Sonetos
de Shakespeare
Fabrício
Souza
O objetivo deste trabalho é fazer um exercício de tradução
de alguns sonetos de Shakespeare e
cotejar a tradução proposta com algumas
já existentes, destacando os prós
e contras de cada tradução. As traduções
que serviram de base para a análise
são a de Ivo Barroso e a de Jorge
Wanderley.
O texto original dos sonetos sobre discussão, bem como
a tradução proposta e as traduções
de Ivo Barroso e de Jorge Wanderley
encontram-se no final deste trabalho.
Na discussão a seguir supõe-se a leitura
do original e de todas estas traduções.
No estudo das traduções procuramos avaliar aspectos
tais como:
· a fidelidade
às idéias do soneto original e de
cada um de seus versos
· a manutenção
das esquema rítmico
· a qualidade
das rimas
· a naturalidade/adequação da tradução do Inglês para o Português
· a manutenção
de alguns efeitos específicos do original
inglês
· avaliação
do soneto como um todo: valor estético
e sua sonoridade
O esquema rítmico adotado nos sonetos de Shakespeare
é bem uniforme, sendo da forma “ababcdcdefefgg”,
mantida ao longo de seus mais de 150
sonetos (A única exceção é o Soneto
CXXVI). Assim parece-nos uma característica
importante procurarmos manter nas
traduções o mesmo esquema rítmico.
Uma outra característica do soneto é o destaque dado
aos dois últimos versos. Até visualmente
eles se destacam, devido à diferença
de tabulação. Outros pontos de interesses:
são os únicos em que a rima acontece em dois versos consecutivos
é comum o uso dos dois pontos para destacar/isolar
os dois versos finais ou mesmo apenas
o último em geral a rima nestes versos
acontece em monossílabos ou com a
última sílaba tônica
Assim nos parece interessante procurar manter também
esta característica na tradução proposta.
Um outro ponto de interesse seria qual métrica utilizar.
Parece-nos que pela característica
da métrica original e pela relativa
coloquialidade
do original inglês, a métrica em dodecassílabos
seria a mais adequada, permitindo-se
mais facilmente a manutenção das características
do original. Já a métrica em decassílabos
obriga a um certo “enxugamento” do
conteúdo dos versos originais: é difícil
para cada verso traduzir todo o conteúdo
do original, que se aproveita da métrica
menos restrita, do uso de contrações
(mais comuns no inglês), de um certo
poder expressivo do inglês que parece
permitir que mais coisas seja ditas
com menos fonemas, e é claro do talento de Shakespeare.
Apesar destes fatores, preferimos
na tradução proposta adotar a forma
do decassílabo, já que esta forma
é a consagrada na língua portuguesa
para sonetos pela sua sonoridade,
é a adotada na maioria das traduções
e desta maneira (o que é lúdico) o
desafio da tradução fica maior e mais
interessante. Um outro aspecto de
interesse é que deste modo as
traduções cotejadas são todas em decassílabos,
o que nos parece mais adequado para
os objetivos deste exercício.
Passemos agora para a análise das traduções segundo
cada um dos aspectos destacados acima.
Soneto I:
A fidelidade às idéias do soneto original e de cada
um de seus versos
Analisando o soneto original, vemos que o primeiro verso
não é tão claro em expressar qual
o desejo do poeta (que Southampton tenha filhos para preservar sua beleza). O 1o.
verso tem
uma certa ambigüidade que só no 4o.
verso se
explicita: só o herdeiro permite que
a beleza do mais velho sobreviva.
Deste modo preferimos na tradução
proposta manter esta estrutura do
original (o primeiro verso ficando:
“ao mais raro desejamos que cresça”,
ao invés de explicitar o significado
deste verso como nas duas outras traduções:
“Dos raros, desejamos descendência”,
“Dos seres ímpares ansiamos prole”.
Analisemos em especial a tradução dos dois últimos versos,
de difícil realização em decassílabos.
Wanderley consegue capturar
todo o sentido do original: “Doa-te
ao mundo ou come com fartura O que
lhe deves, tu e a sepultura”. Perde-se
apenas a pontuação e na sonoridade
do original (rima em monossílabos/sílaba
tônica).
