MANIPULAÇÃO E PODER : QUATRO EXEMPLOS A PARTIR DA REDE GLOBO DE TELEVISÃO - BRASIL
Pedrinho A. Guareschi
Paulo V. Maya
Maria da Conceição S. Beltrão Filha
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS)
Manipulación y Poder :
cuatro ejemplos desde la Red Globo de Television del Brasil
Resumen - En este trabajo, tratamos de la dimension ideologica de los medios de comunicacion de masa, especialmente de la television. Despues de una curta introduccion historica sobre el desencolcimiento de la television en Brasil, analisamos la parte final (parte cuatro) del video "Más Allá del Ciudadano Kane" producido por Simon Hartog usando el referencial de la teoria de la ideologia presentada por Thompson (1995a.). El foco aqui es sobre algunos acontecimentos de la história reciente de Brasil y la manera intencionalmente distorcida en que fueram presentados al publico por la poderosa Red Globo de Television, que tiene alcance nacional.
Palabras-clave: ideología, comunicacion de masa, television e manipulacion.
Power and Manipulation
Globo Network Television Four Situation of the Brazil
Abstract - In this paper, deal with the ideological dimension of the media, specially television. After a short historical introduction about the development of television in Brazil, analyse the final part (part four) of the video "Beyond Citizen Kane" produced and directed by Simon Hartog using the framework of the theory of ideology put foward by Jonh B.Thompson (1995a). The focus here is on some events of recent Brazilian history and the intentionally distorced way they were presented to the public, by the powerfull and nation-wide Globo Broadcasting Sistem.
KEY WORD - ideology, mass comunication, television and manipulation.
Manipulação e Poder
quatro exemplos a partir da Rede Globo do Brasil
Resumo - Neste trabalho, tratamos da dimensão ideológica dos meios de comunicação de massa, especialmente da televisão. Depois de uma curta introdução histórica sobre o desenvolvimento da televisão no Brasil, analisamos a parte final (parte quatro) do vídeo "Para Além do Cidadão Kane" (produzido pelo Channel Four, de Londres) usando o referencial da teoria da ideologia apresentada por Jonh B. Thompson (1995a). O foco aqui é sobre alguns acontecimentos da história recente do Brasil e a maneira intencionalmente distorcida em que foram apresentados ao público interno pela poderosa Rede Globo de Televisão, que tem alcance nacional.
Palavras-chave - ideologia, comunicação de massa, televisão e manipulação.
INTRODUÇÃO
A história da televisão no Brasil começou em 1950 nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Assis Chateubriand, na época, era o presidente da cadeia de jornais e estações de rádio - Diários e Emissoras Associados - e inaugurou em setembro de 1950 em São Paulo a TV Difusora e mais tarde inaugurou, no Rio de Janeiro em 1951, a TV Tupi. Nesse mesmo ano surgiu também em São Paulo, a TV Paulista e no Rio de Janeiro a TV Record. De prorpiedade da família Marinho, a Rede Globo de Televisão só foi inaugurada em 1965, um ano depois do golpe militar de 1964, apesar de ter recebido a concessão em 1957 do então presidente da República Jucelino Kubitschek. Até então, a família Marinho só atuava no jornal, com jornal O Globo desde 1925, e também no rádio, desde 1944.
A história da televisão brasileira, a partir de 1965, vinculou-se por um lado à família Marinho e por outro ao regime ditatorial implantado no país pelos militares a partir de março de 1964. Ambos trabalharam num projeto chamado: integração nacional. Em 1965 foi criada pelo governo militar a - Empresa Brasileira de Telecomunicações - (EMBRATEL) com o lema: "a comunicação é a integração". O objetivo era a integração da sociedade brasileira e, pela ideologia, manter a dominação via a comunicação. Numa sociedade capitalista, os meios de comunicação de massa tornan-se os instrumentos de mistificação e de legitimação capitalista
(Guareschi,1987).
