conto
é um tipo de narrativa que se opõe, pela extensão, quer à novela, quer ao
romance. De facto, é sempre uma narrativa pouco extensa e a sua brevidade tem
implicações estruturais: reduzido número de personagens; concentração do espaço
e do tempo, acção simples e decorrendo de forma mais ou menos linear.
Embora o
conto seja hoje uma forma literária reconhecida e utilizada por inúmeros
escritores, a sua origem é muito mais humilde. Na verdade, nasceu entre o povo
anónimo. Começou por ser um relato simples e despretensioso de situações
imaginárias, destinado a ocupar os momentos de lazer. Um contador de histórias
narra a um auditório reduzido e familiar um episódio considerado interessante.
Os constrangimentos de tempo, a simplicidade da assembleia e as limitações da
memória impõem que a "história" seja curta. Essas mesmas circunstâncias
determinam, como já vimos, a limitação do número de personagens, a sua
caracterização vaga e estereotipada, a redução e imprecisão das referências
espaciais e temporais, bem como a simplificação da acção.
Dada a sua
origem popular, o conto de que falamos aqui não tem propriamente um autor,
entendido como um ser humano determinado, ainda que desconhecido. Na realidade
ele constitui uma criação colectiva, dado que cada "contador" lhe introduz
inevitavelmente pequenas alterações ("Quem conta um conto, acrescenta um
ponto.").
Por outro
lado, é bom ter consciência de que os contos populares com que hoje nos
defrontamos são diferentes daqueles que, durante séculos, foram transmitidos
oralmente de geração em geração. Em primeiro lugar, porque o seu registo por
escrito implicou necessariamente alguma re-elaboração. Em segundo lugar, porque
no acto de narração oral o código linguístico era acompanhado por outros
códigos, variáveis de contador para contador e irreproduzíveis na escrita (a
entoação, a ênfase, os movimentos corporais, a mímica...).
Também não
podemos esquecer que o auditório estava fisicamente presente e condicionava o
acto de narração, fazendo comentários ou perguntas e restringindo, com a sua
censura implícita, a imaginação criadora do contador. É essa censura latente que
ajuda a compreender a permanência dos elementos essenciais, independentemente do
tempo e do espaço.
O
interesse dos intelectuais pelo conto popular surgiu no século XVII, quando, em
1697, Charles Perraut publicou a primeira recolha de contos populares franceses,
que incluía histórias tão conhecidas como "A Gata Borralheira", "O Capuchinho
Vermelho" e "O Gato das Botas". Esse interesse pela literatura popular
acentuou-se no século XIX, com os trabalhos dos irmãos Grimm, na Alemanha, e
Hans Christian Andersen, na Dinamarca. Em Portugal destacaram-se nessa tarefa
investigadores como Teófilo Braga, Adolfo Coelho, Leite Vasconcelos e
Consiglieri Pedroso. O próprio Almeida Garrett recolheu no seu Romanceiro
numerosas narrativas em verso, que são afinal parentes próximos do conto
popular.
Fruto da
sua origem oral, estes contos têm quase sempre uma estrutura muito simples e
fixa. As próprias fórmulas inicial ("Era uma vez...") e final ("...e foram
felizes para sempre.") revelam isso. Essa estrutura pode ser traduzida da
seguinte forma:
A
caracterização das personagens é sumária e estereotipada: os heróis concentram
em si os traços positivos, enquanto os vilões evidenciam todos os aspectos
negativos da personalidade humana. Dessa maneira personifica-se o bem e o mal e
manifesta-se insistentemente a vitória do primeiro sobre o segundo.
A
caracterização indirecta prevalece sobre a directa, visto que é sobretudo pelas
suas acções que as personagens revelam o seu carácter.
A fórmula
inicial ("Era uma vez..." ou outra equivalente) remete para o passado e, desse
modo, funciona como um sinal de que se vai passar do mundo real para um mundo
irreal, o mundo da fantasia, onde tudo é possível. Esse mergulho no imaginário
termina com a fórmula final: "...e viveram felizes para sempre."
Ao longo
do conto as indicações de natureza temporal são sempre limitadas e vagas, não
permitindo determinar com rigor a duração da acção ou a localização num contexto
histórico preciso. O mesmo acontece relativamente ao espaço: um palácio, uma
casa, uma fonte, uma floresta...
Na
verdade, as vagas referências espácio-temporais aparecem apenas porque são uma
exigência da narrativa, visto que nada acontece fora do tempo e do espaço. Não é
o onde nem o quando que interessa, mas sim o que acontece, a acção. As próprias
personagens são um mero suporte da acção, daí a sua caracterização
estereotipada.
A
conjugação dessas características (personagens estereotipadas e espaço e tempo
indeterminados) concede às histórias um carácter atemporal e universal, que
permite a sua reactualização permanente: é algo que poderia acontecer em
qualquer tempo e em qualquer lugar.
Os contos
tradicionais estão carregados de simbologia: dizem mais do que parecem dizer. A
manifestação mais evidente é a referência sistemática ao número três, símbolo da
perfeição desde tempos imemoriais. Mas há mais... A rosa aparece como símbolo do
amor puro e total. O beijo desperta e faz renascer. A heroína é frequentemente a
mais nova (e por isso a mais pura e inocente) e afirma-se por oposição às irmãs
mais velhas e mesmo aos pais. O herói quase sempre tem que enfrentar uma série
de provas antes de alcançar o objecto - símbolo do amadurecimento que fará dele
um homem. Outras vezes sai da casa paterna em busca da autonomia.
Em maior
ou menor grau, o conto popular tinha as seguintes funções:
Em
síntese, podemos dizer que os contos tinham (têm) uma função de entretenimento e
uma função educativa. Por um lado, constituíam uma das formas de ocupar os
tempos livres, geralmente os serões, reforçando os laços de convivialidade entre
os membros da comunidade e despertando a imaginação dos assistentes; por meio
deles era possível compensar a dureza e a monotonia da vida quotidiana, fugindo
para mundos distantes e vivendo papéis e situações empolgantes. Por outro,
concediam aos mais velhos um instrumento privilegiado para levarem os mais novos
a interiorizarem valores e comportamentos considerados aceitáveis.
São muitos
os temas tratados nos contos populares, daí que sejam possíveis várias
classificações. Por comodidade podemos reduzi-los a cinco tipos: