas Ptolomeu os confirmou através de experimentos. Quanto à refração (que descreve a aparência dos objetos dentro d’água vistos por alguém de fora), ela já tinha sido investigada qualitativamente por Arquimedes e outros, mas Ptolomeu fez experimentos medindo os ângulos envolvidos na mudança de direção do raio de luz, com resolução de grau em grau. Apesar de não enunciar uma lei de refração, fica claro que ele acreditava numa relação da forma: r = a× ib× i², onde r é o ângulo de refração e i o de incidência. Tanto é que ele modificou alguns dados para que esta equação fosse satisfeita! Ptolomeu também repetiu seu experimento variando a densidade da água (sem observar alterações), o que é um procedimento interessante. Sobe

 

17. Galeno (GSA, pp. 136-153)

Galeno de Pérgamo (129-200? a.D.) foi um médico e escritor de importância, que viveu em Roma (onde foi o médico do filho do imperador) e em sua cidade natal, na Ásia Menor. Deixou uma vasta obra em biologia e medicina, escrevendo também sobre filosofia e filologia. Defendeu o ensino de filosofia para médicos por três razões: (i) o doutor precisa ser treinado no método científico, para poder argumentar corretamente (mas nem tanto para saber avaliar evidência); (ii) o médico precisa estudar a natureza, ou como diríamos hoje, precisa conhecer teoria biológica; (iii) o doutor deve aprender a desprezar o dinheiro!

A fisiologia de Galeno partia da distinção tradicional entre quatro elementos (terra, água, ar, fogo) e quatro qualidades primárias (quente, frio, seco, úmido). Animais possuiriam não apenas "physis" (natureza), mas também "psyche" (alma). Seguindo Platão, identificou três faculdades da alma: o racional (ligado ao cérebro, centro do sistema nervoso), o espiritual (ligado ao coração, a fonte das artérias) e o apetitivo (ligado ao fígado, fonte das veias). O fígado e veias gerariam o sangue a partir da alimentação proveniente do estômago e intestinos, e do sangue seria construído o resto do corpo. Distinguiu entre o sangue venoso, mais denso e escuro, e o sangue arterial, mais leve, vermelho brilhante e imbuído de um "espírito vital" que seria produzido no coração a partir do ar respirado. Estabeleceu claramente a distinção os sangues venoso e arterial, sugerindo que o ar tem um papel essencial nesta distinção. Refutou, através de observações cuidadosas, a noção de que as artérias só contêm ar, conforme defendido por Erasistrato. Galeno definiu também um "espírito psíquico" que seria produzido a partir do espírito vital e se localizaria no cérebro. Com isso, forneceu uma explicação para porque uma pessoa sem ar perde a consciência.

A partir da vivissecção de animais, Galeno desenvolveu bastante a teoria da digestão, introduzindo outros elementos na visão exclusivamente mecanicista de Erasistrato. Destacou que na nutrição o alimento é inicialmente emulsionado em um "quilo", para depois ser digerido ("pepsis") e finalmente absorvido. Na absorção, as diferentes substâncias são atraídas por seus iguais (já vimos este princípio na seção 5).

Sua grande obra anatômica se baseou na dissecação de macacos, o que o levou a alguns erros, apesar de estar ciente da diferença anatômica existente entre homens e macacos. Insistia que os médicos deveriam praticar a dissecação e não confiar inteiramente nos livros. Em animais vivos, fez incisões em torno de diferentes vértebras para determinar que partes e funções eram afetadas.

Se erro mais famoso foi a conclusão de que no coração o sangue pode passar diretamente do ventrículo direito para o esquerdo, através da parede muscular que separa estas duas cavidades (Fig. 11). Chegou a esta conclusão por perceber que a válvula tricúspide (por onde o sangue entra no ventrículo direito, "1" na Fig. 11) era maior do que válvula pulmonar ("2" na figura), e por imaginar que capilares (como os que Erasistrato inferiu para a ligação entre artérias e veias) estariam presentes no septo (parede) interventricular. Em seu raciocínio, utilizou também o princípio de que a natureza não faz nada sem um motivo.

