A
Ciência Grega
Resumão
feito por Osvaldo Pessoa Jr. dos livros
de G.E.R. Lloyd, Early Greek Science:
Thales to Aristotle (EGS) e Greek
Science after Aristotle (GSA),
Norton, Nova Iorque, 1970 e 1973,
para o curso de Introdução à História
da Ciência, do Mestrado em Ensino,
História e Filosofia das Ciências,
UFBa/UEFS, 2000.
Sumário:
1.
Pano de Fundo e Inícios (EGS,
pp. 1-15)
Costuma-se
atribuir o início da ciência
aos pensadores da cidade de Mileto
(Ásia Menor, atual Turquia, ver Fig.
1), no sec. VI a.C. (esta cidade que
foi destruída em 494 a.C. pelos persas).
Em que sentido é correto afirmar isso?
Antes
de tudo, devemos salientar que ocorreu
um desenvolvimento semelhante e independente
na China. A ciência nasceu duas vezes,
pelo menos. Concentrando-nos porém
no Ocidente, o que havia antes da
ascensão das cidades-estado gregas?
Figura
1. O mundo grego nos séculos V e IV
a.C.
1)
Tecnologia. Em 3000 a.C, já
se estabelecera a metalurgia,
a tecelagem e a cerâmica,
assim como o uso da roda em veículos
de transporte (adaptado da roda do
ceramista). A agricultura,
com suas técnicas de irrigação, domesticação
de animais, preparação e preservação
de alimentos, foi essencial para o
surgimento de cidades. Além disso,
a escrita surgiu em torno de
3500 a.C.
Tais
desenvolvimentos técnicos implicam
uma ciência? À medida que não envolvem
uma teorização consciente,
não. No entanto, tais desenvolvimentos
certamente envolvem uma grande capacidade
de observação e de aprendizado,
que são essenciais na ciência.
2)
Medicina. A medicina nos antigos
Egito e Mesopotâmia era dominada por
magia e superstição. No entanto, um
papiro egípcio (chamado "Edwin Smith")
de 1600 a.C. (mas que se refere ao
período anterior) relata 48 casos
de cirurgia clínica, envolvendo
ferimentos de guerra, cada qual apresentando
exame, diagnóstico e tratamento, além
de explicações de termos médicos.
3)
Astronomia e matemática. Boa
parte do esforço astronômico se dirigia
à elaboração de calendários,
o melhor dos quais era o egípcio.
No entanto, foi na Babilônia que a
matemática e a astronomia mais avançaram.
Os babilônios introduziram um sistema
numérico com "valor posicional", como
o nosso atual, só que na base 60 ao
invés de na base 10. Já o sistema
egípcio era como o romano, sendo inferior
para certas operações, como as envolvendo
frações.
Os
babilônios registravam sistematicamente
os acontecimentos celestes, como os
aparecimentos e desaparecimentos do
planeta Vênus, eclipses solares e
lunares, além de fenômenos meteorológicos.
Com isso, eram capazes de fazer algumas
previsões astronômicas, baseadas
em regularidades aritméticas (e não
modelos geométricos do cosmo), como
as de eclipses lunares (os solares
são mais difíceis de prever).
Com
este pano de fundo, o que os milésios
como Tales, Anaximandro e Anaxímenes,
além dos outros chamados "filósofos
pré-socráticos", trouxeram de novo?
I)
A separação entre a natureza e
o sobrenatural. As explicações
dos milésios não faziam referência
a deuses ou forças naturais. Se na
mitologia grega os terremotos tinham
sua origem no deus dos mares (Poseidon),
para Tales a explicação não envolvia
deuses. Para ele, a terra boiava na
água do oceano, e os terremotos teriam
sua origem em grandes ondas e tremores
marítimos.
II)
A prática do debate. Os pensadores
pré-socráticos discutiam criticamente
as idéias de seus colegas e antecessores,
muitas vezes em frente a uma platéia.
Uma conseqüência disto é que diferentes
explicações para um mesmo fenômeno
natural passavam a competir
entre si. O esforço para encontrar
a melhor explicação levava a uma reflexão
a respeito dos pressupostos, das evidências
e dos argumentos a favor e contra
teorias opostas.
Por
que estas novidades surgiram numa
cidade-estado grega no séc. VI a.C.,
e não em outro lugar ou em outra época?
Uma contribuição decisiva foi dada
pela organização política de
cidades-estado como Mileto, Atenas
e Corinto, onde os cidadãos participavam
ativamente na escolha de membros do
governo e na elaboração de leis. Sobe
2.
As Teorias dos Milésios (EGS,
pp. 16-23)
Os
filósofos-cientistas teóricos milésios
são mais lembrados pelas três cosmologias
propostas.
i)
Tales (c. 585 a.C.) colocou a questão
sobre o que veio primeiro, e concluiu
que foi a água. No entanto,
não se conhecem explicações sobre
como esta água se transformaria em
outras substâncias, como o fogo.
ii)
Anaximandro (555 a.C.) sugeriu que
a primeira coisa não foi uma substância
específica, mas algo indefinido, que
chamou de Ilimitado. Apresentou
também um relato de como este Ilimitado
resultou nas coisas: "No nascimento
deste mundo, uma semente de quente
e frio se separou do Ilimitado e a
partir disto uma bola de fogo girou
no ar em trono da Terra, como o casco
de uma árvore."
iii)
Anaxímenes (535 a.C.) voltou-se às
evidências empíricas, sugerindo que
o ar seria o princípio de tudo.
Este ar se transformaria em água através
da condensação, e em fogo através
da rarefação.
Temos
assim os primeiros passos para entender
o problema da mudança.
Outras
teorias naturalistas também foram
propostas pelos milésios. Anaximandro,
por exemplo, propôs o primeiro modelo
mecânico para os corpos celestes.
Postulou anéis de fogo que se esconderiam
por trás de uma névoa espessa, e furos
nesta névoa apareceriam como estrelas.
Concebeu
a Terra não como repousando na água,
dado que havia o problema de explicar
sobre o que esta água repousaria.
Concebeu-a como flutuando livremente,
"permanecendo onde está por estar
à mesma distância de tudo".
Anaximandro
também considerou o problema da origem
da vida e do homem. Defendeu que
os seres vivos são gerados quando
o "sol age no molhado", evidenciando
que acreditavam em geração espontânea.
Quanto ao ser humano, concebeu uma
forma de evolucionismo, postulando
que o homem teria vindo de uma espécie
de peixe vivíparo, um cação, que gera
seu filho fora do corpo atado a um
cordão, lembrando o que ocorre no
parto humano. Sobe
3.
Os Pitagóricos (EGS, pp. 24-35)
O
próximo grupo a se destacar no cenário
filosófico-científico se concentrou
em torno de Pitágoras. Nascido na
ilha de Samos, na Ásia Menor, mudou-se
para Crotona, na Magna Grécia (atual
Itália), onde formou uma escola religiosa,
filosófica e política.
Aristóteles
atribui aos milésios a busca pela
"causa material" das coisas. Já os
pitagóricos viam nos números os
elementos básicos de tudo, o que pode
ser considerado uma "causa formal"
(na terminologia aristotélica, que
veremos adiante).
Os
pitagóricos aplicavam a numerologia
para tudo. Com isso, realizaram talvez
o primeiro estudo empírico sistemático,
ao elaborarem uma lei científica
quantitativa, na Acústica. Estudaram
a relação entre os tons musicais de
uma corda vibrante e seu tamanho,
encontrando que os intervalos de oitava,
quarta e quinta poderiam ser expressos
em termos de razões numéricas simples
de comprimentos da corda, respectivamente
1:2, 2:3, 3:4. Estudaram também os
sons gerados em jarros com diferentes
níveis de água.
Para
os pitagóricos, os números exprimiam
mais do que aspectos formais dos fenômenos:
as coisas seriam feitas de
números.
Desenvolveram
também vários modelos astronômicos.
Um bastante interessante foi sugerido
por Filolau de Crotona (c. 410 a.C.).
O fogo central do universo, Héstia,
que alguns pitagóricos colocavam no
centro da Terra, permanecia no centro
do cosmo, mas a Terra era deslocada
para fora do centro, circulando em
torno de Héstia. Nós não veríamos
este fogo central porque uma "contra-Terra"
circularia Héstia, bloqueando a sua
visão para os terráqueos. Com isso,
procuravam explicar porque os eclipses
lunares são mais freqüentes do que
os solares.
Os
pitagóricos também foram importantes
por terem desenvolvido métodos
dedutivos em Matemática. O mais
conhecido envolve a prova do "teorema
de Pitágoras", aplicável para os lados
de um triângulo com ângulo reto: a²
+ b² = h², cujo enunciado
já era conhecido dos babilônios. Outro
problema trabalhado na época envolvia
a impossibilidade de exprimir a raiz
quadrada Ö 2 como a razão de dois
números, x/y, teorema
que na época de Aristóteles seria
demonstrado.