Já a tradução de Ivo Barroso para estes dois versos
é menos fiel,
perde em sonoridade
e entendimento, precisa mudar a pontuação
e continuar o primeiro verso no verso
seguinte: “Piedade, senão ides, tu
e o fundo Do chão, comer o que é devido
ao mundo.”.
Na nossa tradução preferimos buscar a sonoridade do
original (rima em monossílabos) e
manter a estrutura de pontuação que
destaca os versos finais, mantendo-se
apenas as idéias principais do verso
original: “Apiede-se do mundo, ou
se é sem fé: Come o que do mundo por
direito é”.
Numa análise geral, verso a verso, a tradução de Jorge
Wanderley parece ser a mais fiel.
A manutenção das esquema rítmico
Todas as traduções mantém o esquema rítmico em “ababcdcdefefgg”.
A tradução de Wanderley muda o ritmo do original, na
passagem do 3o. para
o 4o. verso: inicia uma idéia no 3o verso (“sua essência”)
que continua no 4o verso
(“fique no herdeiro”). Em geral em Shakespeare não ocorre este tipo
de passagem de um verso para o outro.
As traduções para decassílabos usam
este recurso para conseguir exprimir
uma idéia que não “cabe” em um único
verso. Contudo esta quebra é muito
bem feita por Wanderley, não
comprometendo o efeito rítmico do
soneto. Já na tradução de Barroso
temos esta quebra nos 2
últimos versos: “eu e o fundo do chão”.
Mas neste caso a quebra parece prejudicar
o efeito sonoro que temos no original.
Procuramos na tradução proposta não
fazer este tipo de “passagem” de um
verso para outro.
A questão sobre a manutenção da estrutura de rimas dos
dois versos finais (rima na última
sílaba tônica) já foi discutida no
item anterior.
A
qualidade das rimas
Em todas as traduções, as rimas são bem feitas. Quase
todas as rimas são em 3 ou mais fonemas,
o que preserva a sonoridade do original
inglês. Assim temos com 3
ou mais fonemas
em Wanderley: desendência/essência,
beleza/acesa,
alias/havia,
consomes/nome, ornamento/suprimento,
fartura/sepultura
Em Barroso: extinga/vinga,
contrais/jaz, energias/crucias,
natureza/avareza, fundo/mundo
Na tradução proposta: cresça/apodresça,
morra/ocorra,
atenta/assenta,
ornamento/contentamento,
mensageiro/dinheiro
O fonema “s” no final é ignorado para efeito de rimas
nas traduções de Wanderley (alias/havia,
consomes,/nome, ornamento/suprimentos),
o que é aceitável em Português, especialmente
nas sílabas átonas finais. De qualquer
modo evitamos este recurso na tradução
proposta. Ivo Barroso rima fonemas
próximos: prole/colhe.
Parece também razoável já que Shakespeare
também faz isto no original (não nos
aprofundaremos sobre esta questão
neste trabalho). Também procuramos
evitar a utilização deste recurso
na tradução proposta.
Um problema da tradução proposta é que a maior parte
das rimas é feita com verbos, merecendo
talvez por isto um retrabalho.
A
naturalidade/adequação
da tradução do Inglês para o Português
Um ponto a se discutir é a tradução de “contracted” por “contrais” em Barroso: “mas tu, que só com
os olhos teus contrais”. O verso parece
ficar estranho em Português. Talvez
o uso de “contais” seria mais natura,
mantendo a idéia do original de referência
à Narciso, como nas outras traduções:
“Mas tu, que só ao teu olhar te alias”,
“Mas tu, que só aos teus olhos atenta”.
Um outro ponto é a tradução de “content”
por “suprimento” em Wanderley. No
contexto o verso original parece ressaltar
o desperdício de Southampton,
que ao desperdiçar seu tempo e seu
sêmen (“botão” parece fazer uma certa
referência à
sêmen), perde a chance de ter seu
herdeiro, o que seria sua real chance
de felicidade, de contentamento. Assim
parece-nos mais adequada a
tradução de content
por algo como “satisfação”, ao invés
de “suprimento”, idéia mantida nas
outra traduções: “Matas o teu prazer
inda em botão”, “Enterra em botão
teu contentamento”.
A
manutenção de alguns efeitos específicos
do original inglês
A tradução de Wanderley se preocupa em manter alguns
efeitos sonoros internos aos versos.
Assim temos a rima interna no 4o.
verso (heir/bear)
mantida em herdeiro/inteiro.