A Rede Globo de Televisão, entra em franco desenvolvimento no período da ditadura militar. Na decada de 80 a Rede Globo investe em tecnologia de ponta para a formação da rede televisiva nacional. Inicia, também, em termos nacionais, a globalização no país, acompanhando a globalização. Antes os jornais e as rádios atuavam somente dentro das fronteiras de cada estado respectivamente.As fronteiras serão rompidas pela televisão, inicialmente pela Rede Globo, expandindo-se por todo o território nacional.
Este grupo multimídia foi privilegiado pelo Estado para explorar o espaço da comunicação em todo país. A estreita relação com o Estado iniciou-se em 1957 quando o seu proprietário Roberto Marinho recebeu do então presidente da República Jucelino Kubitschek a concessão, deixada de lado até 1962. Nesse período,o sr. Marinho entra em negociações com o grupo americano de multimídia Time-Life. Tal sociedade feria a constituição brasileira que proibia sociedades estrangeiras em termos financeiros, administrativos e formativos com empresas concessionárias de canais de televisão. Esta parceria, apesar de ilegal, foi firmada e proporcionou à Rede Globo todos os recursos técnicos, administrativos e comerciais, enfim, todo o know-how norte americano. A Rede Globo funcionou, nesse período, semelhante a uma rede televisiva dos Estados Unidos. Apesar das boas relações com o Estado, a Rede Globo teve que desfazer a sociedade com a Time-Life por intervenção direta do presidente da República na época, o Marechal Castelo Branco. Deste modo, a Rede Globo comprou 49% das ações pertencentes ao grupo Time-Life.
Na década de 80 a Rede Globo registrava nas pesquisas do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - (IBOPE) um percentual da audiência nacional entre 50% a 70%. A TV Tupi de São Paulo uma das primeiras televisões no Brasil foi fechada. Os percentuais restantes foram disputados por outras empresas de mídia paulista: a Rede Bandeirantes,o Sistema Brasileiro de Televisão - (SBT) e pela Rede Manchete do Rio de Janeiro. Os institutos de pesquisa, a partir deste momento, passaram a fazer parte das estratégias televisivas e, conseqüentemente, integraram as estratégias do Governo.
À semelhança do funcionamento norte-americano, a Rede Globo cria os departamentos de pesquisa, de marketing e o de relações internacionais, realizando assim, seus ideais expansionistas. Conquistará a maior parte do mercado nacional e disputa o mercado internacional.
Assim, a Rede Globo e o governo regime militar implantaram o ideal da unificação nacional, ou melhor, da dominação nacional.
A Rede Globo auxiliou a transição do governo militar para o governo civil, iniciada em 1978 pelo Presidente General Figueiredo. Esta rede de televisão mostrava ao povo brasileiro aquilo que o governo permitia divulgar. As crescentes manifestações populares contra o regime militar, a favor de eleições diretas em todo país, eram minimizadas, ou permaneciam ausentes das imagens da Rede Globo. As notícias eram, e ainda são, mentirosas e distorcidas. O comprometimento dos meios de comunicação com o poder dominante não é privilégio da Rede Globo, contudo, como mostra sua história, a Rede Globo foi uma parceira fiel do poder ditatorial dos militares, talvez, por isso, se tornou a maior rede de televisão do país, estando entre as quatro maiores rede de televisão do mundo.
O nível de comprometimento da Rede Globo com o regime militar foi mostrado num trabalho em vídeotape produzido e dirigido pelo sr. Simon Hartog, juntamente com um grupo de pesquisadores do Channel Four de Londres, assim como por colaboradores brasileiros, intitulado "Para Além do Cidadão Kane". Esta apresentação foi dividida em quatro partes.
Na primeira parte mostra a parceria da Rede Globo de Televisão com o regime da ditadura militar, no qual se vê fatos sociais que ocorram no país em decorrência do regime autoritário.
Na segunda parte apresenta a sociedade firmada entre a Rede Globo e o Grupo Time-life (empresa norte americana de mídia), assim com a expansão da Rede Globo em decorrência dessa. A terceira parte do vídeo evidencia o poder do proprietário da Rede Globo, Roberto Marinho. Por outro lado, mostra também, o apoio da Rede Globo à transição do regime militar, na figura do candidato à presidência da República Tancredo Neves. Nessa parte também se evidenciam as negociações ilícitas e manipuladas favorecendo a Rede Globo realizadas por políticos amigos do sr. Marinho.
