por
Jeffrey Nyquist em 06 de junho
de 2006
Resumo:
Os ciclos de guerra e paz, ascensão
e queda, devem-se à degeneração
da memória e da compreensão
sob condições
de paz e prosperidade. Os pacifistas
e esquerdistas poderão,
em breve, comparar George W.
Bush com Nicolau II.
©
2006 MidiaSemMascara.org
O filme Nicholas and Alexandra,
de 1971, retrata os apuros de
um governante simples e sem
imaginação que
busca seguir os passos de seu
pai, apegando-se ingenuamente
aos ideais tradicionais. O czar
Nicolau II foi forçado
a abdicar depois que suas políticas
afundaram a marinha russa, destroçaram
o exército russo, esfomearam
os pobres e faliram a economia.
Preso pelo Governo Provisório
e mais tarde retido pelos bolcheviques,
ele e sua família foram
assassinados sem dó nem
piedade. De acordo com Winston
Churchill, esse resultado quase
foi evitado: "Em março
[de 1917], o czar estava no
trono; o Império Russo
estava de pé, o front
estava a salvo e a vitória
era dada como certa". Por
que a Rússia entrou em
colapso tão de repente,
exatamente no momento que seu
exército, sob um novo
sistema de organização,
estava começando a dominar
o inimigo? De acordo com Churchill,
o czar "era somente um
homem simples e verdadeiro,
de habilidades medíocres,
misericordioso, sustentado no
dia-a-dia pela sua fé
em Deus. Mas as grandes decisões
cabiam a ele. Nas reuniões
de cúpula, onde todos
os problemas eram reduzidos
a Sim e Não, onde os
acontecimentos transcendiam
as faculdades humanas e onde
tudo é inescrutável,
ele tinha de dar respostas.
Sua função era
a de um ponteiro de bússola.
Guerra ou paz? Avançar
ou recuar? Direita ou esquerda?
Democratizar ou não?
Desistir ou perseverar? Eram
estes os campos de batalha de
Nicolau II". Conforme dramatizou
Alexander Solzhenitsyn em seu
livro August 1914, a primeira
ofensiva das forças armadas
russas na Primeira Guerra Mundial
salvaram a França dos
exércitos do Kaiser.
Se culpamos o czar por perder
os corações russos,
devemos, apesar disso, agradecer-lhe
por ter salvado o Ocidente.
É como se o czar Nicolau
II tivesse aprendido com seus
erros e lucrado com isso. Ele
manteve o exército unido
após o desastre e escolheu
os generais que poderiam lhe
dar de volta a vitória.
Em 1917, a Rússia estava
à beira da vitória
total. De acordo com Churchill,
"Com a vitória em
suas mãos, a Rússia
atacou com determinação
mas foi devorada viva por vermes,
como o velho Herodes".
Há algo de melancólico
nessa história. Idéias
aparentemente inocentes mas
erradas podem levar milhões
à morte. Um país
à beira da vitória
desmorona em revolução
e guerra civil. Colapso econômico,
fraqueza moral, desarranjos
internos: tudo isso impede a
vitória. Há cenas
nesse filme de 1971 que valem
a pena serem assistidas, principalmente
as falas do Conde Witte, às
vésperas da Primeira
Guerra Mundial.
Visando edificação,
leiamos as duras palavras do
Conde Sergei Witte. "Esse
regime insano", escreveu,
"essa mistura de covardia,
cegueira, malícia e estupidez".
Mas veja as palavras de Churchill:
"É típico
da frivolidade dos tempos modernos
rejeitar o regime czarista como
sendo uma tirania bronca, corrupta
e incompetente. Mas uma análise
desses trinta meses de guerra
contra a Alemanha e a Áustria
basta para corrigir essas impressões
frouxas e expor os fatos dominantes".
É fácil julgar
o passado. Mas é bem
mais difícil entender
a realidade dos eventos complexos.
O czar Nicolau II fracassou
na Primeira Guerra Mundial mas
sem a intenção
de iniciar um massacre. Ele
cometeu erros estúpidos
porque seu entendimento estava
atolado em idéias rígidas.
O regime czarista era, de acordo
com a historiadora Basbara Tuchman,
"metade desleixado, metade
ineficiente". Mas o czar
estava aprendendo. Ele estava
determinado a melhorar. E se
Churchill estiver correto, o
czar quase triunfara. Não
fosse por Rasputin em São
Petersburgo e a conseqüente
impopularidade da czarina, as
coisas poderiam ter sido diferentes.
