A
Amazônia não pode esperar
Cientistas
apontam soluções urgentes
para tirar a região do atraso
e
preservar a natureza
Leia
depoimentos dos cientistas:
Por
sua extensão, diversidade biológica,
social e cultural, a Amazônia
apresenta problemas distintos. Não
existe uma resposta global para os
seus problemas e políticas
universalistas, desenhadas com a promessa
de solução aplicadas
a pontos distintos de um região
que corresponde por mais de 60% do
território nacional, quase
sempre dão errado. A origem
dos equívocos está no
fato de que Amazônia não
é uma massa compacta de árvores
e rios que muitos gestores públicos
pecam em acreditar. São mais
de 9.000 quilômetros de fronteiras
cercadas por narcotraficantes, guerrilheiros,
contrabandistas que formam a face
mais vulnerável da região.
Com um dos mais baixos índices
de desenvolvimento humano e recordista
de casos de trabalho escravo no campo,
a Amazônia se apresenta como
um desafio para cientistas e governantes.
Para apontar alternativas viáveis
para a Amazônia, VEJA consultou
quinze cientistas, com profundo conhecimento
da região, para ajudar a responder
o que é possível fazer
para começar a combater as
mazelas locais.
Entre
as ações mais urgentes,
destaca-se o combate à pobreza.
Pesquisas do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia, Inpa,
revelam que existe um quadro de miséria
tão extrema quanto a exposta
em meio à paisagem ressequida
do nordeste brasileiro. Os pesquisadores
encontraram um índice de 70%
de nanismo, 37,5% de anemia e 50%
de avitaminose entre as crianças
analisadas. Na área urbana,
onde vivem sete em cada dez pessoas
da região, foi identificado
um índice de 72,2% de desnutrição.
Outra urgência é trocar
as técnicas de cultivo por
modelos mais eficientes.
Entre
os vários diagnósticos
desenhados pelos cientistas, há
em comum os seguintes pontos:
A comunidade científica ainda
não conhece suficientemente
os impactos das culturas intensivas
sobre o ecossistema. Isso se torna
urgente com a crescente demanda mundial
por alimentos, que coloca a Amazônia
no centro dos debates da expansão
agropecuária.
Na
Amazônia estão registrados
os maiores índices de crescimento
populacional do país. A principal
causa dessa explosão demográfica
é a migração
de miseráveis de outras regiões
do país, principalmente do
Nordeste em busca de terra e trabalho.
É
impossível impedir a expansão
da ocupação humana e
a fronteira econômica na região.
O Estado Brasileiro precisa definir
regras claras de uso da Amazônia
e garantir a segurança e o
cumprimento da lei na região.
É
preciso atribuir um valor econômico
para a preservação.
As pessoas precisam ter lucro real
com a floresta para mantê-la
de pé.
Falta
investimento em pesquisa e tecnologia
na Amazônia. A região
tem o menor índice per capita
de doutores do país e os volumes
de investimentos mais baixos se comparados
com as demais regiões do Brasil.
Esquecer
a xenofobia e aceitar que a solução
para os problemas amazônicos
não depende apenas dos brasileiros.
Se os benefícios da Amazônia
são globais, o mundo deve ajudar
a pagar a conta da preservação.
A
seguir, veja o que cada um dos cientistas
ouvidos por VEJA aponta como uma solução
imediata e viável para a Amazônia.
Alfredo Homma
Agrônomo com doutorado em Economia
Rural, pela Universidade Federal de
Viçosa. Trabalha na Embrapa
Amazônia Oriental. É
um dos principais estudiosos do desenvolvimento
agrícola e ambiental na Amazônia.