A Aliteração em “f” no verso 6 (feed/flame/fuel) é também mantida
na tradução (flama/fogo/fartura).
Barroso não tem esta preocupação.
Na tradução proposta a
aliteração para este verso é feita
em “t” (alimenta/ti/teu).
A forte aliteração em “t” do verso
5 do original
(but/thou/contracted/thine/bright) é mais reproduzida na tradução proposta (“tu/teus/atenta”). Barroso talvez tenha também tentado manter
este efeito (tu/teus/contrais).
Em relação às imagens invocadas temos alguns efeitos
interessantes.
Barroso introduz nos versos 4
e 5 as idéias de rosa e botão para
representar noções como “beleza”/“herdeiro”/”fugacidade
da vida”, recuperando palavras (rosa
e botão) que em verdade estão presentes
em outros versos. A “morte do maduro”(“riper decease”)
no original é apresentada como “a
rosa madura que o tempo colhe”. É
menos fiel ao original, mas introduz
interessantes efeitos.
Wanderley apresenta uma interessante imagem no verso
5: “mas tu, que só ao teu olhar te alias”. Engenhosamente destaca
o egoísmo de Southampton,
aproximando-o de Narciso. Na tradução
proposta temos um efeito interessante
no verso 3: “maduro/apodresça”.
Uma
avaliação geral do soneto como um
todo: valor estético e sua sonoridade
No geral a tradução de Wanderley parece conseguir o
melhor balanço: é muito fiel, recupera
alguns efeitos sonoros do original.
Alguns versos de destaque: “Dos raros,
desejamos descendência”, “E morto
o mais maduro, sua essência”.
A tradução de Ivo tem algumas belas imagens. Mas parece
pecar em alguns pontos, principalmente
nos dois últimos versos. O verso 7 também parece fraco “Tu, que do mundo é hoje o galardão”.
A tradução proposta parece perder nas imagens poéticas
evocadas, no uso de algumas palavras
prosaicas. O melhor verso parece ser:
“Enterra em botão teu contentamento”.
O mais fraco: “Desperdiça em acumular
dinheiro”.
Soneto XVII
A
fidelidade às idéias do soneto original
e de cada um de seus versos
Novamente a tradução de Wanderley é a mais fiel no conjunto
dos versos.
Novamente Barroso introduz imagens interessantes que
não estão presentes no original. No
verso 3 temos
“No entanto sabe o céu que eles são
muros”. Um muro que tampa uma metade
e mostra outra, uma imagem interessante
que não estava no original.
A
manutenção das esquema
rítmico
Sobre o esquema rítmico vemos que Barroso opta por mudar
o seguido no original. Em sua tradução
temos a seguinte forma: “abbacddceffegg”.
Parece-nos uma mudança substancial
já que Shakespeare, mesmo na única
variação em relação ao padrão “ababcdcdefefgg”,
o faz preferindo a forma “aabbccddeeff”,
aparentemente mais como uma brincadeira
lúdica.
Novamente em Barroso temos o recurso de continuar um
verso no verso seguinte (versos 10
e 11: “... e a teu ente
... chamem de pura exaltação
da mente”) , o que quebra o ritmo
natural de leitura do original.
Wanderley também faz esta quebra na tradução dos dois
versos finais, mas novamente de forma
engenhosa: (“Mas terás, se um teu
filho viver tanto, Dupla vida: no
filho e no meu canto.”).
Nos dois versos finais da tradução procuramos manter
a rima na última sílaba tônica (então/canção),
ao contrário das duas outras traduções
(tanto/canto).
Este recurso de continuidade de um verso no verso seguinte
é repetido nos versos 4
e 5, desta vez provocando uma certa
quebra no ritmo natural (“... e só
a metade ... dizem de ti”).
A
qualidade das rimas
Novamente a qualidade das rimas se destaca,. Assim temos com 3 ou mais fonemas
em Wanderley: qualidades/metade,
somente/mente,
cantasse/face,
desbotados/deixados,
falastrões/refrões,
tanto/canto
Em Barroso: há-de/metade,
puros/muros, emana/humana, medira/mentira, fanado/passado,
ente/mente, tanto/canto
Na tradução proposta: futura/impura,
verdade/metade,
brilhante/mente,
enumerasce/face,
amarelecidos/perdidos,
caduco/maluco
A
naturalidade/adequação
da tradução do Inglês para o Português
Em Barroso temos algumas inversões menos naturais: verso
1 (no final,
“quem há-de”)
A
manutenção de alguns efeitos específicos
do original inglês
A se destacar no original, verso 6,
o jogo de palavras: “numbers
number”.