Especialmente provocativa é a quarta e última parte do vídeo, na qual fica demonstrada a manipulação de informações por parte da Rede Globo na defesa dos interesses dos grupos dominantes. Fazemos uma leitura crítica, especificamente, desta quarta parte à luz da teoria ideologica sugerida por Thompson (1995a).
DESENVOLVIMENTO
Desde há muito tempo discute-se as instituições sociais como instrumentos de reprodução ideológica Althusser,(1980). Nos últimos anos, os meios de comunicação de massa, em especial a televisão, ocuparam um lugar de destaque no centro deste debate. Neste final de século a realidade virtual, de que nos falam autores pós-modernos, transformou a vida dos indivíduos. As noções de realidade, de tempo e de espaço sofreram um impacto profundo e desorientador. No mundo do vídeo, a distância é abolida. A virtualidade retira da sucessão histórica dos fatos sua dimensão cronológica, produzindo uma promiscuidade quase patológica entre o real e seu duplo, como nos informa Santos: o capitalismo vem com ares de progresso sacrificando em nome desse desenvolvimento a subjetividade humana.(Santos,1996).
Vem aumentado, enormemente, o interesse dos pensadores sociais no estudo da comunicação de massa, em especial em relação a suas dimensões ideológicas de reprodução da cultura. Thompson,1995b), identifica quatro de suas principais características:
A comunicação de massa é a produção e a difusão institucionalizadas de bens simbólicos, - o que significa a existência de instituições sociais que produzem e transmitem formas simbólicas de uma maneira generalizada para receptores situados em diferentes contextos espaciais e temporais, tornando possível fixar e reproduzir as formas simbólicas produzidas.
A comunicação de massa possibilita uma ruptura fundamental entre a produção e a recepção dos bens simbólicos, ou seja, diferentemente do contexto de comunicação face a face, a produção e transmissão das formas simbólicas mediadas por meios técnicos ocorrem de uma maneira independente do receptor/destinatário, cuja capacidade para intervir no processo é bastante limitada. De uma maneira geral, o fluxo da informação é unidirecional, embora as novas tecnologias como a chamada tevê interativa,) comecem já a oferecer diferentes possibilidades ao receptor/consumidor de formas simbólicas.
A comunicação de massa aumentou a possibilidade de acesso às formas simbólicas no tempo e no espaço. Nesta era da comunicação midiada, o distanciamento espaço-temporal entre a produção/transmissão e a recepção/consumo dos bens simbólicos se torna cada vez maior, aumentando entretanto sua disponibilidade justamente pelas característica de fixação e reprodutibilidade.
A comunicação de massa implica a circulação pública das formas simbólicas, uma vez que sua produção pelas instituições de mídia tem por objetivo alcançar uma audiência sempre mais ampla e cada vez mais inespecífica, e tem como característica serem de domínio público. Entretanto, outra vez, as novas tecnologias já permitem o direcionamento da comunicação a receptores/consumidores definidos pelos objetivos da instituição produtora.
Os meios de comunicação de massa são, um instrumento privilegiado para a transmissão de formas simbólicas ligadas à reprodução das relações sociais. Coloca-se como tarefa inadiável do pesquisador social escrutinar criticamente seus usos e efeitos especialmente aqueles ligados à dimensão ideológica do processo social.
Seguindo a perspectiva acima mencionada, este trabalho procura desenvolver algumas observações sobre a manipulação ideológica tipicamente identificada de uma grande rede televisiva do Brasil, a Rede Globo de Televisão. Entenderemos aqui ideologia no sentido empregado por Thompson (1995a), como o uso das formas simbólicas para produzir relações de poder sistematicamente assimétricas.
Em seu trabalho, o autor acima citado, descreve "cinco modos gerais de operação da ideologia" e suas respectivas "estratégias", de cujo conteúdo nos apropriamos para a análise do vídeo "Muito Além do Cidadão Kane".