A Rússia Imperial às
vésperas da Grande Guerra
era como qualquer grande nação
às vésperas da
destruição. Havia
um padrão de complacência,
corrupção, futilidade
e de preferência por prazerosas
farsas em relação
aos fatos desagradáveis.
Toda queda é fomentada
de dentro, por um processo de
esvaziamento. Os ciclos de guerra
e paz, ascensão e queda,
devem-se à degeneração
da memória e da compreensão
sob condições
de paz e prosperidade. Os pacifistas
e esquerdistas poderão
em breve, talvez, comparar George
W. Bush com Nicolau II. Já
estão chamando o presidente
americano de autocrata.
Um líder pode simplesmente
ser sobrepujado pelos fatos
ou então escapar do perigo.
O livro de Barbara Tuchman sobre
a Primeira Guerra Mundial, The
Guns of August, persuadiu o
presidente Kennedy a agir com
cautela durante a crise dos
mísseis de Cuba. Kennedy
aprendeu com os erros do czar
Nicolau II. Evite provocações
desnecessárias, tente
o diálogo e fique frio.
Estados podem se dilacerar,
especialmente quando a violência
foge do controle. Uma grande
guerra pode surgir de um pequeno
conflito, engolindo homens,
governantes e nações
inteiras. As guerras surgem
porque os homens são
tribais. A gente acha que não
é assim, mas a história
nos ensina essa lição
sempre e sempre. Em seu livro
sobre a Grande Guerra, Winston
Churchill escreveu: "É
normal as pessoas imprudentes
zombarem da velha diplomacia,
fazendo de conta que as guerras
surgem de tramóias secretas.
Quando observamos as questões
menores que fomentaram guerras
entre grandes países,
é fácil desvalarmos
por esse raciocínio".
Churchill dizia que os países
sucumbem a uma "doença
perigosa". É uma
doença engendrada em
"interesses, paixões
e no destino das poderosas raças
humanas". Velhos antagonismos,
notara Churchill, "expressam-se
em ninharias". Ora, se
grandes comoções
surgem a partir de pequenos
diatribes, não nos enganemos.
Grandes comoções
irrompem de profundos e subjacentes
antagonismos.
Tome como exemplo a série
de pequenos desentendimentos
entre Rússia e Estados
Unidos. Há discordâncias
sobre o Irã e o Iraque,
sobre a Ucrânia e sobre
a extensão da influência
da OTAN nos Estados Bálticos
e nos países do antigo
Pacto de Varsóvia. Em
28 de abril, o London Daily
Telegraph deu a seguinte manchete:
"Ex-dissidentes soviéticos
alertam conspiração
americana contra a Rússia".
O próprio dissidente
anti-comunista Alexander Solzhenitsyn
acusou os Estados Unidos de
estarem "lançando
uma campanha militar para encurralar
a Rússia e torná-la
propriedade da OTAN". Endossando
as políticas do presidente
"KGB" Vladimir Putin,
o ex-prisioneiro do gulag e
renomado autor afirma que as
operações militares
americanas nos Bálcãs,
no Afeganistão e no Iraque
representam uma ameaça
contra a Rússia. De acordo
com Solzhenitsyn, "a OTAN
é metódica e persistentemente
expandindo seu aparato militar
no Leste Europeu, implementando
uma circunscrição
à Rússia a partir
do sul".
Solzhenitsyn cometeu um erro
grave. A OTAN não tem
planos para a Rússia,
a não ser vê-la
como uma democracia próspera.
A tentativa de circunscrevê-la
é uma tentativa de manter
a Rússia na linha democrática.
A política em si é
um erro, sendo mal interpretada
pelo povo russo e cinicamente
usada pelo governo russo. Não
há perigo na prosperidade.
Não há perigo
algum em juntar-se ao Ocidente
enquanto nação
livre. O perigo que realmente
existe é o da oligarquia
criminosa da KGB.