A tradução de Wanderley não procura
reproduzir este efeito, o que já acontece
na tradução de Barroso (“Teus dons
em nova métrica medira”) e na tradução
proposta (“E em números sua graça
enumerasce”).
Novamente no verso 8
do original temos o mesmo efeito (“touches
ne’er touched”) e a oposição “heavenly/earthly”.
A tradução de Wanderley mantém a oposição
mas não o jogo de palavras
(“Que o céu não toca assim humana
face”). A tradução de Barroso opta
por manter o jogo de palavras (“Tais
tratos não retratam face humana”),
o que é interessante já que assim
mantém-se jogo de palavra nos dois
versos (6
e 8). A tradução proposta recuperar
parcialmente o jogo de palavras (“Tais
tons nunca tingiriam face humana”).
Um outro ponto de interesse é o uso do tratamento em
2a pessoa de todas as traduções.
No soneto original, ao contrário dos
demais, Southampton
é tratado em terceira pessoa. É um
fato integrante, já que nos outros
sonetos isto não ocorre. As traduções
optaram por manter o tratamento em
segunda pessoa, o que deixa mais claro
a tradução. Seguimos também este princípio
na tradução proposta.
Avaliação
do soneto como um todo: valor estético
e sua sonoridade
Numa avaliação geral vemos que Wanderley mantém a tradução
correta, mas com menos versos de destaque.
Uma boa solução encontramos nos 2
versos finais, como já discutido acima.
Em Barroso o primeiro verso parece fraco, em função
da inversão feita para manter a rima
(“Um dia crer nos versos meus quem
há-de”). A imagem do muro, presente no 3o. Verso, se destaca. O melhor verso: “Tais tratos não retratam face
humana”.
Na tradução proposta uma interessante nuance é introduzida
em relação ao original,
na invocação de imagens relacionados
à pintura e cores: “Se eu pudesse
pintar teu olhar brilhante”, “Tais
tons nunca tingiriam humana face”.
O melhor verso: “e em número tuas
graças enumerasce”,
“tais tons nunca tingiriam humana
face”. Mas o verso 12 é fraco e precisaria
ser retrabalhado “Exageros em verso de um maluco”.
No geral a tradução proposta para este soneto parece
melhor que a proposta para o Soneto
I, ainda que necessite de retrabalho.
Discussão sobre algumas rimas:
Soneto I, versos 2o. e
4o: die,
memory (ver
tb Soneto
CXXII)
Soneto XVII, versos 1o. e
3o: come, tomb
(ver tb
Soneto CVII come, doom)
Soneto XCIII, versos 1o. e 3o: true, new (ver tb. Soneto LXXXVI, you, grew)
Soneto CV: versos 1o. e
3o: idolatry,
be
Soneto CXIV, versos 2o. e
4o: flattery,
alchemy
Soneto CXXV, versos 1o. e
3o: canopy,
eternity
Soneto CXXXVI, versos 1o. e 3o: near, there
Soneto I
From fairest creatures
we desire increase
That thereby beauty’s rose might never die,
But as the riper
should by time decease
His tender heir might
bear his memory:
But thou, contracted
to thine
own bright eyes,
Feed’st thy light’s flame
with self-substancial
fuel,
Making a famine where
abundance lies,
Thyself
thy foe, to thy sweet self too cruel.
Thou that art now
the world’s
fresh ornament
And only herald to
the gaudy spring,
Within thine own bud buriest thy content
And, tender churl,
mak’st waste
in niggarding.
Pity the wold,
or else this glutton be:
To eat the world’s due, by the grave and
thee.
Tradução: Jorge Wanderley
Dos raros, desejamos descendência,
Que assim não finde a rosa da beleza,
E morto o mais maduro, sua essência
Fique no herdeiro, por inteiro acesa.
Mas tu, que só ao teu olhar te alias,
Em flama própria ao fogo te consomes
Criando a fome onde fartura havia,
Rival perverso de teu próprio nome.