A leitura centrou-se nos quatro exemplos desta última parte, numa tentativa de identificar ali os modos de operação da ideologia e suas estratégias. O material trabalhado foi estruturado em episódios como: a greve dos metalúrgicos do ABC (maior sindicato do país) paulista, a candidatura de Brizola ( lider de esquerda no país) ao governo do Rio de Janeiro, o movimento das diretas-já ( movimento que mobilizou a população brasileira exigindo eleições por povo popular em todo país) e por fim as eleições para presidente de 1989.
Antes de analisarmos o conteúdo do vídeo, contudo, caberia uma apresentação sintética da proposta de Thompson (1995a) para o exame da ideologia. O autor acima citado descreve cinco modos gerais de operação da ideologia e suas respectivas estratégias.
O primeiro modo denomina-se legitimação, cujas estratégias de construção simbólica são a racionalização, a universalização e a narrativização. No modo legitimação, uma idéia é representada como legítima, justa e digna de apoio. A estratégia de racionalização apresenta uma lógica de raciocínio para justificar ou defender um conjunto de relações ou instituições sociais, persuadindo de sua dignidade; a universalização apresenta os acordos institucionais que servem aos interesses de poucos como se representassem os interesses de todos; a narrativização reconstrói o passado como se fosse o presente, em termos de tradição.
O segundo modo de operação da ideologia é a dissimulação, que pode ser sustentada através de estratégias como o deslocamento, a eufemização ou o tropo (sinédoque, metonímia e metáfora ); o deslocamento utiliza atributos específicos em objetos trocados, invertendo o positivo ou negativo de um a outro objeto; na eufemização as ações ou instituições são descritas ou redescritas a fim de despertar nova valorização; o tropo faz uso figurativo da linguagem, ou, de uma maneira mais geral, das formas simbólicas. Os tipos mais comuns de tropo são a sinédoque ( junção semântica da parte e do todo, confundindo e invertendo o sentido entre a coletividade e suas partes), a metonímia ( na qual um termo toma o lugar de um atributo ou uma característica, embora não haja conexão entre o termo e a coisa à qual se refere) e a metáfora ( aplicação de um termo ou frase a um objeto ou ação ao qual ele, literalmente, não pode ser aplicado).
O terceiro modus operandi, é a unificação, entendida como a construção, em termos simbólicos, de formas de unidade entre os indivíduos, independentemente de suas diferenças e divisões. Uma das formas de obter esta unidade é através da padronização: a realidade é colocada dentro de um referencial padrão, tido como referencial de troca simbólica. Existe também a estratégia da simbolização da unidade, descrita como a construção de símbolos que representem a união de todos.
O quarto modo como a ideologia pode operar denomina-se fragmentação, que age ao contrário da unificação: ao invés de unir os grupos, estimula sua separação. Pode ser seguida através da construção de formas simbólicas de diferenciação ( ênfase nas diferenças existentes entre pessoas e grupos) ou pela constituição de um inimigo que encarna tudo o que é negativo, numa estratégia chamada expurgo do outro.
O quinto modo descrito por Thompson é a reificação, na qual uma situação transitória, histórica, é apresentada como natural, permanente, atemporal, envolvendo portanto a eliminação ou a ocultação do caráter sócio-histórico dos fenômenos. Nesta perspectiva, a estratégia de naturalização trata um fato social como um fenômeno natural ou como um resultado inevitável de características naturais; na eternalização os acontecimentos sociais perdem sua historicidade e assumem caráter de eternos; existem ainda as estratégias de nominalização e passivização, que nada mais são do que recursos gramaticais ou sintáticos que tem por objetivo atrair a atenção do ouvinte ou leitor para certos temas, em prejuízo de outros, apagando o autor da ação e representando processos como coisas ou acontecimentos.
Os modos de ação da ideologia e suas estratégias não se esgotam nos tipos sugeridos por Thompson (1995a), foram assim divididos unicamente para efeito de clareza de exposição. Na realidade do cotidiano, estas formas aparecem mais frequentemente misturadas, combinadas ou superpostas, o que torna mais difícil sua identificação.