Diversas
outras descobertas significativas
foram feitas por volta desta época,
como por exemplo o problema de construir
um cubo cujo volume é o dobro de outro.
O trabalho de Arquitas de Tarento
(385 a.C.), que terminou por resolver
esta questão, envolveu uma sofisticada
construção tridimensional. Sobe
4.
O Problema da Mudança (EGS, pp.
36-49)
O
grande problema metafísico do início
do séc. V a.C. era o problema da
mudança: como é possível algo
mudar, e deixar de ser o que era?
Heráclito
de Éfeso (500 a.C.) salientava que
tudo estava sujeito a mudanças: "panta
rhei" (tudo flui). Explorava exemplos,
como o da corda tensionada, que indicava
que por trás de um repouso aparente
havia uma interação entre contrários,
que finalmente podia levar ao movimento
(no caso, quando a corda é solta).
Parmênides
de Eléia (480 a.C.) tomava uma posição
oposta. Mais do que qualquer pensador
antes dele, Parmênides duvidava da
evidência dos sentidos, colocando
a razão como única fonte confiável
de conhecimento. Em seu famoso poema,
salientou que "o que é não
pode deixar de ser", ou que "do não-ser
não pode surgir o ser". Em suma, a
mudança é impossível. As mudanças
que vemos à nossa volta são apenas
aparentes, não são reais. Após as
conclusões de Parmênides, todos os
filósofos gregos tinham que tomar
uma posição em relação às suas teses.
Empédocles
de Agrigento (445 a.C.), por exemplo,
concordava com as limitações do sentido,
mas também argumentava que a razão
era limitada. Empédocles concordava
que "nada pode vir a ser a partir
do não-ser", mas restaurava a noção
de mudança negando a unicidade do
ser: haveria quatro elementos,
terra, água, ar e fogo, que produzem
mudanças ao se recombinarem e separarem.
Para responder à questão de como apenas
quatro "raízes" podiam levar a uma
multiplicidade de diferentes substâncias,
lançou a idéia de que os elementos
se combinariam em diferentes proporções,
dependendo da substância. Assim, por
exemplo, o osso consistiria de fogo,
água e terra na proporção 4:2:2, ao
passo que o sangue consistiria dos
quatro elementos em iguais proporções.
Não efetuou, no entanto, nenhuma investigação
empírica metódica para explorar sua
idéia, que antecipou (de modo especulativo)
a lei das proporções fixas da química
moderna.
Anaxágoras
de Clazômenas (445 a.C.), tutor de
Péricles em Atenas, resolveu de maneira
semelhante o paradoxo de Parmênidas.
Enfocando o nosso corpo, no entanto,
perguntava-se como era possível um
cabelo, por exemplo, surgir a partir
do "não-cabelo". Concluiu que o cabelo
já deveria existir em nosso alimento,
enunciando então que "em tudo há uma
porção de tudo". Um cabelo, então,
deve ter existido desde o começo,
na mistura original de todas as coisas.
Outra
abordagem para o problema da mudança
foi o atomismo de Leucipo de
Mileto (435 a.C.) e Demócrito de Abdera
(410 a.C.). Segundo esta visão, só
têm realidade os átomos e o vazio.
Qualquer diferença que observamos
no mundo é devido a modificações na
forma, arranjo e posição dos átomos.
Haveria um número infinito de átomos
espalhados no vazio infinito. Os átomos
estariam em movimento contínuo, chocando-se
freqüentemente uns com os outros.
Nas colisões, os átomos podem rebater
ou então se ligarem através de ganchos
ou formas complementares.
Os
atomistas, assim, escapavam das conclusões
eleáticas postulando uma infinitude
de seres (os átomos) e também a existência
do não-ser (o vácuo). Demócrito foi
um escritor prolífico, redigindo tratados
de física, astronomia, zoologia, botânica,
medicina, agricultura, pintura e guerra.
Aplicou em detalhe o atomismo em sua
doutrina das qualidades sensíveis.
Os
pensadores do sec. V a.C. ocupavam-se
com explicações sobre todo tipo de
questão: Por que o mar é salgado?
Por que o Nilo transborda? Como ocorre
a diferenciação sexual em embriões?
Sobe
5.
Os Escritores Hipocráticos
(EGS, pp. 50-65)
Ao
lado dos fragmentos e comentários
esparsos que se referem aos filósofos
naturais do séc. V, há uma outra grande
fonte de informação sobre a ciência
grega, que são os mais de 50 tratados
do chamado Corpo Hipocrático, livros
de medicina escritos por Hipócrates
de Cos (425 a.C.) e por seus colegas
e discípulos.
Nestes
tratados, encontra-se uma preocupação
em separar o médico devidamente preparado
de um charlatão despreparado. Boa
parte da reputação do médico referia-se
à sua capacidade de fazer uma prognose,
descrevendo corretamente a evolução
de uma doença. Já a cura era mais
difícil, com os meios limitados de
então. Entre os métodos de tratamento
do Corpo Hipocrático estavam a cirurgia,
a cauterização, o sangramento, a administração
de purgantes e, especialmente, o controle
do "regime", com dieta e exercício.
Algumas cidades gregas desenvolveram
famosas escolas de medicina.
Um
traço distintivo dos métodos hipocráticos
era a concepção de que a doença
é um fenômeno natural, o efeito
de causas naturais, e não a ação divina
ou sobrenatural. Apesar disto, é claro,
permaneciam bastante traços de superstição.
Outro
métodos desenvolvidos incluíam o exame
cuidadoso do paciente e dos fluidos
expelidos, e a observação sistemática
da evolução do paciente. Estudos de
caso tão detalhados só seriam retomados
no séc. XVI, com Guillaume de Baillou,
que se inspiraria na obra "Epidemia"
do Corpo Hipocrático.
Havia
diversas teorias sobre as causas
das doenças. Alguns defendiam
uma causa única para todas as doenças,
outros que em cada paciente a causa
era singular. No entanto, como o fim
prático era o tratamento dos doentes,
os médicos valorizavam acima de tudo
a coleta de evidência e a cautela
com hipóteses causais. No tratado
"Sobre a Medicina Antiga", o autor
protestou contra a importação para
a medicina das idéias de filósofos,
com seus conceitos de calor, frio,
seco, úmido, etc. Salientou que a
medicina é uma arte, techne,
que requer prática e não necessita
de hipóteses. Apesar destas críticas
contra o uso de explicações teóricas,
era inevitável que algumas hipóteses
explicativas acabassem sendo adotadas
pelos médicos, como a divisão entre
os quatro humores: sangue,
bile amarela, bile negra e flegma
(catarro). A recusa em aceitar as
especulações filosóficas caracteriza
uma postura que era chamada de empirista.
Para
explicar o crescimento, utilizava-se
o princípio de "atração dos iguais
pelos iguais": cada substância do
corpo atrairia a substância igual
presente nos alimentos ingeridos.
Tal princípio se encontra em toda
ciência grega, como no provérbio de
que "pássaros de pena voam juntos".
Outro
problema agudo era o de explicar como
as diferentes substâncias de um animal
adulto surgiam a partir de uma semente
aparentemente homogênea. Demócrito
defendeu que que a semente já contém
em si todas as substâncias do corpo.
Esta visão foi uma das poucas concepções
dos filósofos que acabou sendo incorporada
na visão médica, assim como seria
a concepção posterior de Aristóteles
com relação à semente. É digno de
nota que, ao lado das inevitáveis
especulações concernentes à embriologia,
temos a primeira referência a uma
investigação sistemática sobre o crescimento
do ovo de uma galinha no cap. 29 do
"Sobre a Natureza da Criança". Vinte
ovos foram incubados, e a cada dia
um era aberto para que se observasse
o embrião. É provável que nesta época
já se empregasse o método da dissecação
em animais (em humanos, isso só ocorreria
no séc. III a.C., em Alexandria).
Sobe
6.
Platão (EGS, pp. 66-79)
Na
segunda metade do séc. V, três fatores
influenciaram o desenvolvimento do
pensamento grego: 1) A expansão da
educação, associada ao movimento dos
sofistas, que ensinavam qualquer matéria,
além das já tradicionais gramática,
música e poesia, em troca de dinheiro.
2) Uma virada das preocupações com
a filosofia da natureza para a ética,
feita por Sócrates e por muitos sofistas,
como Protágoras. 3) Atenas tornou-se
o principal centro intelectual da
Grécia.
Platão
de Atenas (428-347) herdou a preocupação
moral de seu mestre, Sócrates, mas
também fez contribuições importantes
para a ciência. Fundou sua Academia
em torno de 380 a.C., que agregou
vários matemáticos, astrônomos e filósofos
importantes. Apesar de se dedicar
pouco a áreas particulares da ciência,
Platão contribuiu de maneira significativa
para a filosofia da ciência.
Na
"República", Platão descreveu a educação
do filósofo-rei, que deveria governar
a república, e salientou a importância
da razão sobre a sensação. A astronomia
platônica, por exemplo, seria uma
astronomia abstrata, matemática. Sua
abordagem de matematização da ciência
vinha junto com um desprezo pela observação,
mesmo em uma ciência como a acústica.
