"O
pequeno príncipe": obra que contém
todo o pensamento e a "filosofia"
de Saint-Exupéry. (Reprodução)
Em
2000 celebrou-se o centenário do nascimento
de Antoine Saint-Exupéry, com atividades
que incluem exposições, sites da internet
e a reprodução das viagens que lembram
as rotas de navegação aérea que ele
ajudou a traçar. Sem dúvida este aviador,
tanto de guerra como civil, é um interessante
personagem da história, não só por
ser um pioneiro da aviação como porque,
paralelamente a essa ocupação, foi
um escritor de grande sensibilidade,
com uma delicada preocupação com o
sentido do humano e da existência.
Saint-Exupéry se transformou num dos
autores importantes da literatura
francesa e universal do século XX.
Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger
de Saint-Exupéry nasceu em 29 de junho
de 1900, em Lyon, França. Filho de
Jean-Marie Saint-Exupéry e Marie Boyer
de Fonscolombe, foi o terceiro de
cinco irmãos de uma família aristocrática
empobrecida. Seu pai morreu quando
Antoine tinha 4 anos e ele ficou sob
os cuidados de sua mãe. A situação
econômica da família nem sempre era
boa. Por isso, passou a infância entre
o Castelo da Molê, propriedade de
sua avó materna, e o castelo Saint-Maurice-de-Remens,
perto de Ambérieu, de sua tia. Desde
pequeno freqüentou escolas cristãs,
como o Colégio Notre Dame de Saint-Croix,
de jesuítas, onde o nível de exigência
e a disciplina rígida eram as características
fundamentais e às quais Antoine nunca
se adaptou completamente. Recebeu
muitos castigos por sua falta de interesse
nos estudos e pela desordem em que
mantinha sua carteira.
Na
infância e na vida adulta a imagem
de sua mãe ocupou um lugar fundamental.
A extrema sensibilidade para a arte
lhe foi inculcada por ela, que foi
um ser humano excepcional, amante
da pintura, da literatura e da música.
Acostumou os filhos, desde uma idade
tenra, a apreciarem obras de arte,
a lerem e a compreenderem a beleza
de uma melodia com o corpo e a alma.
Para Antoine, sua mãe sempre representou
uma imagem de paz, de calma, de apoio
incondicional até nos piores momentos,
como ele mesmo revelou em dezenas
de cartas dirigidas a ela.
Aos
16 anos Antoine descobriu a poesia
e se maravilhou com diferentes autores.
Escreveu alguns versos. Mas seu maior
sonho era fazer parte da Armada Francesa
e para isso precisava fazer um exame
difícil para entrar para a Escola
Naval. Em 1919 foi reprovado e seu
sonho se frustrou. Foi a primeira
grande desilusão de sua vida.
"Saint
E" o piloto
O entusiasmo de Antoine pelos aviões
começou durante sua estada no castelo
Saint-Maurice-de-Remens, perto do
qual havia um pequeno campo de aviação.
Saint-Exupéry se sentiu atraído pelo
ambiente de camaradagem que havia
entre os pilotos e mecânicos. Sempre
que podia ia para lá, para ver os
aviões decolarem ou aterrissarem e
para observar o trabalho que os mecânicos
faziam nas aeronaves. Depois de sucessivas
visitas ao campo de aviação, conseguiu
seu objetivo de ser convidado a fazer
um pequeno vôo, que o deixou maravilhado.
Este fato marcou o nascimento e o
fortalecimento de sua vocação para
a aviação.
Depois
do fracasso em entrar para a Escola
Naval e de um período sem objetivos
claros na vida, no qual desempenhou
diferentes atividades, foi chamado
a cumprir o serviço militar (2 de
abril de 1921). Com isso sua vida
tomaria um rumo definitivo. Alistou-se
no 2º regimento de Aviação de Caças
em Neuhof, perto de Estrasburgo. Na
primeira etapa, foi designado para
trabalhos em terra, o que o deixou
muito desiludido. Em carta a sua mãe
afirma: "Só você sabe como é grande
meu desejo de voar". Seu objetivo
de se tornar um piloto foi alcançado
depois de nove meses de instrução
(tomando aulas particulares), com
o que conseguiu se transformar em
piloto civil. No exército, fez seis
meses de instrução em Rabat, para
conseguir o diploma de piloto de guerra
e a patente de segundo-tenente.
Um
grave acidente pôs fim a sua primeira
etapa como piloto de guerra e, depois
de um período de recuperação, deu
início a sua fase como piloto civil.