PRIMEIRO EPISÓDIO: A GREVE DOS METALÚRGICOS DO ABC
O EPISÓDIO:
No ABC paulista, no final da década de 70, os metalúrgicos entraram em greve e os militares tentaram dominar os sindicatos e prederam o Lula, o lider dos sindicalistas, baseados na lei de segurança nacional.
Sobre o episódio da greve, diz o Lula: "... não era para falar para a Rede Globo, porque ela mentia a respeito da greve, ela não dava o número correto de participantes, não dava as informações corretas, não dava as nossas deliberações corretas, não dava o número das pessoas paralisadas corretamente. Ela só informava sobre os interesses patronais". Lula dá um exemplo concreto: fora entrevistado juntamente com o empresário Mário Garnero, mas no dia da entrevista aparecer na televisão, é colocada apenas a entrevista com o empresário.
Depoimento de Armando Nogueira, à época chefe de jornalismo da TV Globo (1967/89), sobre as orientações recebidas de parte da ditadura militar em relação à cobertura das greves: "era para fazer uma abertura soft, sem som ambiente, sem trilha sonora e sem se poder ouvir os líderes sindicais, só se podia ouvir os líderes patronais".
Depoimento de Fernando P. Brandão, repórter da TV Globo: "o escritório central da Globo permitiu que uma equipe de repórteres fizesse um documentário sobre as greves e os novos sindicatos. Ficou um material forte e muito bom, mas ele nunca foi apresentado, nem mesmo para a diretoria da Rede Globo. Foi censurado na chefia de jornalismo, neste momento não houve interferência do governo, foi uma decisão da Globo".
DISCUSSÃO:
Ficou aqui evidenciada a ação tendenciosa da Rede Globo, pela manipulação dos fatos jornalísticos com fins nitidamente ideológicos, ou seja, com o objetivo de sustentar relações de poder assimétricas. O modus operandi da ideologia saliente neste episódio é o da dissimulação, ou seja, o uso de formas simbólicas para ocultar, negar ou obscurecer as relações de poder e os processos em curso. Pode-se identificar ainda, dentro deste modo de operação, a estratégia do deslocamento, pois a manipulação é concebida no sentido de formar um contexto orientado numa determinada direção ( os interesses patronais), bem como a estratégia da eufemização, pois aqui as relações sociais são descritas com a intenção de despertar uma valorização positiva de um dos lados envolvidos ( para angariar a simpatia do público pelos interesses patronais).
SEGUNDO EPISÓDIO: CANDIDATURA DE BRIZOLA AO GOVERNO DO RIO DE JANEIRO
O EPISÓDIO:
Em 1982, Leonel Brizola, recém retornado do exílio, candidata-se ao governo do Rio de Janeiro e, junto com ele, um candidato da ditadura militar. Luiz Carlos Cabral, produtor de notícias da TV Globo - RJ afirma que a Globo, antes das eleições, estava lendo de maneira distorcida os resultados das pesquisas do IBOPE. As estações de rádio, TV e os jornais de Roberto Marinho haviam previsto que Brizola iria perder a eleição. Poucos no Rio acreditavam que isso pudesse acontecer. Houve hostilidade nas ruas em relação às equipes da Globo. Informa ainda Cabral que, após a votação, houve por parte do aparelho repressor uma tentativa de fraudar o voto popular. Os conspiradores haviam alterado os programas oficiais dos computadores, para projetar uma derrota de Brizola e a vitória do candidato militar. Planejaram roubar as urnas cheias de votos para Brizola, no sentido de garantir sua derrota. Estava acertado que a Rede Globo condicionaria a população a aceitar o resultado. A conspiração foi descoberta e Brizola foi eleito.
DISCUSSÃO:
A manipulação dos resultados das pesquisas para prever a derrota de Brizola mostra claramente a linha ideológica da Rede Globo. Ainda aqui, o modo de operação da ideologia é o da dissimulação, pela ocultação dos fatos reais e por desviar a atenção do público para outras realidades. A ditadura militar, com a colaboração da Globo, pretendeu negar o verdadeiro resultado da eleição, com o que garantiriam a continuidade do poder das classes dominantes.