No
"Timeu", Platão apresenta uma cosmologia
que parte da distinção entre o mundo
mutável do vir-a-ser e as "Formas"
que existiriam de maneira eterna.
Ele reconhece que qualquer especulação
sobre o vir-a-ser do mundo não pode
ser considerada verdadeira, mas isto
por uma questão de princípio, e não
por falta de evidência. Os problemas
da física não podem ser resolvidos
por métodos observacionais: tal atividade
não passaria de mera "recreação".
A
cosmologia de Platão envolve as Formas
puras, as entidades particulares que
são modeladas de acordo com as Formas,
e uma teleologia, personificada por
um demiurgo, o artesão divino, que
impõe ordem à matéria. Tal demiurgo
não seria onipotente e nem teria criado
o mundo.
Com
relação à constituição da matéria,
tomou os quatro elementos de Empédocles
e os identificou com quatro sólidos
regulares: fogo ® tetraedro; ar ®
octaedro; água ® icosaedro (20 faces);
terra ® cubo; o quinto sólido regular,
o dodecaedro (12 faces), não correspondia
a nada. Como tais sólidos podem ser
construídos a partir de unidades mais
básicas (assim como as faces podem
ser construídas de triângulos), Platão
sugeriu explicações para algumas transformações
na natureza. Por exemplo, a água se
transforma em vapor porque o icosaedro
da água se transformaria em dois octaedros
de ar e um tetraedro de fogo.
Platão,
desta maneira, deu um passo a mais
no atomismo antigo, introduzindo uma
descrição geométrica precisa dos átomos,
e descrevendo as mudanças por meio
de fórmulas matemáticas. Platão, porém,
não aceitava o vácuo de Leucipo e
Demócrito. Sobe
7.
A Astronomia do Século IV a.C.
(EGS, pp. 80-98)
O
desenvolvimento da astronomia teve
papel destacado na antiga ciência
grega. Eudoxo de Cnido (365 a.C.),
membro da Academia de Platão, foi
o nome mais importante no séc. IV.
O "Timeu" de Platão já revelara que
os gregos distinguiam dois tipos de
movimentos celestes: (i) o movimento
da esfera de estrelas fixas, compartilhado
por todos os corpos celestes; (ii)
os movimentos independentes do Sol
, Lua e planetas ao longo da "eclítica",
um círculo oblíquo ao primeiro movimento
e em sentido oposto. Já se sabia também
que Vênus e Mercúrio têm a mesma velocidade
média que o Sol.
Platão
formulou, então, o problema de como
explicar movimentos aparentes dos
planetas a partir de movimentos uniformes
e ordenados, ou seja, apenas a partir
de movimentos circulares. A
dificuldade era explicar as paradas
e movimentos retrógrados dos planetas
(Fig. 2). Como explicá-los?
Figura
2. Trajetória de Marte entre maio
1956 e janeiro 1957. (EGS, p. 87.)
Eudoxo
conseguiu resolver o problema construindo
um modelo que envolvia 4 esferas concêntricas
para cada planeta. (1) A esfera externa
gira com o movimento das estrelas
fixas, de leste a oeste, em 24 horas.
(2) A segunda esfera gira com a inclinação
da eclítica, representando o movimento
aparente do planeta ao longo do zodíaco,
movendo de oeste a leste. (3) (4)
O movimento das duas esferas internas
descreve uma figura com a forma do
algarismo "8", figura esta conhecida
como "hipopédia" (Fig. 3). O eixo
da terceira esfera é perpendicular
ao da segunda, ao passo que o eixo
da quarta é levemente inclinado em
relação à terceira, girando em sentido
oposto com a mesma velocidade angular
(Fig. 4).
Figura
3. Modelo das esferas concêntricas
de Eudoxo (EGS, p. 88).
|
Figura
4. A hipopédia de Eudoxo
(EGS, p. 88, orig. Neugebauer
1953).
|
Eudoxo
resolveu desta maneira o problema
de Platão, usando apenas movimentos
uniformes circulares! Estimou bem
os dados para cada planeta, para o
Sol e para a Lua (estes dois só necessitavam
três esferas cada).
A
teoria, porém, não explicava tudo.
i) Para um mesmo planeta, os
retrocessos variam em forma, tamanho
e duração, o que não era explicado
por seu modelo. ii) Sua teoria
funcionava bem para Júpiter e Saturno,
mas não para Vênus e Marte. iii)
O modelo não explicava a desigualdade
das estações, fato já conhecido na
época. iv) Não explicava variações
no diâmetro aparente da Lua ou no
brilho dos planetas, o que mais tarde
seria explicado (no modelo dos epiciclos)
como sendo resultado de variações
na distância dos corpos celestes com
relação à Terra.
No
total, Eudoxo postulou 27 esferas.
Para resolver os problemas de seu
modelo, Calipo de Cizico (330 a.C.)
postulou 34 esferas. Com isso, conseguiu
dar conta do problema da desigualdade
das estações.
O
passo seguinte foi dado por Aristóteles,
que elaborou um modelo físico
que correspondesse a esse modelo matemático.
Em primeiro lugar, tinha que colocar
todos os planetas, Sol e Lua no mesmo
sistema mecânico de esferas conectadas.
Para cancelar o movimento das esferas
superiores, teve que introduzir esferas
"reagentes". Usando o sistema de Calipo,
chegou a 56 esferas ou, simplificando
um pouco, 49. Um "movedor imóvel"
teria feito o sistema funcionar.
Outro
astrônomo deste período, Heráclides
de Pontus, será descrito na seção
13. Ao lado desses desenvolvimetos
teóricos, vale mencionar que a acurácia
das observações astronômicas também
cresceu no período, apesar de os únicos
instrumentos utilizados serem os primitivos
"gnomon" (bastão vertical) e o "polos"
(relógio solar). Sobe
8.
Aristóteles (EGS, pp. 99-124)
Aristóteles
de Stagira (384-322) deixou uma vasta
obra e exerceu uma influência incomparável
até o séc. XVII. Mencionaremos apenas
algumas de suas teses mais relevantes
para a história da ciência, deixando
de lado significativos desenvolvimentos
em lógica, epistemologia e outras
áreas da filosofia.
Iniciemos
com o problema da mudança,
que vimos na seção 4. Aristóteles
o formulou na forma de um dilema.
Como é que algo pode vir a ser? Pois
não pode vir daquilo que não é (pois
isto não existe), nem daquilo que
é (pois isto já existe, e não vem
a ser). Para solucionar este dilema,
propõe a distinção entre potencialidade
e atualidade. Assim, uma semente
é uma árvore em um sentido
(potencialidade), mas não é em
outro sentido (atualidade).
Para
Aristóteles, a finalidade da ciência
é revelar a causa das coisas.
Por "causa’, ele entende quatro fatores:
(i) a matéria – uma mesa é
feita de madeira; (ii) a forma
– a forma da mesa; (iii) a causa
eficiente – a mesa foi feita por
um carpinteiro; (iv) a causa final
– a finalidade do carpinteiro. Estas
noções se aplicam também aos objetos
naturais. Tomemos como exemplo a reprodução
de uma espécie animal, como o homem.
A matéria seria fornecida pela
mãe, a forma seria a característica
definidora da espécie (no caso do
homem, um bípede racional), a causa
eficiente seria fornecida pelo
pai, e a causa final seria
o adulto perfeito para o qual cresce
a criança. Na natureza a causa final
não consistiria de uma finalidade
consciente, mas seria uma finalidade
imanente, que pode ser impedida de
acontecer devido à ação de outros
fatores.
A
física aristotélica rejeitava a "quantificação
das qualidades" empreendida pelos
atomistas e por Platão. Partiu de
dois pares de qualidades opostas:
quente/frio, seco/úmido. Os corpos
simples que compõem todas as substâncias
são feitos de opostos: terra = frio
e seco; água = frio e úmido; ar =
quente e úmido; fogo = quente e seco.
Os corpos celestes envolveriam um
quinto elemento, o éter, que
daria conta da imutabilidade dos céus,
em seu eterno movimento circular.
Na Terra, fogo e ar sobem naturalmente,
água e terra descem. Há movimentos
não naturais, como quando uma pedra
é jogada para cima. A doutrina aristotélica
da relação entre corpos celestes e
mundo sub-lunar tinha, reconhecidamente,
vários problemas.
A
"dinâmica" praticamente inexistia
antes de Aristóteles. Os pré-socráticos
falavam no princípio de "atração dos
iguais pelos iguais" (seção 5), o
que explicaria porque a pedra tende
a cair para o chão, mas o princípio
se aplicava a tudo. Aristóteles, por
contraste, refletiu sobre os fatores
determinantes da velocidade de
um corpo em movimento. Enunciou três
leis em contextos diferentes. (1)
Em "Sobre os Céus", sugeriu que a
velocidade v é diretamente
proporcional ao peso P do corpo:
v µ P.