Integrou-se à empresa aérea Latécoére,
que posteriormente se chamou "Empresa
Geral Aeropostal". Nessa empresa,
a influência de Didier Durant (chefe
da companhia) foi determinante, como
também a relação com outros pilotos
legendários da aviação, como Jean
Mermoz e Henri Guillaumet. "Saint
Ex", como era chamado por seus amigos,
realizou um importante trabalho como
piloto na Europa, no norte da África
(fazia a rota Paris-Dakar) e na América
do Sul, onde estabeleceu as primeiras
rotas aéreas entre o norte do Brasil
e Buenos Aires, e entre esta cidade
e Punta Arenas, no sul do Chile.
Uma
forte atração pelo risco levou Saint
Ex a realizar perigosas ações de resgate
de aviões da empresa que haviam caído
no deserto do Saara e a fazer diversas
tentativas para quebrar os recordes
de tempo de vôo entre Paris e Saigon
e entre Nova York e Punta Arenas (Terra
do Fogo). Nesta rota, sofreu um acidente
que quase lhe custou a vida e o deixou
fora da aviação por algum tempo.
Voltou à aviação quando começou a
segunda guerra mundial. Antoine se
colocou à disposição da força aérea
francesa, que o nomeou capitão, e
foi enviado para Toulouse, para finalmente
prestar serviços no esquadrão 2/33
de reconhecimento em Orconte, na província
de Champagne. Com o armistício assinado
pela França em 1940, Saint-Exupéry
se exilou nos Estados Unidos e, quando
este país ingressou na guerra, se
alistou sob o comando dos americanos,
disposto a pilotar os Lightning P-38.
Embora inicialmente proibido de voar
(por sua idade, muito acima do limite
permitido para esses aviões, e por
problemas físicos), usou de todas
as suas influências para superar a
proibição e, depois de sete semanas
de treinamento, pilotar o avião na
primeira das oito missões que realizou.
Sua
última missão de reconhecimento, sobre
Grenoble e Annecy, foi em 31 de julho
de 1944 às 8h45m da manhã. "Saint
Ex" não voltou à base. Em 3 de novembro,
em homenagem póstuma, recebeu as maiores
honras do exército.
Para
Antoine, voar era mais do que pilotar
um avião. Era também um momento de
meditação, um momento de reflexão.
Durante suas missões pensava sobre
a solidão, a amizade, o significado
da vida, a condição humana e a liberdade,
reflexões que se transformaram em
artigos e livros de grande sucesso.
Saint-Exupéry o escritor
A
obra de Antoine se caracteriza por
certos elementos em comum. Em obras
como O aviador (1926), Correio do
sul (1929), Vôo noturno (1931), Terra
de homens (1939) e Piloto de guerra
(1942), podemos perceber como a forte
influência da aviação e da guerra,
com seus personagens e situações,
marcou o interesse literário do escritor
francês. Da mesma forma, escreveu
uma série de artigos para diferentes
revistas e jornais franceses e estrangeiros
sobre diversos assuntos, como a guerra
civil espanhola e a ocupação alemã
da França. Mas uma de suas obras mais
divulgadas tem características diferentes
e especiais. O pequeno príncipe (1943)
nasceu durante o exílio de Saint Exupéry
nos Estados Unidos e para muitos que
conheciam a obra literária de Antoine
era difícil imaginar que um livro
assim fosse escrito por um homem de
ação.
O
pequeno príncipe é uma obra aparentemente
simples, mas apenas aparentemente.
É profunda e contém todo o pensamento
e a "filosofia" de Saint-Exupéry.
Apresenta personagens plenos de simbolismos:
o rei, o contador, o geômetra, a raposa,
a rosa, o adulto solitário e a serpente,
entre outros. O pequeno príncipe vivia
sozinho num planeta do tamanho de
uma casa que tinha três vulcões, dois
ativos e um extinto. Tinha também
uma flor, uma formosa flor de grande
beleza e igual orgulho. Foi o orgulho
da rosa que arruinou a tranqüilidade
do mundo do pequeno príncipe e o levou
a começar uma viagem que o trouxe
finalmente à Terra, onde encontrou
diversos personagens a partir dos
quais conseguiu descobrir o segredo
do que é realmente importante na vida.
É uma obra que nos mostra uma profunda
mudança de valores, que ensina como
nos equivocamos na avaliação das coisas
e das pessoas que nos rodeiam e como
esses julgamentos nos levam à solidão.
Nós nos entregamos a nossas preocupações
diárias, nos tornamos adultos de forma
definitiva e esquecemos a criança
que fomos.
Há
obras que, de alguma forma, são capazes
de transformar o leitor. Esta é uma
delas, que transmite também uma experiência
muito particular: não importa quantas
vezes lemos O pequeno príncipe, sempre
nos deparamos com um livro "diferente",
no qual descobrimos um dado inédito
e do qual retiramos mais um ensinamento
que nos convida a viver de uma forma
nova e melhor.
Fonte:
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