"Os
problemas da Amazônia não
são independentes, isso indica
que muitas soluções
estão fora da região,
como a pobreza do Nordeste, as necessidades
crescentes de energia, minérios,
carne, madeira, de outras parte do
país e do mundo. É interessante
observar que o cacau e a seringueira,
duas espécies nativas da Amazônia,
contribuem para o desenvolvimento
agrícola de outras regiões
tropicais onde estas culturas foram
introduzidas e, hoje somos importadores
desses produtos. Somente com instituições
de pesquisa e de assistência
técnica do mais alto nível
- bem dotadas de recursos humanos
e financeiros - será possível
aproveitar o potencial agrícola
da Amazônia.
Na
Amazônia as alternativas tecnológicas
que ainda não aconteceram atrapalham
a busca de um desenvolvimento mais
adequado. Entre outras ações,
há necessidade de triplicar
o número de pesquisadores e
recursos para ciência e tecnologia
e gerar alternativas de renda e emprego.
A extinção do desmatamento
é possível com o aproveitamento
parcial da área desmatada superior
a três Estados do Paraná
mas com o PIB equivalente a uma vez
e meia desse Estado. Há necessidade
de investimentos em atividades que
dêem dinheiro, que sejam competitivas,
fiscalizadas e promovam a exploração
racional do que já foi devastado.
Uma boa política agrícola
para Amazônia é mais
importante para resolver os problemas
ambientais do que a própria
política ambiental. As terras
para serem cultivadas existem e já
foram desmatadas, portanto, nenhuma
árvore precisa ser jogada no
chão."
topo
Bertha
Becker
Geógrafa e historiadora, é
doutora em Ciências e Livre
Docente pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Com 74 anos, 31
deles dedicado ao estudo da Amazônia.
"O
grande problema da Amazônia
não é diverso do grande
problema do Brasil: a questão
social. A diferença é
que ela possui um fantástico
patrimônio natural que não
sabemos ainda como utilizar respeitando
sua cultura e a própria natureza.
Trata-se, portanto, de promover o
crescimento econômico com inclusão
social e conservação
ambiental. Para isso é preciso
uma aliança entre a ciência
e a tecnologia, além do fortalecimento
institucional para cumprimento da
lei e a regionalização
das políticas públicas
que, embora seguindo princípios
comuns devem se ajustar às
diferenças regionais."
topo
Daniel Nepstad
Ecólogo do Woods Hole Research
Center e fundador do Instituto de
Pesquisas Ambiental da Amazônia.
Com 21 anos de pesquisa na região,
é uma das maiores autoridades
sobre a ecologia amazônica.
"A
Amazônia é uma das últimas
oportunidades para conseguir a conciliação
do desenvolvimento socioeconômico
com a conservação do
ecossistema. Os riscos ambientais
e sociais da ocupação
pela pecuária, pela agroindústria,
e pela exploração madeireira
vão muito além das perdas
locais de animais e plantas, de solo,
e de culturas indígenas. Embora
o Brasil e o mundo saibam da importância
da Amazônia, a sociedade ainda
não acertou um modelo de governança
do processo de ocupação
dessa região. Há a possibilidade
de que as forcas da globalização
passem a exercer esse papel. Exigências
cada vez maiores dos mercados internacionais
de carne e soja podem ajudar a colocar
ordem na Amazônia."
topo
|
David
McGrath
Geógrafo, 53 anos,
professor do curso de doutorado
do Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos da
Universidade Federal do Pará.
É, também pesquisador
associado do Ipam onde coordena
projetos que avalia a sustentabilidade
econômica em comunidades
no interior do Pará. |
É
necessário que o governo assuma
controle efetivo da situação
fundiária criando um cadastro
nacional das terras e regularizando
a situação das propriedades
legais e reduzindo a grilagem. Também
é preciso reduzir as exigências
para o desmatamento legal, o manejo
florestal e o código florestal.
Só assim será mais fácil
e barato cumprir a lei do que quebrá-la.
Um dos grandes problemas é
que as exigências do governo
excedem a sua capacidade de processar
a informação exigida,
criando um enorme gargalo que pune
que tenta agir de forma legal. Ainda
é preciso investir numa presença
institucional efetiva em todo o território
amazônico para monitorar e fiscalizar
a legislação ambiental
envolvendo as instâncias federais
e estaduais. No melhor dos cenários
a capacidade do governo é limitada.
