Livro
interativo limita capacidade de imaginação,
diz diretor da Feira de Frankfurt
MARINA LANG
Um
livro que fala, canta, tem ilustrações
animadas e tecnologia 3D. Há
dez anos essas características
seriam fantasia de filmes de ficção.
Mas, daqui a outros dez, elas devem
vigorar --e com a força total
de um mercado em expansão.
O
livro digital multimídia --que
compila outros atrativos além
da leitura trivial, como dublagem
e animações-- mal começou
a ser desenvolvido na rota do mercado
e, mesmo assim, já foi alvo
de críticas pela possível
subtração da capacidade
imagética dos leitores.
A
opinião é compartilhada
por Juergen Boos, diretor da Feira
do Livro de Frankfurt, um dos maiores
eventos mundiais voltados ao segmento,
que ocorre anualmente na Alemanha.
Em
entrevista à Folha, Boos fala
da limitação que o e-livro
multimídia traz à imaginação
do leitor. Mas acrescenta: "para
livros profissionais ou de não-ficção,
isso pode ser uma tremenda vantagem".
Emmanuel Raab/Frankfurter Buchmesse
Juergen Boos, diretor da Feira de
Frankfurt; livro interativo vai limitar
capacidade de imaginação,
considera ele
FOLHA - Pesquisas recentes mostram
que o leitor não quer pagar
por conteúdo on-line, e que
até deixaria de ler algumas
publicações, caso elas
optassem por esse caminho. O que o
senhor pensa a respeito disso?
JUERGEN
BOOS - A cultura do gratuito que existe
on-line se tornou um problema existencial
para pessoas e instituições
que vivem da produção
e exploração da propriedade
intelectual. Consideramos nossa responsabilidade
transmitir o valor real da propriedade
intelectual para os usuários,
para que também haja uma disposição
de pagar por conteúdo on-line
em um futuro próximo.
Em
qualquer caso, é necessário
chegar a uma solução
o mais rápido possível,
em que tanto provedores de conteúdo
quanto usuários possam coexistir.
Isto
significa que editoras vão
ter que experimentar mais e mais modelos
com novo pagamento no futuro --por
exemplo, pay-per-view, publicidade
ou conteúdo exclusivo.
FOLHA
- Dentro dessa perspectiva, qual o
futuro dos direitos autorais no mercado
editorial?
BOOS
- Editoras do mundo todo estão
perdendo bilhões de dólares
em vendas devido à pirataria
--e a maior prioridade é o
controle deste problema, encontrando
uma solução que seja
adequada para editores e fornecedores
de conteúdos. A proteção
de conteúdo é sempre
central, independentemente do meio
ou a forma em que ele é transmitido.
FOLHA
- O senhor acha que o modelo Creative
Commons oferece um tipo de vantagem
financeira para a indústria
editorial?
BOOS
- O Creative Commons é uma
abordagem interessante, na minha opinião.
No passado, autores concediam seus
direitos à editora --e ela
tentava explorar toda a gama de direitos.
Hoje,
o autor concede os direitos de edição
da cópia de seu livro para
a editora de livros tradicionais,
os direitos de um audiobook a uma
editora de audiolivros, os direitos
de e-books para a Amazon ou outra
plataforma. Em outras palavras, o
negócio de direitos está
se tornando cada vez mais fragmentado.
Em
geral, o negócio está
produzindo mão-de-obra com
mais intensidade, e as partes envolvidas
devem conversar entre si com mais
frequência. Não faz muito
sentido a concessão de direitos
de uso diferentes para diferentes
conteúdos.
Mas
os editores, sem dúvida, vão
colher menos benefícios financeiros
a partir deste modelo; no lugar disso,
os autores vão ganhar vantagem.
FOLHA
- O que o senhor pensa sobre o iPad?
O que ele representa para o mercado
editorial?
BOOS
- O iPad é um dispositivo fascinante.
O que eu acho problemático,
no entanto, é o fato de que
se trata de um sistema fechado, que
não permite a troca com outros
sistemas.