(2) Na "Física", sugeriu que a velocidade
é inversamente proporcional à densidade
D do meio no qual se dá o movimento:
v µ 1/D. Disso, inferiu
que o movimento no vácuo seria impossível.
(3) Ao tratar do movimento forçado,
sugeriu que a velocidade é diretamente
proporcional à força aplicada F,
e inversamente proporcional ao peso:
v µ F/P.
Reconheceu porém que há exceções,
pois às vezes a diminuição da força
leva abruptamente a uma situação sem
movimento.
Hoje
em dia, podemos dizer que as lesi
aristotélicas se aplicam corretamente
apenas em domínios restritos de observação.
Por exemplo, v µ P
é aproximadamente válido em meios
densos, mas não em meios rarefeitos
como o ar. As leis de Aristóteles
não só falham em condições mais gerais,
como são mutuamente inconsistentes.
No séc. VI a.D., Filoponus obteria
evidência observacional contra a doutrina
de que v µ P
(ver seção 18).
A
maior parte da obra científica de
Aristóteles versa sobre a biologia.
Ao contrário dos platônicos, ele valorizava
a observação detalhada da natureza.
Em seus tratados, fez referência a
mais de 500 espécies animais. Fez
uso constante da dissecação de animais,
mas não do homem. Cometeu vários erros,
como a suposição de que o cérebro
não tem sangue, ou que o coração é
o centro das sensações. Em contrapartida,
fez descobertas importantes, como
a descrição do cação (Mustelus
laevis, mencionado também por
Anaximandro), um peixe vivíparo cujo
embrião fica preso a uma espécie de
cordão umbilical. Só em 1842, com
Johannes Müller, é que esta descoberta
foi confirmada.
O
motivo principal destas descrições
detalhadas era o de fornecer explicações,
estabelecendo as causas formais e
finais. Em sua discussão sobre a reprodução,
analisou a questão de se a semente
contém todas as partes do progenitor
adulto (a "pangênese" dos atomistas
e de alguns médicos), e concluiu que
não, argumentando que muitas vezes
o filho de um pai mutilado não nasce
mutilado.
Com
relação às causas finais, tanto Platão
quanto Aristóteles insistiam que a
natureza é regida por um desígnio
racional, em contraste com a abordagem
mecanicista de Empédocles e dos atomistas.
Empédocles, de fato, resvalou na noção
de seleção natural ao imaginar
que, no início, as partes dos corpos
de diferentes animais teriam se juntado
ao acaso, e aqueles bem adaptados
teriam sobrevivido ao passo que os
mal organizados teriam perecido.
Dentre
as semelhanças e diferenças entre
Platão e seu aluno Aristóteles, destaca-se
a concepção sobre as Formas:
para Platão, elas existem independentemente
dos particulares, enquanto que para
Aristóteles forma e matéria são indissociáveis
de fato (só sendo distinguíveis no
pensamento). Platão salientava o uso
da matemática para a compreensão dos
fenômenos, enquanto Aristóteles valorizava
as investigações empíricas. Sobe
9.
A Ciência Helenista: Base Social (GSA,
pp. 1-7)
A
ascensão do império de Alexandre teve
o efeito de pôr outras culturas em
contato com a grega. Com sua morte
em 323 a.C. e a queda de seu império,
diversos reinos surgiram concentrando
bastante riqueza, como o Egito, a
Selêucia (na Babilônia) e Pérgamo.
Com isto, a atividade científica foi
impulsionada pela patronagem real.
O ponto alto desta patronagem ocorreu
na dinastia dos Ptolomeus, no Egito,
com a fundação da Biblioteca e do
Museu de Alexandria, que se tornou
o principal centro de pesquisa do
séc. III a.C. O Museu era uma comunidade
de pesquisadores. O interesse dos
reis ptolomaicos estaria em parte
no desenvolvimento de armas bélicas,
e em parte na obtenção de prestígio.
Lembremos,
porém, conforme salientado por G.E.R.
Lloyd, que a nossa concepção atual
de "ciência", enquanto empreendimento
associado ao progresso material, estava
ausente em toda a Antigüidade. Sobe
10.
O Liceu após Aristóteles (GSA,
pp. 8-20)
No
Liceu, em Atenas, os sucessores de
Aristóteles foram Teofrasto de Ereso
(371-286) e Strato de Lampsaco (290
a.C.). Teofrasto teve uma obra comparável
à de Aristóteles, tendo escrito dois
grandes tratados de botânica. Questionou
o domínio de validade da noção de
causa final: qual seria, por exemplo,
a causa final das marés?
Rejeitou
também que o fogo fosse um dos elementos
primários. Investigou vários aspectos
da geração do fogo, questionando-se,
por exemplo, por que uma brasa apertada
na mão queima menos do que uma brasa
solta. Escreveu um tratado de petrologia,
descrevendo pedras de vários tipos
a partir do peso, dureza, reatividade
ao fogo, etc. É dele a descrição mais
antiga de um método para determinar
as proporções dos constituintes de
uma liga metálica, e do método de
preparação do pigmento de chumbo branco.
Nos
tratados botânicos, identificou quatro
tipos de plantas: árvores, arbustos,
arbustos rasteiros e ervas. Classificou
diferentes modos de reprodução de
plantas, incluindo a geração espontânea,
que era aceita também em animais,.
mas reconheceu que o que aparenta
ser "espontâneo" poderia ser causado
por sementes pequenas, como sugerira
Anaxágoras.
O
sucessor de Teofrasto à frente do
Liceu, Strato de Lampsaco, também
escreveu sobre vários assuntos, mas
se concentrou na física e na dinâmica.
Só restaram poucos trechos de sua
obra.
Sobre
a natureza do pesado e do leve (ou
seja, sobre a gravidade), rejeitou
a idéia aristotélica de que haveria
duas tendências naturais: corpos
leves para cima, corpos pesados para
baixo. A ascensão do ar e do fogo
pode ser explicado pelo deslocamento
dos corpos mais pesados para baixo.
Investigou também o aumento de velocidade
(aceleração) na queda livre, argumentando
que tal aumento ocorre fornecendo
exemplos de observações.
Strato
realizou experimentos para investigar
o vácuo. Num destes experimentos,
demonstrou a materialidade do ar,
colocando um balde invertido na água.
Defendeu a possibilidade de se produzir
o vácuo, baseado em observações e
rejeitando as considerações teóricas
de Aristóteles. Num outro experimento,
argumentou que a compressibilidade
do ar indica a existência de vácuos
espalhados em pequenas quantidades,
e que ao se chupar o ar de um recipiente
produz-se um vácuo. Sobe
11.
Epicuristas e Estóicos (GSA,
pp. 21-32)
Os
discípulos de Aristóteles não procuraram
desenvolver um sistema alternativo
ao de Aristóteles; quem fizeram isso
foram os epicuristas e estóicos. Colocando
a ética acima da física e da lógica,
viam na finalidade da filosofia a
obtenção da felicidade, mesmo diante
de adversidades.
Epicuro
(341-270) nasceu em Samos, mas fundou
sua escola, o Jardim, em Atenas. Atacou
vigorosamente a superstição e a mitologia,
mas não se interessava pela investigação
detalhada dos fenômenos naturais,
pois o objetivo da pesquisa seria
atingir a paz de espírito.
Epicuro
era um atomista, seguindo Leucipo
e Demócrito, e sendo sucedido neste
aspecto pelo romano Lucrécio (sec.
I a.C.). Respondendo às críticas de
Aristóteles, defendeu que os átomos
são "mínimos físicos", mas não "mínimos
matemáticos", tendo assim um tamanho
e partes. Epicuro também adicionou
a propriedade de peso à lista
das propriedades primárias dos átomos,
que para Leucipo e Demócrito eram
apenas forma, arranjo e posição. Enquanto
que os fundadores do atomismo concebiam
que os átomos rumariam aleatoriamente
em todas as direções, formando assim
agregados ao acaso, Epicuro imaginava
os átomos "descendo" com a mesma velocidade
no vácuo, todos paralelamente. Como
se formaria o mundo assim? Epicuro
introduziu um pequeno movimento aleatório
lateral ("clinamen"), um movimento
sem causa, para explicar a
progressiva agregação da matéria.
Tal movimento sem causa seria também
usado para explicar a liberdade da
alma. Epicuro era um materialista,
e explicava eventos mentais por meio
de átomos-espirituais.
O
estoicismo surgiu na mesma
época e foi o grande rival do epicurismo.
Fundado por Zenão de Cítio (335-263),
desenvolvido por Cleathes de Assus
(331-232) e especialmente Crisipo
de Soli (280-307), evoluiu até a época
romana, com Sêneca.
Os
estóicos concordavam com os epicuristas
que o motivo subjacente ao estudo
dos fenômenos naturais seria alcançar
a paz de espírito, mas, de resto,
discordavam. Os estóicos negavam a
existência do vazio dentro do mundo,
apesar de fora do mundo existir um
vazio infinito. O mundo seria "pleno",
mas mesmo assim o movimento é possível,
pela mesma razão que um peixe nada
dentro d’água. O espaço e o tempo
seriam contínuos, ao contrário da
opinião de Epicuro, para quem espaço
e tempo seriam compostos de partes
mínimas.