Portanto, é essencial fortalecer
mecanismos de mercado para a pecuária,
o manejo florestal e a produção
de grãos, que incentivam o
cumprimento da legislação
ambiental."
topo
Gerd
Kohlhepp
Geógrafo alemão, professor
emérito e fundador do Centro
de Pesquisas sobre a América
Latina da Universidade Tübingen.
Foi presidente do Grupo de Assessoria
Internacional do Banco Mundial, para
o Programa de Proteções
de Florestas Tropicais.
"O
problema principal da Amazônia
é, por um lado, a ausência
do Estado e por outro a presença
de planejamento de desenvolvimento
regional oscilante pelo mesmo Estado.
Esse planejamento não tinha
nem tem equilíbrio econômico,
social e ecológico e, sobretudo,
não considera adequadamente
nem as necessidades da população
atual da Amazônia, nem as das
próximas gerações.
O Estado tem o dever de preservar
os interesses de toda sua população
- interesses esses que não
devem ser prejudicados por atividades
legais descoordenadas, ou mesmo por
atividades ilegais.
A
meta de todas as considerações
relativas ao desenvolvimento e preservação
deve conter a seguinte premissa: planejamento
global e ação local.
Isto significa que a responsabilidade
de atividades locais, regionais e
nacionais em todos os países,
consideradas as suas necessidades,
deve ser coordenada a nível
global."
topo
Ima
Célia Guimarães Vieira
Diretora do Museu Paraense Emílio
Goeldi, em Belém.
"Um
dos maiores desafios científicos
brasileiros é planejar um sistema
de gestão territorial para
a Amazônia, que leve em conta
tanto a conservação
dos recursos naturais como a promoção
do desenvolvimento social e econômico
dos seus quase vinte milhões
de habitantes. Acreditamos que com
a um programa ambicioso de regularização
fundiária e uso intensivo das
áreas já alteradas seria
possível estabelecer um clima
estável que favoreça
investimentos de longo prazo. Paralelamente,
é necessário que os
governos federal e estadual incentivem
uma estratégia integrada de
desenvolvimento que valorize a floresta
em todos os seus sentidos, de forma
a combinar a conservação
e o uso sustentável de 83%
da floresta amazônica com o
uso intensivo, com amplo suporte tecnológico
e infra-estrutura adequada, dos 17%
de áreas já alteradas."
topo
José
Maria Cardoso da Silva
Biólogo e vice-presidente da
ONG Conservação Internacional,
com sede em Washington. Desenvolve
pesquisas de preservação
de espécies.
"O
grande problema da Amazônia
é a ocupação
desordenada do território e
o desmatamento a ela associado, o
que leva a perda tanto de recursos
genéticos, que só existem
na região, como dos serviços
ambientais, que só a maior
floresta tropical do planeta pode
oferecer ao Brasil e ao mundo. A história
demonstra que este modelo de ocupação
é extremamente ineficiente
e injusto socialmente, pois geralmente
não produz benefícios
sociais e econômicos concretos
para a maioria das populações
locais e dilapida rapidamente o capital
natural de uma região, reduzindo
assim as opções futuras
de uso destes recursos para a promoção
do desenvolvimento regional.
A
chave para conter a perda de biodiversidade
na Amazônia e aumentar significativamente
a qualidade de vida da população
regional é combinar a conservação
e o uso sustentável de 83%
dos ecossistemas naturais com o uso
intensivo e inteligente dos 17% de
áreas já alteradas.
Para isso é preciso construir
um sistema de pesquisa e desenvolvimento
visando fomentar cadeias produtivas
baseadas na biodiversidade regional.
Isso requer investimentos pelo menos
iguais aos feitos até hoje
para fomentar cadeias produtivas baseadas
na destruição da floresta.