TERCEIRO EPISÓDIO: O MOVIMENTO DAS "DIRETAS-JÁ"
O EPISÓDIO:
A Rede Globo ingnorou, durante largo tempo, o movimento popular em favor das eleições diretas no Brasil. Porém, em um dos comícios realizados em São Paulo, com enorme adesão popular, sentiu-se constrangida a registrá-lo, apesar de tê-lo feito de forma tendenciosa: em meio a uma extensa reportagem sobre o aniversário da cidade, o comício pelas diretas já aparece como uma das manifestações, apenas, com uma breve referência: ( apresentador do Jornal Nacional ) "Festa em são Paulo, a cidade comemora seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior delas foi um comício na praça da Sé". Enquanto a Rede Globo tentava minimizar as manifestações, cinegrafistas amadores registravam mais de um milhão de pessoas nas ruas exigindo eleições diretas.
DISCUSSÃO
Além do modo de operação através da dissimulação, típica das manipulações das informações no mundo moderno, podemos identificar a estratégia tropo na forma sinédoque, quando se tenta diluir no conjunto das manifestações pelo aniversário da cidade, uma manifestação diferente e com outro objetivo, e sem dúvida de muito maior importância, como foi o caso da manifestação popular pelas "Diretas já". Fez também a troca de imagens - fala da missa, porém mostra a imagem da multidão no comício pelas "Diretas já".
QUARTO EPISÓDIO: AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS 1989
O EPISÓDIO:
Nos conturbados momentos que antecederam a eleição direta de 1989, a primeira depois de longos anos de ditadura militar, são destacados vários fatos.
A Rede Globo começara, já há algum tempo ( desde 1987) a apresentar ao país a até então obscura figura de Fernando Collor, governador do Estado de Alagoas. É fácil pensar-se aqui na estratégia da eufemização, pois Collor era representado positivamente como o "caçador de marajás", que resolvera o problema em seu estado ( o que estava bastante distante da realidade). Alguns fatos são apresentados no vídeo para justificar esta aliança Collor-Rede Globo. Por exemplo: em 1975, quando Lula ainda presidia o Sindicato dos Metalúrgicos no ABC paulista, Collor oferecia uma festa no Rio de Janeiro para cinco mil convidados. Era sua festa de casamento com a filha de um milionário, sócio de Roberto Marinho.
Lula e Collor vão para o segundo turno da eleição presidencial. A TV Globo organiza dois debates. Lula claramente ganha o primeiro. O segundo debate ocorreu três dias antes da eleição. No dia seguinte, a Globo apresenta um resumo montado para eleger Collor e deter Lula. Apresentou também, na mesma edição do Jornal Nacional, o resultado de uma "pesquisa telefônica" realizada durante o debate. Porém, a empresa que fez a pesquisa era a mesma que foi responsável pela construção da imagem eleitoral de Collor.
Sobre este fato, declara Armando Rollemberg, então presidente da União dos Jornalistas: "Foi um flagrante, um atentado à ética jornalista. Uma manipulação desavergonhada, sem vergonha". Na opinião de Gabriel Priolli, Lula perdeu a eleição por suas fragilidades, mas "não se admite, numa televisão democrática, numa sociedade democrática, uma manipulação tão grotesca, tão grosseira como foi feita naquele momento pela Globo".
Por protestarem contra o episódio, Armando Nogueira, diretor de jornalismo, e Vianei Pinheiro, supervisor editorial, foram demitidos pela emissora ( leia-se Roberto Marinho). Assumiu no lugar de Nogueira, Alberico Souza Cruz, o responsável pela edição resumida do debate.
No resumo do debate, é importante destacar a fala de Collor. Ele conclama a população brasileira a unir-se a ele e "dizer um não definitivo à bagunça, à baderna, à desordem, ao caos, ao totalitarismo, à bandeira vermelha, e dizer um sim à nossa bandeira, a bandeira do Brasil, verde, amarela, azul e branca, esta aqui ( aponta para o próprio peito onde há um botão com a bandeira brasileira).
