OPINIÃO - Preparando-se para viver no caos - ( Walther Hermann *)
 
     

No prazo máximo de vinte anos não haverá mais mercado para escolas de línguas. Todos terão o conhecimento disponível nos canais de televisão digital.

Era uma vez uma era de grandes transformações. Muitos profetas desta época diziam que tudo iria mudar, que seria preciso se adequar aos novos tempos e às profundas mudanças. De forma bastante variada, parecia que todos eles diziam as mesmas coisas: "Tudo tem que mudar para se adaptar às novas transformações... " Porém, nunca ninguém sabia dizer como mudar ou se adaptar ao novo. Os chineses, já naquela época, diziam que crise e oportunidade eram dois lados da mesma moeda! Mas, enquanto o tempo passava, poucos conseguiam entender aquela mensagem enigmática dos orientais.

Tantas e tantas mudanças. Progressivamente os profissionais começam a estabelecer seus escritórios personalizados em casa – acompanhando tendências mundiais, muitas vezes decorrentes dos processos de terceirizações e quarteirizações, de "telecommuting" (trabalho em casa) e "homebased business" (negócio próprio em casa). O mais surpreendente é que muitos dos grandes gênios profissionais não atuam em suas áreas de formação acadêmica (atualmente, nem mesmo a formação superior garante sucesso). Quase 2% dos mendigos na rua têm nível educacional de 3º grau!

Era uma vez uma época na qual garotos de catorze ou dezesseis anos, "experts" em informática, cobravam até mais de 100 dólares por hora de trabalho para consertar ou resolver problemas de computação, fosse em casas ou em escritórios. O caos parecia ter se instalado. Qualquer empresa, cujo diretor de informática, segundo um conhecido "guru" dos negócios da época, tivesse mais que doze anos de idade, estaria desperdiçando recursos! De fato, os indivíduos daquela época viviam um período de profundas transformações. Antigas leis e normas de comportamento já não serviam mais.

Alguns alucinados chegavam a afirmar que a abundância aumentaria o valor dos bens (uma possível negação implícita à lei da oferta e da procura): quando mais pessoas tivessem um aparelho de fac-símile (fax), maior seria a importância de se ter um; ou, quanto mais pessoas plugadas nas "world nets", mais valioso seria também estar. Pior que isso, alguns chegavam ao cúmulo de dizer que o nosso presente era conseqüência do futuro!

Sou profissional da área de educação e percebo algumas distorções bastante curiosas neste segmento: conheço professores que recebem um salário de aproximadamente 500 dólares por mês com jornada integral de trabalho. Também conheço profissionais ("professores") que ganham 2 mil dólares por dia de trabalho. E existem aqueles professores, consultores chamados de "papas da administração", que recebem até 80 mil dólares por dia de trabalho. Qual é a diferença entre eles? Algumas vezes tenho a impressão de que uns "vendem" coisas que as pessoas não querem mais ou não consideram importante, enquanto outros oferecem aquilo que todos querem ou necessitam – porém ainda não estou certo destas conclusões.

Mas estou certo de um fato: cada vez mais, os bens intangíveis (conhecimento, por exemplo, representa os tesouros de nossa época – o "ouro sem peso") valem progressivamente mais que os bens tangíveis (produtos, coisas materiais). Cada vez valem mais a habilidade de orientação, auto-organização, discernimento, flexibilidade, criatividade e a capacidade de aprender. Sim, posso perguntar: "Qual é a diferença entre aquelas pessoas que criam ou descobrem coisas valiosas e aquelas que não obtêm estes resultados?" Até parece que alguns possuem um certo "faro", uma certa intuição ou, se você preferir, "sorte" de perceber o que outros não percebem!

Meu principal campo de pesquisa e estudo é a aprendizagem inconsciente e a educação. Uma área específica está na aprendizagem de línguas estrangeiras. Nesta região do conhecimento me deparo com algumas contradições. E elas ficaram evidentes para mim por ter construído uma metodologia nova de aprendizagem de idiomas. Muitos de nós conhecemos alguém que tenha a chamada grande facilidade para aprender línguas estrangeiras: pessoas que aprendem naturalmente, sem esforço, ou mesmo aqueles que são capazes de aprender uma nova língua em apenas seis meses ou um ano. Questão de capacidade ou necessidade?

Todos nós também já ouvimos falar que, talvez, seja mais difícil aprender a primeira língua estrangeira, mas, aprender a segunda, terceira ou quarta se torna progressivamente mais simples. Cada vez mais fácil! Então, o que é que as pessoas sabem ou aprendem além do novo idioma que torna as próximas aprendizagens mais e mais fáceis? Elas aprendem a aprender! Elas apreendem o que é importante. Aprendem a selecionar o significativo e descartar o insignificante.

Desenvolvem discernimento, ativam a concentração, resgatam a curiosidade natural, organizam a memória e acreditam que é impossível falhar. Mesmo num mundo caótico e poluído de informações. Pense bem. Todos consideram que a melhor forma de aprender uma nova língua é mudar-se para o país de origem deste idioma. Perceba que contradição: neste lugar, o aprendizado é extremamente caótico, não existe a necessidade de entender gramática, não existem simplificações nem análises de significados: apenas a exposição continuada e integral à sonoridade e às repetições de sons próprios de cada idioma.

Se você me perguntar por que contradição, eu responderei que quase todos os sistemas de aprendizagem de idiomas (métodos e escolas de línguas) constróem um processo analítico de comunicação e expressão verbal, mantendo a convicção de que a única forma de aprender é através do intelecto, lógica e linearmente. Desconfie. Eles estão subestimando exageradamente as nossas competências de aprendizagem inconscientes. Consensualmente, a melhor forma de aprender é se expor ao aparente caos de permanecer alguns meses no país estrangeiro, enquanto isso as escolas oferecem sistemas organizados: esquisito, não é?

Existe, no mercado, um filme de treinamento gerencial no qual Joel Barker (autor americano) conta a estória de um homem que, dirigindo seu carro em uma estrada de terra, ao desviar de um acidente, escutou uma mulher gritando "porco"... para ele. Imediatamente retrucou: "Vaca"! Ao contornar a próxima curva, ainda sentindo-se injustiçado pelo insulto, atropelou um porco! A mulher? Ela somente queria avisá-lo de um perigo do qual desviara com bastante dificuldade e, com o carro ainda meio desgovernado, quase causara um acidente com o rapaz.

Finalmente, graças à tecnologia (TV a cabo, multimídia, teleconferência etc.), é simples concluir que as nossas motivações de aprender e conhecer serão cada vez mais influenciadas pelas profundas transformações culturais e que, invariavelmente, conhecimento e informação estarão cada vez mais disponíveis e democratizados para quem souber buscá-los e encontrá-los. Digo isto por acreditar que no prazo máximo de vinte anos não haverá mais mercado para escolas de línguas! Haverá, sim, espaço para as pessoas aprenderem a aprender. Mas todos terão o conhecimento disponível nos canais de televisão digital. E, sabe-se lá, ainda, o que mais vem por aí! Não obstante, os computadores e tradutores eletrônicos pessoais e a realidade virtual permitirão que as mais fantasiosas cenas de filmes de ficção científica se tornem realidade!

* Walther Hermann é educador, escritor e diretor do Instituto do Desenvolvimento do Potencial Humano.

RH EM SÍNTESE 29 JULHO/AGOSTO 1999 – ANO V – PÁGINAS 43 E 44

     

 

 
     
 
     
 
         
         
 
 
 
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