Uma fonte permanente de recursos poderia
ser a criação de um
mecanismo eficiente de pagamentos
pelos serviços ambientais que
a Amazônia e as outras grandes
áreas de florestas tropicais
do planeta prestam ao planeta, incluindo,
por exemplo, a manutenção
do clima regional, a fixação
de carbono e a conservação
de uma parcela importante da biodiversidade
do planeta."
topo
Mary
Alegretti
Antropóloga e ex-secretária
de Coordenação da Amazônia.
Ajudou a projetar o seringueiro Chico
Mendes e é uma das mais influentes
vozes do desenvolvimento sustentável.
"Desde
que a ditadura militar criou esse
modelo de ocupação da
Amazônia, não fomos capazes
de inventar outro. A democratização
do país não deu origem
a uma nova modalidade de desenvolvimento
para a região. A única
novidade real das ultimas duas décadas
foi o surgimento dos movimentos sociais
locais voltados para a sustentabilidade.
Embora se possa dizer que um quarto
da Amazônia está em boas
mãos, isso não basta
para assegurar o futuro da região.
Nem para garantir o futuro do que
hoje está protegido.
Falta
um projeto do país para a Amazônia
que leve em consideração
os interesses locais e nacionais legítimos
e a importância estratégica
da região para o planeta. Falta
interesse, cuidado, do país
pela Amazônia. Isso faz com
que se deixe o terreno livre para
o que há de pior: políticos
desqualificados, empresários
ladrões, ignorantes e predadores.
Cientificamente, trata-se de uma fronteira
de recursos sem definição
clara de direitos de propriedade na
qual grupos com diferentes níveis
de poder político e econômico
disputam recursos naturais valiosos.
Assim, é preciso uma política
de "fechamento da fronteira":
controle sobre as terras públicas,
zoneamento informado e negociado,
mosaico de áreas protegidas
(uso sustentável e proteção
integral), revolução
tecnológica e remuneração
dos serviços ambientais prestados
pelas comunidades indígenas
e locais. É preciso ter uma
ação corajosa de congelar
todas as terras públicas, todos
os investimentos, todos os empréstimos,
definir regras de uso pertinentes
à importância estratégica
da região e iniciar um programa
intensivo, massivo, de investimento
em tecnologia e capacitação
de recursos humanos para a sustentabilidade.
Esperava-se que esse choque de "florestania"
viesse com o governo Lula. E acho
que muita coisa foi relevada e muitas
pressões postergadas, em função
da expectativa de que o governo Lula
daria fim ao modelo anterior. Basta
ver o que está escrito no programa
de campanha."
topo
Paulo
Barreto
Mestre em Ciências Florestais
pela Universidade Yale, nos EUA. É
autor de estudos que serviram de base
para a definição de
critérios para o manejo florestal
na Amazônia
"A
Amazônia merece ser em grande
parte conservada. Primeiro, porque
abriga uma extraordinária biodiversidade
que é útil no presente
e que poderá ser ainda mais
útil no futuro (principalmente
com a evolução da engenharia
genética). Segundo, a floresta
da região é um imenso
estoque de carbono cuja liberação
(pelo desmatamento) poderá
ter influências drásticas
no clima regional e mundial - por
exemplo, as chuvas do centro-oeste
e sudeste do Brasil são influenciadas
pelo vapor d'água que emana
da Amazônia. O primeiro grande
problema para sua conservação
é que o mercado ainda não
valoriza esse patrimônio. Nesse
caso, a conservação
da Amazônia dependeria de forte
ação governamental.