A
física estóica era essencialmente
qualitativa. Partia-se de dois princípios,
o ativo e o passivo,
onde o passivo é a matéria ou substância
sem qualidades, e o ativo é causa,
deus, razão ou sopro vital ("pneuma"),
alma, fatalidade. Adotavam os quatro
elementos de Empédocles e Aristóteles.
O
mundo começaria no fogo, evoluiria,
até que o processo seria revertido,
terminando-se novamente em fogo, num
eterno vai e vem. O pneuma
consistiria de ar e fogo, e seria
um princípio ativo. Objetos teriam
"hexis", que os mantém coesos; plantas
teriam "physis", natureza, que as
fazem crescer e se reproduzir; animais
também teriam "psyche", alma, que
os fazem se movimentar e sentir. Segundo
os estóicos, o universo como um todo
é um ser vivo, com "pneuma",
"psyche" e "nous" (razão). Não haveria
acaso na natureza: os estóicos eram
deterministas, e procuravam adivinhar
o futuro levando em conta a cadeia
de causas e efeitos. Temos com os
estóicos a primeira teoria do contínuo
da matéria, iniciando o debate
que dura até hoje entre atomismo e
continuismo. Sobe
12.
A Matemática Helenista (GSA,
pp. 33-52)
A
grande novidade da matemática grega
do séc. V a.C. havia sido a busca
de demonstrações rigorosas de teoremas.
Dentro desta tradição, o mais antigo
texto que chegou até nós de maneira
integral foram os "Elementos" de Euclides
(c. 300 a.C.), que trabalhava em Alexandria.
Ele reuniu os trabalhos de Eudoxo,
Teeteto e outros matemáticos, sistematizou-os,
melhorou as demonstrações, e coligiu
sua obra de acordo com o método axiomático,
que já havia sido utilizado, mas que
ele levou ao extremo. Além dos "Elementos",
que possui 13 volumes versando sobre
geometria plana, teoria dos números
e geometria sólida, Euclides escreveu
sobre astronomia, óptica e teoria
musical.
Nos
"Elementos", Euclides partiu de definições,
opiniões comuns (axiomas, princípios
auto-evidentes) e postulados (suposições
geométricas). O número 1 foi tratado
como a "unidade", e os outros como
"números" propriamente ditos, refletindo
a noção parmenidiana de que o uno
é indivisível. Dos cinco postulados
básicos da geometria, destaca-se o
último, que diz que dados uma reta
e um ponto fora dela, em um plano,
então há apenas uma paralela à reta
que passa pelo ponto.
Passou
então a demonstrar teoremas e a resolver
problemas de construção. Dois métodos
de argumentação se destacavam: o método
da exaustão (devido a Eudoxo),
que é exemplificado pela obtenção
(aproximada) da área de um círculo
pela geração de polígonos regulares
inscritos com cada vez mais lados;
e o método da redução ao absurdo,
no qual nega-se a tese a ser provada
e deduz-se uma contradição ou absurdo
(por exemplo, a tese de que o número
de primos é infinito).
Algumas
décadas depois, apareceu o grande
Arquimedes de Siracusa (287-212).
Escreveu sobre aritmética, geometria,
óptica, estática, hidrodinâmica e
engenharia, mas boa parte de sua obra
se perdeu, restando apenas 9 tratados.
No "Contador de Areia", calculou quantos
grãos de areia caberiam no universo
inteiro, e para isso fez estimativas
interessantes sobre o tamanho do universo,
que concluiu que tivesse um diâmetro
de 100 trilhões de estádios (1 estádio
» 157 metros). Chegou à cifra de 1063
grãos de areia. Nestes cálculos, Arquimedes
introduziu uma notação plenamente
satisfatória para exprimir números
grandes.
Em
geometria, calculou o valor de p como
3 1/7 > p >
3 10/71, e encontrou os valores aceitos
para a superfície e volume de uma
esfera. Seguiu o método de Euclides,
fazendo uso de vários teoremas euclidianos
em suas demonstrações. Arquimedes
também utilizou princípios da estática
(a lei da alavanca) em seus problemas
de geometria, e concebeu áreas como
somas de linhas paralelas. No entanto,
salientou que tais métodos mecânicos
devem ser usados apenas para descobrir
respostas (síntese), mas não
para demonstrá-las rigorosamente (análise).
Em geral, na tradição grega, os matemáticos
expunham apenas a análise e não a
síntese.
Em
seus estudos de mecânica, Arquimedes
utilizou métodos da geometria. Em
seu livro "Do Equilíbrio dos Planos",
sistematizou os teoremas da estática,
apesar de não ter sido o primeiro
a formular a lei da alavanca, que
se encontra no corpo aristotélico.
Sua hidrostática foi apresentada no
tratado "Dos Corpos Flutuantes", mas
não faz menção da estória contada
por Vitrúvio, de que teria saído da
banheira gritando "Eureca!" ao descobrir
como determinar se a coroa de ouro
do rei Hiero estava adulterada com
prata.
Outros
dois matemáticos devem ser mencionados.
Eratóstenes de Cirene (225 a.C.) era
amigo de Arquimedes, escrevia sobre
temas de várias áreas, mas não era
considerado o melhor em nenhuma. Mesmo
assim, foi convidado para ser o chefe
da Biblioteca de Alexandria. Descobriu
um método para encontrar números primos
e uma nova solução ao problema de
encontrar um cubo de volume duas vezes
maior do que outro. Seu mais importante
trabalho, porém, foi na aplicação
da matemática à geografia. Fez o primeiro
mapa mundi com latitude e longitude.
Calculou também a circunferência
da Terra a partir de observações
da sombra de um gnomon ao meio dia
no solstício de verão em Siene, no
Trópico de Câncer, e em Alexandria
(Fig. 5). Seu valor de 39690 km se
aproxima bem do valor aceito atualmente
(40009 km), apesar de haver uma incerteza
quanto ao valor de conversão da unidade
"estádio".
Figura
5. Método para calcular a circunferência
da Terra de Eratóstenes (GSA, p. 50).
Apolônio
de Perga era mais jovem do que Erastótenes
e Arquimedes, vivendo em torno do
ano 200 a.C. Seu trabalho matemático
mais importante é o "Das Cônicas",
onde investigou sistematicamente as
seções do cone, que são a elipse,
a parábola e a hipérbole. Veremos
na seção seguinte suas contribuições
para a astronomia. Sobe
13.
A Astronomia Helenista (GSA, pp.
53-74)
Ao
examinarmos a astronomia do séc. IV,
deixamos de mencionar as opiniões
de Heráclides de Pontus (330 a.C.),
contemporâneo de Aristóteles. São
dele as idéias de que a Terra gira
em torno de seu próprio eixo (e portanto
a esfera das estrelas é fixa), e de
que Vênus e Mercúrio giram em torno
do Sol. A idéia de que a Terra gira
provavelmente não foi aceita (assim
como o heliocentrismo posterior de
Aristarco) por causa dos efeitos que
tal movimento deveria ter sobre a
queda dos corpos e sobre as nuvens.
Quanto ao movimento de Vênus e Mercúrio,
trata-se da primeira proposta envolvendo
epiciclos.
No
séc. III, a abordagem matemática continuou
tendo bastante influência na astronomia,
que foi marcada por duas novas idéias:
a hipótese heliocêntrica de Aristarco
de Samos (275 a.C.) e desenvolvimento
da idéia de epiciclo, com Apolônio.
As
únicas obras que restaram de Aristarco
apresentam um método para se medirem
as distâncias da Lua e do Sol. No
entanto, vários autores mencionam
sua hipótese heliocêntrica, segundo
a qual o Sol e a esfera das estrelas
estariam fixas e a Terra circularia
em torno do Sol. Salientou também
que a esfera das estrelas é muitíssimo
distante. Isso era necessário para
explicar porque não se observava a
paralaxe das estrelas, ou seja, uma
alteração em suas posições relativas
(a paralaxe só seria observada por
Bessel em 1840). Aristarco também
aceitava a hipótese de Heráclides,
de que a terra gira em torno de seu
próprio eixo.
O
único outro astrônomo importante que
aceitou a hipótese heliocêntrica foi
Selêuco da Selêucia (150 a.C.). A
resistência em se aceitar as idéias
de Aristarco se deveu a três motivos:
(i) A concepção aristotélica
do movimento natural dos corpos graves
sugeria que o centro do universo coincidia
com o centro da Terra. (ii)
O argumento de que, se a Terra estivesse
se movendo, haveria um efeito visível
no movimento de objetos no ar. (iii)
A ausência de paralaxe estrelar.
Um
fator adicional foi o seguinte. Um
dos problemas do modelo de Eudoxo
era explicar a desigualdade das estações.
O modelo heliocêntrico em nada contribuía
para explicar este problema. Porém,
um modelo novo teve bastante sucesso
neste sentido: os modelos "gêmeos"
dos epiciclos e círculos excêntricos,
que preservava o geocentrismo e os
movimentos circulares. Um epiciclo
é o movimento circular de um planeta
P em torno de um ponto C,
que por sua vez orbita no círculo
"deferente" em torno de um centro
E onde se localiza a Terra
(Fig. 6). Um excêntrico é o
movimento circular de P em
torno de um ponto fixo O que
não coincide com o centro da Terra
E (Fig. 7). Pode-se mostrar
que ambos os modelos são equivalentes.
Figura
6. Movimento em epiciclo
(GSA, p. 62).
|
Figura
7. Movimento excêntico
(GSA, p. 62).
|
Quem
introduziu os epiciclos e excêntricos,
que seriam usados de maneira tão hábil
por Ptolomeu? Ptolomeu cita muito
Hiparco de Nicea (150 a.C.) e às vezes
Apolônio. No entanto, o consenso hoje
é que foi Apolônio quem introduziu
os modelos com epiciclos e excêntricos
para descrever os movimentos de todos
os planetas, do Sol e da Lua (epiciclos
para Mercúrio e Vênus já havia sido
introduzido por Heráclides). Apolônio
provavelmente mostrou também que para
cada modelo de epiciclo há um equivalente
de excêntricos, e vice-versa.
Desta
forma, a observação de Calipo de que,
a partir do equinóxio de primavera,
as estações têm 94, 92, 89 e 90 dias,
pôde ser facilmente representado por
epiciclos, ao passo que com esferas
concêntricas a explicação era bem
mais difícil.
O
movimento do Sol conseguiu ser bem
explicado, mas o problema da Lua e
dos planetas era mais complicado.
No entanto, foi aqui que o modelo
dos epiciclos teve sua aplicação mais
espetacular, explicando o movimento
dos planetas, com suas paradas e retrocessos.
Isso foi conseguido através de epiciclos
que giram no mesmo sentido que os
deferentes (Fig. 8). Apolônio obteve
este resultado, e Hiparco ajustou
os valores numéricos que melhor explicavam
as observações. Hiparco também atacou
o problema mais difícil da Lua, tendo
tido acesso aos dados babilônicos
de eclipses, fato que só foi possível
no Helenismo, em conseqüência da maior
integração das diferentes nações.
Os trabalhos de Apolônio e Hiparco
culminariam em 150 a.D., com a grande
obra de Ptolomeu de Alexandria (seção
16).
Figura
8. Explicação do movimento retrógrado
dos planetas
através do modelo dos epiciclos (GSA,
p. 66).
A
astronomia helênica também fez grandes
avanços na parte experimental, desenvolvendo
instrumentos de observação mais precisos.
A Hiparco é atribuído a "dioptria
de bastão de 4 cúbitos". A dioptria
é um bastão com duas fendas separadas,
através das quais se pode olhar uma
estrela ou corpo celeste (Fig. 9).
É possível que Hiparco já usasse também
o astrolábio armilar, instrumento
que permitia medir a altura de um
astro acima do horizonte.
Fig.
9. Uma dioptria simples. Em montagens
mais sofisticadas, este instrumento
girava em uma base que fornecia medidas
angulares no plano horizontal (GSA,
p. 68).
Plínio
conta que Hiparco fez uma observação
de uma estrela "nova". Para averiguar
se no futuro outras mudanças ocorreriam
nas estrelas fixas, resolveu catalogar
todas as estrelas visíveis, ajudado
pelos instrumentos que desenvolveu.
Catalogou 850 estrelas, fornecendo
a latitude e longitude de cada uma,
o que viria servir de base para o
catálogo de Ptolomeu. Com estes dados,
Hiparco descobriu a precessão dos
equinóxios: o eixo da Terra descreve
um movimento rotatório de 50 segundos
de arco por ano, o que resulta num
período de 26.000 anos.
O
objetivo principal dos astrônomos
helênicos era "salvar os fenômenos".
Muitos dos grandes astrônomos gregos,
incluindo Hiparco e Ptolomeu, acreditavam
ser possível prever o futuro a partir
das estrelas (astrologia), e isto
estimulou bastante a observação.
Lloyd
comenta o fato curioso que os gregos
não tenham usado a elipse para descrever
os movimentos dos corpos celestes,
como faria Kepler no séc. XVI. No
entanto, a própria elipse pode ser
descrita facilmente pelo modelo dos
epiciclos. Sobe
14.
Biologia e Medicina Helenistas (GSA,
pp. 75-90)
A
história da biologia e da medicina
helênicas sofre da falta de fontes
primárias. Vários trabalhos importantes
dos sécs. IV e III a.C. só são conhecidos
com algum detalhe devido a comentadores
posteriores, especialmente Galeno
de Pérgamo (180 d.C.).
Os
dois mais importantes biólogos foram
Herófilo da Calcedônia (270 a.C.)
e Erasistrato de Ceos (260), que trabalharam
em Alexandria na primeira metade do
séc. III a.C. Eles foram os primeiros
a praticar a dissecação do
corpo humano, e é provável também
que tenham feito vivissecção
em humanos (ou seja, corte do corpo
de pessoas vivas!).
Estes
médicos, chamados Dogmatistas, apontavam
as vantagens da vivissecção, argumentando
que o benefício trazido superava o
mal feito: "não é cruel, como a maioria
diz, procurar remédios para as multidões
de homens inocentes de todas as épocas
futuras, por meio do sacrifício de
um reduzido número de criminosos".
Posteriormente, em Roma, o médico
Celsius viria a defender a dissecação
praticada pelos helênicos, mas condenaria
a vivisecção, argumentando que o conhecimento
adquirido poderia ser obtido mais
lentamente através de outros métodos,
como a observação de feridos de guerra.
O
conhecimento de anatomia de Herófilo
e Erasistrato era ainda bastante limitado.
Fizeram algumas descobertas significativas,
mas mantinham concepções erradas,
como Herófilo que afirmava que os
nervos ópticos seriam ocos. Herófilo
reconheceu que o cérebro é o centro
do sistema nervoso, ao contrário do
que defendera Aristóteles, e descreveu
várias de suas partes. Descreveu o
olho, a retina, e distinguiu nervos
sensoriais e motores, distinguindo-os
de tendões e ligamentos. Descreveu
o coração, dando o nome de "veia arterial"
à artéria pulmonar. Cunhou o termo
"duodeno". Tocou em questões de anatomia
comparada, comparando os fígados
de diferentes mamíferos. Descobriu
os ovários, comparando-os com os testículos.
Sua maior contribuição à clínica médica
foi a teoria do valor de diagnóstico
do pulso. Classificou diferentes tipos
de pulsos (com relação a velocidade,
intensidade, regularidade, etc.) e
também três tipos anormais.
Erasistrato
também era médico, crítico de remédios
drásticos como sangramento e purgantes
fortes. Desenvolveu uma doutrina fisiológica
bastante arrojada, usando idéias mecânicas
para explicar processos fisiológicos,
como a digestão. Sabia que o alimento
era empurrado por peristalse e contração
do estômago , que era amassado, e
que os nutrientes eram absorvidos
pelos vasos sangüíneos, pela ação
do vácuo criado. Desenvolveu também
uma teoria mecânica de como a bile
e a urina é separada do sangue. Descreveu
bem as diferenças entre artérias e
veias, mantendo a idéia comum na época
de que as artérias contêm apenas ar
(ilusão criadas em animais mortos),
apesar de outros teóricos reconhecerem
que há uma mistura de ar e sangue.
Para Erasistrato, quando uma artéria
é cortada, o ar sairia e puxaria o
sangue, que então jorraria.
Apesar
destes erros, apreciou o papel das
quatro válvulas principais do coração,
que são unidirecionais. Reconheceu
que o coração funciona como uma bomba,
dilatando as artérias. Inferiu que
deviam haver passagens ligando as
terminações das artérias e das veias,
mas não chegou perto da idéia
de circulação sangüínea (tais terminações
explicariam o jorramento de sangue
nas artérias). Forneceu explicações
mecânicas também para o funcionamento
anormal do corpo (febres, etc.).
Galeno
viria a criticar várias das doutrinas
fisiológicas de Erasistrato, mas o
admirava como anatomista. Erasistrato
efetuou também alguns experimentos
simples.
No
período posterior, a dissecação do
corpo humano decairia, mas há relatos
de estudos de ossos de cadáveres em
Alexandria ainda na época de Galeno.
Fora de Alexandria, só a observação
acidental de esqueletos permitia um
exame da ossada humana.
O
final do séc. III a.C. viu a proliferação
de seitas médicas, como os "dogmatistas"
e os "empiristas", havendo também
os "metodistas". Os dogmatistas
argumentavam que a consideração de
causas ocultas seria essencial para
a prática médica, e que tal conhecimento
só poderia ser obtido suplementando-se
a experiência com raciocínio e conjectura.