DISCUSSÃO:
Mas uma vez podemos identificar aqui a dissimulação, pois ao distorcer e ocultar a realidade, aparece as estratégias de deslocamento e eufemização: trata-se de apresentar os fatos de uma maneira que crie uma atmosfera favorável à Collor. Aparece sugestivamente também na fala do Collor, editada pela Globo, a fragmentação na estratégia expurgo do outro, no momento em que se procura transmitir uma imagem ameaçadora de Lula, como representante da bagunça, do autoritarismo, da bandeira vermelha. Collor é apresentado como símbolo unificador dos interesses nacionais.
CONCLUSÕES
Os episódios aqui enfocados, apresentados no vídeo "Muito Além do Cidadão Kane", representam apenas algumas das incontáveis ocasiões em que a Rede Globo e seu proprietário, Roberto Marinho, empregaram o poder de que dispõem para manipular consciências em benefícios das classes dominantes. Apesar de sua evidência inesmentível e de sua clareza meridiana, pouco se fala a respeito, e as consequências para os manipuladores foram insignificantes. O próprio vídeo em questão é quase clandestino, tão pouco é conhecido. A intenção deste trabalho foi demonstrar que nós, cientistas sociais, não podemos nos reduzir à clausura da academia, à torre de marfim do conhecimento "isento" ou "neutro". Podemos e devemos levar nosso instrumental teórico ao confronto com a prática social, denunciando a manipulação da informação pelas classes dominantes. O referencial teórico construído por Thompson dá uma excelente demonstração de como isso pode ser feito, pois rejeita a pretensa "neutralidade" e permite tocar fundo no nervo exposto dos processos sociais capitalistas: a manipulação ideológica que mantém a dominação da maioria.Tal foi o modesto objetivo deste trabalho, qual seja, jogar um pouco mais de luz sobre os processos ocultos que dão substância e essa manipulação ideológica.
Os autores desejam salientar ainda, aliás, como também faz Thompson, que os comentários e as tipificações encontradas para as formas simbólicas analisadas são apenas uma referência, ainda incompleta e certamente inconclusa, da enorme gama de possibilidades de análise de fatos sociais como os aqui discutidos. Obviamente os modos de ação da ideologia são por demais complexos para serem esgotados em tão pouco espaço. Muitas outras conclusões e ensinamentos podem ser retirados das circunstâncias em tela, sendo nosso trabalho apenas um incentivo à discussão e ao debate sobre as desigualdades sociais e as formas como são apresentadas a um público cuja capacidade de perceber criticamente é ainda, no mínimo, uma incógnita.
Parece existir, por trás da ideologia da Rede Globo, a do próprio sr. Marinho em defesa de seus próprios interesses. Hoje o sistema dominante é de direita e ele o serve, amanhã poderá ser de esquerda e ele o servirá. O cerne dessa "adaptabilidade", é a garantia da manutenção de seus interesses individualistas. Como acertadamente evidencia Hobsbawn (1996) haver no nosso século a predominância de valores de um individualismo associal absoluto. Este individualismo selvagem condiz com o Zeitgeist da pós-modernidade, parecendo existir uma fragmentação da identidade do ser humano, sendo esta substituída pela capacidade de poder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Althusser,L. (1980). Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal.
Guareschi,P.A. (1987). Comunicação e Poder - a presença e o papel dos meios de
comunicação de massa estrangeiros na américa Latina. Petrópolis: Vozes.
Hobsbawm,E. (1996). Era dos Extremos - o breve século XX 1914 - 1991. São
Paulo. Companhia das Letras.
Mattelart,M. & Mattelart A. (1989). O Carnaval das Imagens - a ficção na TV. São Paulo:Brasiliense.
Santos,B.S. (1996). Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez.
Thompson,J.B. (1995a). Ideologia e Cultura Moderna - Teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes.
Thompson,J.B. (1995b). The Media and Modernity - a social theory of the media.
Cambridge: Polity Press.