Apesar de avanços, o Estado
brasileiro ainda é frágil
e contraditório nas suas políticas
para conservação da
região. Por isso, a destruição
avança rapidamente."
topo
Philip
Fearnside
Ecólogo do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia. Com
quase três décadas de
trabalho, é o cientista citado
entre os que estudam Amazônia
"A
Amazônia tem múltiplos
problemas, mas entre os fundamentais
está a falta de uma valoração
dos serviços ambientais e a
incorporação na economia
da região de fluxos monetários
derivados desses serviços,
tais como a manutenção
da biodiversidade, da ciclagem d'água
e dos estoques de carbono que evitam
o efeito estufa. Enquanto a floresta
intacta não tiver um valor
significativo em termos financeiros,
sempre vão ser encontradas
maneiras para enfraquecer, burlar
ou corromper o sistema de regulação
ambiental para permitir a destruição
de cada vez mais floresta. Portanto,
além da luta de cada dia para
fazer cumprir a legislação,
é preciso também trabalhar
no nível mais fundamental para
quantificar o valor da floresta e
efetivar a uma mudança básica
da economia."
topo
Ronaldo
Seroa da Motta
Doutor em Economia, é coordenador
de Estudos de Mercado e Regulação
do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada.
"Amazônia
intacta não é um objetivo
eficiente de política pública.
Nossos estudos indicam que o valor
dos serviços da floresta que
geram benefícios para o resto
do mundo (clima, biodiversidade, etc.)
estaria na magnitude de US$ 70/ha,
ou seja, mais que duas vezes maior
que aqueles capturados em termos locais
e nacionais (em torno de US$ 30, incluindo
ecoturismo, extrativismo, etc.). Isto
é, há uma geração
significativa de externalidades positivas
globais, daí não é
à toa que os países
ricos nos pressionam para manter este
fluxo de subsídios ambientais.
Não querem invadir a Amazônia
e cuidar dela, pois custa muito. Melhor
para eles seria manter esta pressão
para que a floresta continue gerando
subsídios ambientais.
Para
corrigir a externalidade dos subsídios,
uma forma seria com pagamentos aos
locais da floresta pelo custo de oportunidade
de não plantar soja ou criar
gado, por exemplo. Sem esta compensação,
aqueles que pregam conservação
total estão na verdade subsidiando
os países ricos. Se for para
manter intacta a floresta então
que passemos os direitos de uso para
todo o planeta, pois estes direitos
não nos vão servir de
muito, além de gerar custos
e aborrecimento. Compartilhando globalmente,
invertemos os fluxos de benefícios
e custos, reduzindo os gastos na conservação
para a mesma quantidade de serviços
ambientais capturados pelo país.
Mas
esta não é certamente
a melhor solução para
o país! Há uma área
da região que merece ser convertida
para aumentar o bem-estar local e
nacional, seja pela expansão
da agropecuária, seja pela
mineração ou mesmo para
a geração de hidroletricidade.
Sustar todas estas oportunidades em
nome dos serviços da floresta
que são majoritariamente capturados
pelos países ricos não
atende qualquer critério de
eficiência e eqüidade."
topo
Sergio
Margulis
Economista ambiental do Banco Mundial.
É autor de trabalhos sobre
as dinâmicas do desmatamento
na Amazônia
"A
Amazônia é muito mais
uma solução do que um
problema. Infelizmente, com as tecnologias
e conhecimento científico hoje
disponíveis, e com os custos
de operar na região, não
é possível extrair valor
da floresta deixando-a intocada, excetuando
os serviços ambientais que
não são diretamente
"monetizados". O desmatamento
decorre de uma miríade de fatores
interdependentes, mas dentre os fatores
econômicos indubitavelmente
é a expansão da pecuária
de larga escala o principal fator.
Quando as condições
agroecológicas permitem, tende
a haver uma sucessão com soja
e outras culturas. Muita atenção
é dada à ilegalidade
da exploração da madeira,
que deixa todos indignados, mas a
derrubada da floresta decorre fundamentalmente
da transformação em
pasto e não da extração
da madeira."
topo
|
Sven
Wunder
Economista do Centro Internacional
de Pesquisa Florestal (Cifor,
em inglês), com sede
na Indonésia. Trabalhou
em florestas da América
do Sul e Ásia. |
"A
grande pressão hoje sobre a
floresta Amazônica não
se deve em primeiro lugar a "necessidades
básicas" e à pobreza,
mas a oportunidades econômicas
de expansão que têm importantes
setores produtivos como a madeira,
a soja, e sobretudo a pecuária.