Os empiristas eram contra tais
especulações: o invisível não poderia
ser conhecido. Como o médico trata
casos individuais, ele deveria assim
evitar inferências, guiando-se apenas
pelos sintomas manifestos de cada
paciente.
No
campo da filosofia, tal debate colocou
de um lado os peripatéticos (aristotélicos),
estóicos e epicuristas, que defendiam
a possibilidade do conhecimento das
causas ocultas, e de outro as diferentes
tendências do ceticismo, primeiramente
com Pirro de Elis (séc. IV a.C.),
depois na Academia com Arcesilau (séc.
III), e depois com Aenesidemo (séc.
I a.C.). Todos negavam que houvesse
um critério definitivo de aquisição
de conhecimento. Num certo sentido,
com os empiristas, a medicina poderia
ser considerada a antítese da matemática.
Sobe
15.
Mecânica Aplicada e Tecnologia (GSA,
pp. 91-112)
Na
Antigüidade, colocava-se a existência
de uma oposição entre teoria e prática,
mas também pregava-se sua união. Papus
de Alexandria (sec. IV a.C.) fez um
relato das artes mecânicas da Antigüidade,
destacando as seguintes técnicas com
relação à sua utilidade para a vida.
1)
A arte dos construtores de polias,
para levantar pesos. 2) A arte dos
fabricantes de instrumentos de guerra,
especialmente catapultas. 3) A arte
dos fabricantes de máquinas, como
as máquinas para elevar água. 4) Os
criadores de maravilhas, como os dispositivos
pneumáticos, flutuantes e relógios
d’água. 5) Os construtores de esferas
perfeitas, usadas em astronomia e
astrologia.
Os
principais autores sobre prática mecânica
foram: Ctesibus de Alexandria (270
a.C.), Filo de Bizâncio (200 a.C.),
Vitruvius (25 a.C.) e Hero de Alexandria
(60 d.C.).
Os
"arquitetos" eram responsáveis não
só pelo planejamento e construção
de edifícios ou até cidades, mas também
pelo desenho, construção e manutenção
de dispositivos mecânicos de vários
tipos, especialmente de guerra. As
armas de guerra foram melhorando continuamente,
usando o princípio de torção de fios.
Tal evolução se deu basicamente através
da tentativa e erro, como observou
Filo, aliada a alguma teorização.
Das
cinco máquinas simples conhecidas
na Antigüidade, quatro estavam em
uso bem antes do séc. IV a.C.: a alavanca,
a polia, a cunha e o sarilho. A quinta
máquina, o parafuso, foi uma
inovação do séc. III a.C., com Arquimedes,
que a utilizou para elevar água, e
com o seu uso em prensas no séc. I
a.C.
Outros
dispositivos descritos nos textos
de mecânica incluem outros tipos de
máquinas para elevar água, guindastes,
instrumentos de levantamento topográfico
e relógios. Ctesibius construiu uma
bomba dupla para apagar incêndios.
Princípios pneumáticos eram usados
para abrir portas de templos automaticamente,
a partir de um fogo aceso no altar
do templo. Hero construiu um precursor
da máquina a vapor: uma bola que gira
sem parar acima de água fervente (Fig.
10).
Figura
10. A bola de Hero que gira continuamente
com o vapor (GSA, p. 105).
Salta
aos olhos o fato de a engenhosa tecnologia
greco-romana não ter gerado melhores
frutos, apesar de ter se desenvolvido
ao longo de um milênio, de 500 a.C.
a 500 d.C. Foram feitos avanços em
tecnologia militar, agricultura e
tecnologia de alimentos, em especial
com moinhos. No entanto, as forças
motrizes do vapor e do vento não foram
desenvolvidas.
Um
exemplo ilustrativo é o uso de moinhos
movidos a roda d’água, desenvolvidos
no séc. I a.C., mas que só passaram
a ser utilizados sistematicamente
a partir do séc. III d.C. Por que
houve esta demora? (i) Um fator
é a falta de riachos com escoamento
rápido nos países do Mediterrâneo,
mas tal problema poderia ser superado
de diversas maneiras. (ii)
Um fator mais importante era a existência
de trabalho escravo, que desestimulava
a procura de outras formas de geração
de energia, mas que decaiu no séc.
III. (iii) Outro fator era
a relativa complexidade de construção
e o custo alto, ao contrário por exemplo
dos moinhos de milho, movidos a jumento.
Uma
característica adicional do período
era a despreocupação em difundir ou
produzir em massa as novas técnicas
desenvolvidas, por exemplo, em metalurgia,
tecelagem e cerâmica. De maneira geral,
os antigos faziam de seu ofício uma
arte, não uma indústria. Sobe
16.
Ptolomeu (GSA, pp. 113-135)
Após
o auge da ciência grega nos sécs.
III e II a.C., seguiu-se um período
com bem menos trabalhos originais.
No entanto, no séc. II d.C., duas
grandes figuras representaram a culminação
da ciência antiga: Ptolomeu e Galeno.
Ptolomeu
de Alexandria (150 d.C.) escreveu
o grande tratado astronômico Composição
Matemática, mais conhecido por
seu nome em árabe, Almagesto,
além de outras obras que chegaram
até nós. Ptolomeu conhecia bem a obra
de seus predecessores, e a desenvolveu
em vários aspectos. Levou adiante
o catálogo de estrelas de Hiparco,
chegando a 1028 estrelas.
No
início do Almagesto, Ptolomeu
justificou o estudo da astronomia
porque fortaleceria o caráter dos
homens, que passariam a querer que
sua alma também atingisse a beleza
divina dos corpos celestes. Passou
então a formular e justificar as principais
teses de seu sistema, como a esfericidade
dos céus, da Terra, e o fato de que
a Terra estaria em repouso no centro
do universo. Ptolomeu foi bastante
influenciado por Aristóteles, e desenvolveu
diversos argumentos (os quais já vimos
na seção 13) para justificar a imobilidade
da Terra, e que seriam retomados por
Copérnico (1543).
Ptolomeu
apresentou uma detalhada "tabela de
cordas", equivalente à nossa tabela
de senos e cossenos, sendo que o primeiro
a fazer tal tabela foi Hiparco.
O
principal objetivo do astrônomo seria
"salvar as aparências", explicando
o movimento irregular dos corpos celestes
a partir de movimentos circulares
uniformes. Para isso, adotou a abordagem
de Apolônio e Hiparco dos epiciclos
e excêntricos. Com relação
ao Sol, seguiu de perto o modelo de
Hiparco.
Com
relação à Lua, introduziu modificações
importantes, a partir de seus dados
obtidos com o astrolábio armilar,
que facilitava sobremaneira a determinação
de latitudes e longitudes dos corpos
celestes (sem precisar fazer cálculos
complicados). Modificou o modelo de
Hiparco transferindo o centro do círculo
deferente para fora do centro da Terra,
para um ponto que orbita em torno
da terra. Introduziu também uma correção
adicional, conhecida como a "doutrina
da direção", que modifica periodicamente
a posição da Lua em seu epiciclo.
Ptolomeu
introduziu correções semelhantes para
os planetas, sendo que a principal
envolve um conceito novo chamado "equante".
O equante é um ponto fora da Terra
e fora do centro do círculo excêntrico,
em relação ao qual o planeta orbita
com velocidade angular constante.
De todos os planetas, o caso mais
complicado era o de Mercúrio. Ptolomeu
forneceu dados numéricos precisos
para possibilitar os cálculos de posições
para cada corpo celeste (ver Fig.
11).
Figura
11. Representação simplificada do
sistema de Ptolomeu (GSA, p. 126).
Apesar
de seus méritos, a teoria ptolomaica
estava sujeita a duas críticas. 1)
Um movimento circular uniforme em
torno de um ponto que não é seu centro,
como na doutrina do equante, quebrava
a regra de que só deveria haver movimentos
circulares uniformes em sentido estrito.
Tal crítica foi colocada por Copérnico.
2) As teorias lunar e planetária não
descreviam certos dados conhecidos
pelo próprio Ptolomeu. No caso da
Lua, seu modelo previa que o diâmetro
aparente da Lua dobraria entre o perigeu
(o ponto mais próximo da Terra) e
o apogeu (o ponto mais distante),
o que de fato não é observado, como
ele próprio sabia.
Uma
justificativa dada para isto é que
ele estaria preocupado apenas em prever
as posições da Lua, e não em fornecer
um modelo físico completo.
No entanto, em outros momentos, ele
demonstrou preocupação com tal modelo
físico, como quando ele utilizou o
sistema aristotélico para justificar
a imobilidade da Terra. Em uma outra
obra, As Hipóteses dos Planetas,
Ptolomeu inclusive sugeriu uma descrição
física: os planetas estariam situados
em faixas de esferas (não esferas
cristalinas), e os planetas estariam
imbuídos de uma "força vital" que
lhes daria movimento.