Tu que és do mundo o mais fino ornamento
E a primavera vens anunciar,
Enterras em botão teus suprimentos:
- Doce avareza, estróina em se poupar.
Doa-te ao mundo ou come com fartura
O que lhe deves, tu e a sepultura
Tradução: Ivo Barroso
Dos seres ímpares ansiamos prole
Para que a flor do belo não extinga,
E se a rosa madura o Tempo colhe,
Fresco botão sua memória vinga.
Mas tu, que só com os olhos teus contrais,
Nutres o ardor com as próprias energias
Causando fome onde a abundância jaz,
Cruel rival, que o próprio ser crucias.
Tu, que do mundo és hoje o galardão,
Arauto da festiva Natureza,
Matas o teu prazer inda em botão
E, sovina, esperdiças na avareza.
Piedade,
senão ides, tu e o fundo
Do chão,
comer o que é devido ao mundo.
Tradução proposta:
Ao mais raro desejamos que cresça
Que a rosa da beleza nunca morra
Mas o fim do maduro é que apodresça
Só o doce herdeiro evita que isto ocorra
Mas tu, que só aos teus olhares atenta
Alimenta a ti com teu próprio ser
Passando fome onde abundância assenta
A ti mesmo hostil sendo sem saber.
Tu que já do mundo é fresco ornamento
Da primavera único mensageiro
Enterra em botão teu contentamento
Desperdiça em acumular dinheiro.
Apiede-se
do mundo, ou se é sem fé:
Come o que
do mundo por direito é.
Soneto XVII
Who will believe
my verse in time to come
If
it were filled with your most high
deserts?
Though yet heaven
knows it is but as a tomb
Which
hides your life and shows not half
your parts.
If I could write
the beauty of your eyes
And in fresh numbers
number all your graces,
The age to come would
say, `This
poet lies:
Such heavenly touches
ne’er touched earthly faces.’
So should my papers,
yellowed with their age,
Be scorned like old
men of less truth than tongue,
And your true rights
be termed a poet’s rage
And stretched metre of na
antigue
song:
But were some child of yours alive that time,
You should live twice, in it and in my rhyme.
Tradução: Jorge Wanderley
Quem crerá nos meus versos algum dia,
Se tanto louvam tuas qualidades?
Mas sabe o céu que são a tumba fria
A te esconder a vida e só a metade
Dizem de ti. Se teus olhos, somente,
Ou tuas graças todas eu cantasse,
O futuro diria: “O poeta mente,
Que o céu não toca assim humana face.”
E então os meus papéis já desbotados
Seriam - como velhos falastrões -
Encarnecidos e os teus dons deixados
No esquecimento de banais refrões:
Mas terás,
se um teu filho viver tanto,
Dupla vida:
no filho e no meu canto.
Tradução: Ivo Barroso
Um dia crer nos versos meus quem há-de
Se eu neles derramar teus dons mais puros?
No entanto sabe o céu que eles
são muros
Que a tua vida ocultam por
metade.
Dissera o que de teu olhar emana,
Teus dons em nova métrica medira,
Que acharia o porvir então: “Mentira!
Tais tratos não retratam face humana.”
Que mofem pois deste papel
fanado
Qual de velhos loquazes, e a teu ente
Chamem de pura exaltação da mente
E a meu verso exageros do passado.
Mas se chegar
a tua estirpe a tanto,
Em dobro
hás-de viver: nela e em meu canto.
Tradução proposta:
Quem crerá em meu verso na era futura
Se ele é cheio de tua mais alta verdade
Mas ainda assim é amostra impura
Que de tua vida mostra só a metade.
Se eu pudesse pintar teu olhar brilhante
E em números tuas graças enumerasse
A era futura diria: o poeta mente
Tais tons nunca tingiriam humana face
Então, meus papéis amarelecidos
Seriam tratados como de um caduco
Tributos vão de furores perdidos
Exageros em versos de um maluco
Mas se ainda
algum dos teus vivesse então
Viveria duas
vezes, nele e em canção
Bibliografia
SHAKESPEARE,
William. “30 Notetos”.
Tradução: Ivo Barroso. 1991. Editora
Nova Fronteira.
_______________.
“Sonetos”. Tradução: Jorge Wanderley.
2a. Edição. 1991. Civilização
Brasileira.
================================================
Fonte:
Unicamp - http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/s00001.htm