Tanto pequenos como grandes produtores
percebem opções para
usar mais terras amazônicas,
e ganhar bom dinheiro com isso. Para
eles, o processo de desmatamento é
economicamente racional. Politicamente,
o mais fácil seria então
deixar continuar esse processo semilegítimo
sem muita intervenção.
Porém, o governo brasileiro
tem declarado que não quer
tolerar perdendo o seu patrimônio
amazônico a um ritmo altamente
acelerado, sem controle onde e para
que fins acontecem essas perdas e
sua biodiversidade. Para implementar
uma política de expansão
mais cautelosa, e conseguir controlar
o "cavalo selvagem do desmatamento",
é preciso usar juntos "o
chicote" e "a cenoura".
A "cenoura" aqui são
os incentivos econômicos, por
exemplo os pagamentos por serviços
ambientais (idéia nascente
do Proambiente), a certificação
de produtos amazônicos "verdes"
(madeira, borracha) e "legais"
(soja, carne), e o acesso a novas
áreas de produção
(como as concessões madeireiras
no novo PL de Acesso a Terras Publicas).
O setor privado adora "cenouras".
Porém,
o "chicote" também
tem de ser usado de forma mais eficiente.
Todo o processo sistematizado de grilagem
e de privatização de
terras (a palavra "privar"
no latim vem de "roubar")
tem de ser enfrentado com muito mais
vontade política: com multas
maiores, aplicadas com muito mais
consistência e, em alguns casos,
usando convênios especiais com
as forças militares e policiais.
Com as técnicas de sensoriamento
remoto, a parte difícil não
é saber onde e quanto acontece
o desmatamento ilegal. A parte difícil
e fazer cumprir a lei, dando "desincentivos"
eficientes para os criminosos. Normalmente,
o setor privado não adora do
"chicote" de forma igual
como adora a "cenoura".
Usar o chicote vai criar perdas de
ganância econômica, e
inimigos fortes. A pergunta-chave
é se o Estado brasileiro realmente
quer controlar o desmatamento - não
só na sua retórica,
mas até o ponto de assumir
os significativos custos econômicos
e políticos que isso vai criar."
topo
|
Virgílio
Viana
Secretário de Meio Ambiente
do Estado do Amazonas. Pós-doutor
por Harvard, foi coordenador
do primeiro projeto de exploração
de madeira certificada no Brasil. |
"A
gênese do problema da Amazônia
está no paradigma do mato.
A visão mais comum entre nós
é que mato é ruim, sujo
e deve ser eliminado em nome do progresso.
Desmatar, portanto, seria algo bom.
Disso decorrem políticas públicas,
de crédito, fundiária,
assistência técnica,
licenciamento ambiental e ciência
e tecnologia historicamente equivocadas.
Precisamos, na Amazônia, de
uma política florestal que
incorpore mudança sobre esses
instrumentos de apoio ao desenvolvimento
sustentável. As populações
da Amazônia, indígenas,
caboclos, ribeirinhos, extrativistas,
colonos, fazendeiros e empresários,
são induzidos a desmatar direta
e indiretamente, por políticas
públicas equivocadas. Isso
é um processo lógico
e previsível. Repete-se na
Amazônia a mesma história
da Mata Atlântica. O desfecho
é trágico.
A
solução para prevenir
o desmatamento na Amazônia é
extremamente simples. Precisamos alterar
profundamente a lógica econômica,
tecnológica, cultural e institucional
que conduzem ao desmatamento. São
necessárias políticas
públicas, de crédito,
fundiária, assistência
técnica, licenciamento ambiental
e ciência e tecnologia eficazes.
Precisamos ir além das medidas
convencionais, deixar de fazer complicadas
proibições que são
ineficazes. Em outras palavras, precisamos
de uma política de meio ambiente
e desenvolvimento sustentável."
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