Com
relação ao critério de simplicidade,
Ptolomeu o utilizou para fazer escolhas
entre diferentes mecanismos, mas por
outro lado defendeu que nosso conceito
sublunar de "simplicidade" poderia
ser diferente do sentido que se aplicaria
de maneira apropriada aos corpos celestes.
Ptolomeu
também escreveu um tratado astrológico,
o Tetrabiblos, e também sobre
geografia, acústica (incluindo teoria
musical) e óptica. Seu tratado de
óptica é bastante importante, descrevendo
detalhadamente a reflexão e a refração
da luz. Os princípios da reflexão
já eram conhecidos, mas Ptolomeu os
confirmou através de experimentos.
Quanto à refração (que descreve a
aparência dos objetos dentro d’água
vistos por alguém de fora), ela já
tinha sido investigada qualitativamente
por Arquimedes e outros, mas Ptolomeu
fez experimentos medindo os ângulos
envolvidos na mudança de direção do
raio de luz, com resolução de grau
em grau. Apesar de não enunciar uma
lei de refração, fica claro que ele
acreditava numa relação da forma:
r = a× i – b× i²,
onde r é o ângulo de refração
e i o de incidência. Tanto
é que ele modificou alguns dados para
que esta equação fosse satisfeita!
Ptolomeu também repetiu seu
experimento variando a densidade da
água (sem observar alterações), o
que é um procedimento interessante.
Sobe
17.
Galeno (GSA, pp. 136-153)
Galeno
de Pérgamo (129-200? a.D.) foi um
médico e escritor de importância,
que viveu em Roma (onde foi o médico
do filho do imperador) e em sua cidade
natal, na Ásia Menor. Deixou uma vasta
obra em biologia e medicina, escrevendo
também sobre filosofia e filologia.
Defendeu o ensino de filosofia para
médicos por três razões: (i) o doutor
precisa ser treinado no método
científico, para poder argumentar
corretamente (mas nem tanto para saber
avaliar evidência); (ii) o médico
precisa estudar a natureza,
ou como diríamos hoje, precisa conhecer
teoria biológica; (iii) o doutor deve
aprender a desprezar o dinheiro!
A
fisiologia de Galeno partia da distinção
tradicional entre quatro elementos
(terra, água, ar, fogo) e quatro qualidades
primárias (quente, frio, seco, úmido).
Animais possuiriam não apenas "physis"
(natureza), mas também "psyche" (alma).
Seguindo Platão, identificou três
faculdades da alma: o racional (ligado
ao cérebro, centro do sistema nervoso),
o espiritual (ligado ao coração, a
fonte das artérias) e o apetitivo
(ligado ao fígado, fonte das veias).
O fígado e veias gerariam o sangue
a partir da alimentação proveniente
do estômago e intestinos, e do sangue
seria construído o resto do corpo.
Distinguiu entre o sangue venoso,
mais denso e escuro, e o sangue arterial,
mais leve, vermelho brilhante e imbuído
de um "espírito vital" que seria produzido
no coração a partir do ar respirado.
Estabeleceu claramente a distinção
os sangues venoso e arterial, sugerindo
que o ar tem um papel essencial nesta
distinção. Refutou, através de observações
cuidadosas, a noção de que as artérias
só contêm ar, conforme defendido por
Erasistrato. Galeno definiu também
um "espírito psíquico" que seria produzido
a partir do espírito vital e se localizaria
no cérebro. Com isso, forneceu uma
explicação para porque uma pessoa
sem ar perde a consciência.
A
partir da vivissecção de animais,
Galeno desenvolveu bastante a teoria
da digestão, introduzindo outros elementos
na visão exclusivamente mecanicista
de Erasistrato. Destacou que na nutrição
o alimento é inicialmente emulsionado
em um "quilo", para depois ser digerido
("pepsis") e finalmente absorvido.
Na absorção, as diferentes substâncias
são atraídas por seus iguais (já vimos
este princípio na seção 5).
Sua
grande obra anatômica se baseou na
dissecação de macacos, o que o levou
a alguns erros, apesar de estar ciente
da diferença anatômica existente entre
homens e macacos. Insistia que os
médicos deveriam praticar a
dissecação e não confiar inteiramente
nos livros. Em animais vivos, fez
incisões em torno de diferentes vértebras
para determinar que partes e funções
eram afetadas.
Se
erro mais famoso foi a conclusão de
que no coração o sangue pode passar
diretamente do ventrículo direito
para o esquerdo, através da parede
muscular que separa estas duas cavidades
(Fig. 11). Chegou a esta conclusão
por perceber que a válvula tricúspide
(por onde o sangue entra no ventrículo
direito, "1" na Fig. 11) era maior
do que válvula pulmonar ("2" na figura),
e por imaginar que capilares (como
os que Erasistrato inferiu para a
ligação entre artérias e veias) estariam
presentes no septo (parede) interventricular.
Em seu raciocínio, utilizou também
o princípio de que a natureza não
faz nada sem um motivo.
Figura
11: Esquema representando o escoamento
de sangue no coração, segundo Galeno.
Nota-se que ele acreditava que sangue
passa diretamente do ventrículo direito
(RV) para o esquerdo (LV), e que ele
reflui pela válvula mitral (3).
Sobe
18.
O Declínio da Ciência Antiga (GSA,
pp. 154-178)
Existe
um debate sobre se a ciência antiga
cessou por completo após 200 a.D.,
ou se a atividade científica e a reflexão
original continuaram. Lloyd argumenta
que elas continuaram.
No
caso da filosofia natural, que inclui
a física e a cosmologia, ocorreu um
declínio das doutrinas dos epicuristas
e dos estóicos, mas o século III viu
o ressurgimento das idéias platônicas
através de Plotino (205-270). Seu
neoplatonismo concentrou-se
essencialmente em aspectos teológicos
e metafísicos, mas pensadores neoplatônicos
posteriores desenvolveram aspectos
do platonismo que eram relevantes
para a física.
Iâmblico
(sécs. III-IV), nascido na Síria,
defendeu (mais do qualquer pensador
antes dele) a matematização de todo
o estudo da natureza. Proclo de Bizâncio
liderou a Academia platônica em Atenas
no final do séc. V, e defendeu o atomismo
geométrico de Platão diante das críticas
dos aristotélicos. O neoplatônico
pagão Simplício de Atenas (séc. VI)
defendeu a física aristotélica fazendo
um relato histórico dos debates realizados
nos séculos anteriores e utilizando
alguns argumentos originais e experimentos
simples (sobre a questão de se o ar
tem peso).
Trabalho
científico mais importante foi realizado
pelo cristão João Filoponus de Alexandria,
no séc. VI, que foi o maior crítico
das idéias aristotélicas. Sua crítica
mais importante foi com relação à
doutrina aristotélica de antiperistasis,
ou seja, a noção de que no movimento
de um projétil o ar a sua frente passa
para trás e empurra o projétil para
frente. Utilizou argumentos teóricos
e experimentais para concluir que
o meio só pode resistir ao movimento,
nunca sustentá-lo. E enunciou que
"é preciso supor que alguma força
motiva incorpórea é conferida pelo
lançador ao projétil", concluindo
que tal movimento perduraria no vácuo.
Com relação à queda dos corpos no
ar, verificou experimentalmente que
os tempos de queda não são proporcionais
aos pesos, conforme anunciara Aristóteles,
mas que são praticamente iguais. Atacou
também a separação entre o mundo sublunar
e o lunar.
No
caso da matemática e astronomia, após
o séc. II, também encontramos basicamente
relatos históricos e comentários,
especialmente sobre os Elementos
de Euclides. Um trabalho original
de destaque foi a Aritmética
de Diofanto de Alexandria (séc. III),
que sistematizou a área da mesma maneira
que Euclides havia feito com a geometria.
A observação astronômica continuou
a ser praticada (especialmente para
a regulação de calendários ou por
motivos astrológicos), mas os textos
produzidos se resumiam a comentários
do Almagesto ou introduções
à astronomia.
No
caso da biologia e medicina, o conhecimento
se mantive vivo devido à importância
da profissão e da manutenção das escolas
de medicina. Como nos casos anteriores,
escreviam-se basicamente comentários
e compêndios, como a Coleção Médica
de Oribásius de Pérgamo (séc. IV),
que ocupou 70 volumes, e vários outros,
que se faziam cada vez mais sucintos.
A dissecação de animais também continuou
sendo praticada, especialmente no
ensino de medicina (e não na pesquisa).
A
atividade dos comentaristas foi importante
para a preservação do conhecimento
científico. Mas porque a atividade
científica original declinou após
o séc. II? Uma razão apontada seriam
as turbulências políticas do séc.
III, que levaram a problemas de ordem
social e econômica. Outra razão seria
a ascensão do cristianismo, que desestimulou
o conhecimento da natureza, como salientado
por Agostinho (354-430), e valorizou
a revelação divina. Um momento marcante
foi o decreto de Justiniano de 529
fechando a Academia em Atenas e proibindo
o ensino pagão.
Fonte:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/cienciagrega.htm