Assim,
estou certo que muitos mais dispositivos
aparecerão no mercado nos próximos
meses, que serão comparáveis
ao [sistema do] iPad em termos das
suas funções de multimídia,
e que vão criar concorrência.
Em
princípio, não existem
limites para esse desenvolvimento,
e estou realmente ansioso para ver
quais os produtos que vão surgir
nos próximos meses.
FOLHA
- O senhor acredita no conceito dos
livros multimídia que incorporam
animação, gráficos,
narração e interatividade?
BOOS
- O e-book ainda está nas fases
iniciais de desenvolvimento, e oferece
inúmeras possibilidades.
A
integração de fotos,
animações e outros elementos
interativos será certamente
um aspecto que fará com que
esta mídia seja particularmente
atrativa no futuro.
FOLHA
- Dentro desse conceito, o senhor
crê que os leitores possam perder
sua capacidade de criar suas próprias
imagens e construção
narrativa na leitura de livros multimídia?
BOOS
- Quando eu leio um romance, a minha
imaginação embarca em
uma jornada. Eu imagino como um personagem
deve se parecer, a figura definida
do personagem e que tipo de voz que
ele ou ela possa ter.
Eu
fico total e completamente imerso
na história. O e-book multimídia
impõe limites para minha imaginação,
desde o início, porque eu sou
abastecido com imagens precisas.
Por
outro lado, para livros profissionais
ou de não-ficção,
isso pode ser uma tremenda vantagem.
Mas
espero sinceramente que a nossa capacidade
de explorar o poder de nossa imaginação,
como um resultado [da leitura], não
se perca por completo.
FOLHA
- Com dispositivos digitais, o custo
do livro reduz drasticamente. Sob
esta ótica, qual a perspectiva
para o mercado editorial?
BOOS
- Não ocorre, necessariamente,
a situação de que a
produção de um e-book
é substancialmente mais barata
do que um livro impresso. Sim, o processo
de impressão não faz
parte da equação, mas
o processo de produção
de um e-book é mais complexo,
pois ele deve ser preparado de forma
completamente diferente.
Acima
disso, na Alemanha existe o problema
adicional do preço fixo do
livro [a regulamentação
alemã exige que todos os livros,
digitais ou não, sejam vendidos
sob mesmo preço; descontos
são ilegais no país].
Exatamente
como os preços dos e-books
devem ser determinados já é
objeto de intenso debate na indústria.
FOLHA
- Existe a possibilidade de ocorrer
a supressão do livro impresso?
BOOS
- Quando o audiobook chegou no mercado,
as pessoas também pensaram
inicialmente que eles iriam substituir
os produtos impressos --mas eles se
revelaram complementares.
Estou
convencido de que o livro impresso
não morrerá, mas que
o livro eletrônico vai se tornar
um componente adicional e substancial
da nossa socialização
por meios de comunicação
--como foram antes o rádio,
a TV e a internet.
FOLHA
- Qual o panorama atual das vendas
de livros eletrônicos?
BOOS
- Um estudo recente sobre os e-readers
prevê que haverá cerca
de 50 modelos no mercado em 2010.
Com
base em estimativas conservadoras,
o número de leitores eletrônicos
vendidos na Alemanha, em meados de
2011, será em torno de 170
mil. E cerca de 65 mil livros eletrônicos
foram vendidos nos primeiros seis
meses de 2009 na Alemanha.
Os
números são simples.
A partir deles, podemos deduzir que
a demanda do cliente sobre a informação
está aumentando, mas a vontade
de comprar ainda é pequena.
No entanto, tudo pode mudar em breve.
Com relação ao Brasil,
infelizmente, não há
dados disponíveis no mercado.
Será muito interessante observar
o desenvolvimento desse mercado aí.
FOLHA
- O que o senhor pensa a respeito
da criação de um formato
padrão para arquivos de e-book?
BOOS
- Os usuários não querem
sistemas fechados --caso eles tenham
boas alternativas. Por isso acho que
um formato padrão e-book será
estabelecido a longo prazo --como
foi o caso da indústria da
música com o formato MP3, por
exemplo. Qual será esse formato
é algo que ainda está
sendo visto.