Em 5 de maio, o vice-presidente
Dick Cheney afirmou publicamente
que a Rússia estava usando
gás e petróleo
como instrumentos de chantagem,
violando os direitos de seus
cidadãos. A administração
Bush não acredita mais
que a Rússia esteja no
caminho da democracia. A imprensa
oficial russa contra-atacou,
afirmando que os comentários
de Cheney anunciavam o começo
de uma nova Guerra Fria. Os
editorialistas russos compararam
as palavras de Cheney com as
de Winston Churchill em 1946,
durante o Fulton Speech, no
qual Churchill afirmara que
a Europa estava dividida por
uma "cortina de ferro".
A Rússia não é
um país livre hoje, assim
como não era um país
livre em 1946. Stálin
está morto, claro, e
execuções em massa
são coisa do passo (espero);
mas a imprensa russa está
amordaçada, as eleições
no país são manipuladas,
a polícia secreta mantém
seus arquivos e as agências
de repressão continuam
sob novos nomes e métodos
mais elegantes. O velho conflito
entre América e Rússia
pega fogo novamente. Mas será
que um dia esse fogo chegou
a abrandar-se por completo?
Em 9 de maio, o Wall Street
Journal trouxe um editorial
de Andrew C. Kuchins chamado
"Vejam quem está
de volta". De acordo com
Kuchins, "A Rússia
está de volta ao jogo".
(Isto é, ao Grande Jogo).
"O rápido acúmulo
de riquezas provenientes de
gás e petróleo
está abastecendo uma
nova assertividade na política
externa russa", explicou
Kuchins. "A Rússia
está defendendo seus
interesses com mais vigor do
que há dois anos, ou
mesmo há seis meses".
A KGB recuperou o terreno perdido
na Ucrânia e na Ásia
Central. A situação
financeira da Rússia
está melhorando rapidamente.
De acordo com a Itar-Tass, as
reservas de ouro e moeda estrangeira
da Rússia chegaram a
US$ 236,7 bilhões em
meados de maio. E não
nos esqueçamos da parceria
estratégica de Moscou
com a China.
Num artigo chamado "Pentágono
descobre China fortalecendo
seu arsenal de mísseis
de longo alcance", Ann
Scott Tyson, do Washington Post,
afirmou: "O relatório
anual do Congresso sobre o poderio
militar chinês também
destacou as aquisições
de armas russas, o posicionamento
de pelo menos 790 mísseis
balísticos de curto alcance
contra Taiwan e a modernização
de armas nucleares". Tyson
nota que a China está
"comprando aeronaves russas,
tais como cargueiros IL-76 e
aviões-tanque IL-78,
e mostrou interesse nos aviões
Su-33 de ataque marítimo".
O fato de China e Rússia
continuarem a aumentar suas
forças armadas enquanto
apóiam os "Estados
repressivos" da Coréia
do Norte e do Irã, significa
que o objetivo final de suas
políticas não
é a paz mundial mas a
hostilidade mascarada contra
os Estados Unidos. Somente agora
a máscara, aos poucos,
está caindo. Enquanto
isso, o mal-estar está
tomando conta do governo americano
à medida em que as eleições
se aproximam. Assim como o czar
Nicolau II em 1917, o presidente
Bush acredita estar próximo
da vitória no Oriente
Médio. Mas a economia
representa uma ameaça.
Em 21 de maio, o London Sunday
Times publicou uma coluna do
editor de economia David Smith
chamada "Os mercados estão
parecidos com o crash de 1987".
Entre os indicadores negativos
pode-se citar o déficit
de contas-correntes cada vez
maior nos EUA, o dólar
fraco, temeros inflacionários
e o novo presidente do Fed.
O enfraquecimento dos Estados
Unidos é uma realidade,
não importa se queiramos
enxergar essa realidade ou não.
O enfraquecimento começou
na esfera moral e intelectual
há muitos anos, que propagou-se
na esfera financeira. No fim,
isso tudo pode levar a uma revolução,
a uma guerra civil ou a conflitos
internacionais. O mundo aguarda
enquanto a crise se desvela.
Sobre
o autor:
Jeffrey Nyquist é formado
em sociologia política
na Universidade da Califórnia
e é expert em geopolítica.
Escreve artigos semanais para
o Financial Sense (http://www.financialsense.com//),
é autor de The Origins
of The Fourth World War e mantém
um website: http://www.jrnyquist.com//
© 2006 Jeffrey R. Nyquist
Publicado
por Financialsense.com
Tradução:
MSM
Fonte:
Mídia sem Máscara