Figura 11: Esquema representando o escoamento de sangue no coração, segundo Galeno. Nota-se que ele acreditava que sangue passa diretamente do ventrículo direito (RV) para o esquerdo (LV), e que ele reflui pela válvula mitral (3).

Sobe

 

18. O Declínio da Ciência Antiga (GSA, pp. 154-178)

Existe um debate sobre se a ciência antiga cessou por completo após 200 a.D., ou se a atividade científica e a reflexão original continuaram. Lloyd argumenta que elas continuaram.

No caso da filosofia natural, que inclui a física e a cosmologia, ocorreu um declínio das doutrinas dos epicuristas e dos estóicos, mas o século III viu o ressurgimento das idéias platônicas através de Plotino (205-270). Seu neoplatonismo concentrou-se essencialmente em aspectos teológicos e metafísicos, mas pensadores neoplatônicos posteriores desenvolveram aspectos do platonismo que eram relevantes para a física.

Iâmblico (sécs. III-IV), nascido na Síria, defendeu (mais do qualquer pensador antes dele) a matematização de todo o estudo da natureza. Proclo de Bizâncio liderou a Academia platônica em Atenas no final do séc. V, e defendeu o atomismo geométrico de Platão diante das críticas dos aristotélicos. O neoplatônico pagão Simplício de Atenas (séc. VI) defendeu a física aristotélica fazendo um relato histórico dos debates realizados nos séculos anteriores e utilizando alguns argumentos originais e experimentos simples (sobre a questão de se o ar tem peso).

Trabalho científico mais importante foi realizado pelo cristão João Filoponus de Alexandria, no séc. VI, que foi o maior crítico das idéias aristotélicas. Sua crítica mais importante foi com relação à doutrina aristotélica de antiperistasis, ou seja, a noção de que no movimento de um projétil o ar a sua frente passa para trás e empurra o projétil para frente. Utilizou argumentos teóricos e experimentais para concluir que o meio só pode resistir ao movimento, nunca sustentá-lo. E enunciou que "é preciso supor que alguma força motiva incorpórea é conferida pelo lançador ao projétil", concluindo que tal movimento perduraria no vácuo. Com relação à queda dos corpos no ar, verificou experimentalmente que os tempos de queda não são proporcionais aos pesos, conforme anunciara Aristóteles, mas que são praticamente iguais. Atacou também a separação entre o mundo sublunar e o lunar.

No caso da matemática e astronomia, após o séc. II, também encontramos basicamente relatos históricos e comentários, especialmente sobre os Elementos de Euclides. Um trabalho original de destaque foi a Aritmética de Diofanto de Alexandria (séc. III), que sistematizou a área da mesma maneira que Euclides havia feito com a geometria. A observação astronômica continuou a ser praticada (especialmente para a regulação de calendários ou por motivos astrológicos), mas os textos produzidos se resumiam a comentários do Almagesto ou introduções à astronomia.

No caso da biologia e medicina, o conhecimento se mantive vivo devido à importância da profissão e da manutenção das escolas de medicina. Como nos casos anteriores, escreviam-se basicamente comentários e compêndios, como a Coleção Médica de Oribásius de Pérgamo (séc. IV), que ocupou 70 volumes, e vários outros, que se faziam cada vez mais sucintos. A dissecação de animais também continuou sendo praticada, especialmente no ensino de medicina (e não na pesquisa).

A atividade dos comentaristas foi importante para a preservação do conhecimento científico. Mas porque a atividade científica original declinou após o séc. II? Uma razão apontada seriam as turbulências políticas do séc. III, que levaram a problemas de ordem social e econômica. Outra razão seria a ascensão do cristianismo, que desestimulou o conhecimento da natureza, como salientado por Agostinho (354-430), e valorizou a revelação divina. Um momento marcante foi o decreto de Justiniano de 529 fechando a Academia em Atenas e proibindo o ensino pagão.


Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/cienciagrega.htm


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