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"Instruções para serem
observadas pelos Mestres do Imperador na Educação
Literária e Moral do Mesmo Augusto Senhor."
Manuel
Inácio de Andrade Souto Maior, barão
e marquês de Itanhaém, militar
e político brasileiro (Marapicu, RJ,
1782 - morreu em 1867). Em 1833, foi nomeado
tutor de Dom Pedro II e de suas irmãs,
em substituição a José
Bonifácio de Andrada e Silva.
Leia
abaixo as determinações do Marques
de Itanhaém para a educação
de Dom Pedro II:
Artigo
1.
Conhece-te
a ti mesmo. Esta máxima... servirá
de base ao sistema de educação
do Imperador, e uma base da qual os Mestres
deverão tirar precisamente todos os corolários,
que formem um corpo completo de doutrinas, cujo
estudo possa dar ao Imperador idéias
exatas de todas as coisas, a fim de que Ele,
discernindo sempre do falso o verdadeiro, venha
em último resultado a compreender bem
o que é a dignidade da espécie
humana, ante a qual o Monarca é sempre
homem, sem diferença natural de qualquer
outro indivíduo humano, posto que sua
categoria civil o eleve acima de todas as condições
sociais.
Artigo
2.
Em
seguimento, os Mestres, apresentando ao Seu
Augusto Discípulo este planeta que se
chama terra, onde nasce, vive e morre o homem,
lhe irão indicando ao mesmo tempo as
relações que existem entre a humanidade
e a natureza em geral, para que o Imperador,
conhecendo perfeitamente a força da natureza
social, venha a sentir, sem o querer mesmo,
aquela necessidade absoluta de ser um Monarca
bom, sábio e justo, fazendo-se garbo
de ser o amigo fiel dos Representantes da Nação
e o companheiro de todas as influências
e homens de bem do Pais.
Artigo
3.
Farão
igualmente os Mestres ver ao Imperador que a
tirania, a violência da espada e o derramamento
de sangue nunca fizeram bem a pessoa alguma...
Artigo
4.
Aqui
deverão os Mestres se desvelar para mostrarem
ao Imperador palpavelmente o acordo e harmonia
da Religião com a Política, e
de ambas com todas as ciências; porquanto,
se a física estabelece a famosa lei da
resistência na impenetrabilidade dos corpos,
é verdade também que a moral funda
ao mesmo tempo a tolerância e o mútuo
perdão das injúrias, defeitos
e erros; essa tolerância ou mútuo
perdão, sobre revelar a perfeição
do Cristianismo, revela também os quilates
das almas boas nas relações de
civilidade entre todos os povos, seja qual for
sua religião e a forma do seu governo...
Artigo
5.
Lembrem-se
pois os Mestres que o Imperador é homem;
e partindo sempre dessa idéia fixa, tratem
de lhe dar conhecimentos exatos e reais das
coisas, sem gastarem o tempo com palavras e
palavrões que ostentam uma erudição
estéril e prejudicial, pois de outra
forma virá o seu discípulo a cair
no vicio que o Nosso Divino Redentor tanto combateu
no Evangelho, quando clamava contra os doutores
que invertiam e desfiguravam a lei, enganando
as viúvas e aos homens ignorantes com
discursos compridos e longas orações,
e se impondo de sábios, embora sendo
apenas uns pedantes faladores.
Artigo
6.
Em
conseqüência os Mestres não
façam o Imperador decorar um montão
de palavras ou um dicionário de vocábulos
sem significação, porque a educação
literária não consiste decerto
nas regras da gramática nem na arte de
saber por meio das letras; em conseqüência
os Mestres devem limitar-se a fazer com que
o Imperador conheça perfeitamente cada
objeto de qualquer idéia enunciada na
pronunciação de cada vocábulo...
Artigo
7.
Julgo
portanto inútil dizer que as preliminares
de qualquer ciência devem conter-se em
muito poucas regras, assim como os axiomas e
doutrinas gerais. Os Mestres não gastem
o tempo com teses nem mortifiquem a memória
do seu discípulo com sentenças
abstratas; mas descendo logo às hipóteses,
classifiquem as coisas e idéias, de maneira
que o Imperador, sem abraçar nunca a
nuvem por Juno, compreenda bem que o pão
é pão e o queijo é queijo.
Assim, por exemplo, tratando das virtudes e
vícios, o Mestre de Ciências Morais
deverá classificar todas as ações
filhas da soberba distinguindo-as sempre de
todas as ações opostas que são
filhas da humildade. E não basta ensinar
ao Imperador que o homem não deve ser
soberbo, mas é preciso indicar-lhe cada
ação, onda exista a soberba, pois
se assim não o fizer, bem pode acontecer
que o Monarca venha para o futuro a praticar
muitos atos de arrogância e altivez, supondo
mesmo que tenha feito ações meritórias
e dignas de louvor, e isto por não ter,
em tempo, sabido conhecer a diferença
entre a soberba e a humildade.
Artigo
8.
Da
mesma sorte, tratando-se das potências
e das forças delas, o Mestre de ciências
físicas fará uma resenha de todos
os corpos computando os grãos de força
que tem cada um deles, para que venha o Imperador
a compreender que o poder monárquico
se limita ao estudo e observância das
leis da Natureza... e que o Monarca é
sempre homem e um homem tão sujeito,
que nada pode contra as leis da Natureza feitas
por Deus em todos os corpos, e em todos os espíritos.
Artigo
9.
Em
seguimento ensinarão os Mestres ao Imperador
que todos os deveres do Monarca se reduzem a
sempre animar a Indústria, a Agricultura,
o Comércio e as Artes; e que tudo isto
só se pode conseguir estudando o mesmo
Imperador, de dia e de noite, as ciências
todas, das quais o primeiro e principal objeto
é sempre o corpo e a alma do homem; vindo
portanto a achar-se a Política e a Religião
no amor dos homens. E o amor dos homens é
que é o fim de todas as ciências;
pois sem elas, em vez de promoverem a existência
feliz da humanidade, ao contrário promovem
a morte.
Artigo
10.
Entendam-me
porém os Mestres do Imperador. Eu quero
que o meu Augusto Pupilo seja um sábio
consumado e profundamente versado em todas as
ciências e artes e até mesmo nos
ofícios mecânicos, para que ele
saiba amar o trabalho como principio de todas
as virtudes, e saiba igualmente honrar os homens
laboriosos e úteis ao Estado. Mas não
quererei decerto que Ele se faça um literato
supersticioso para não gastar o tempo
em discussões teológicas como
o Imperador Justiniano; nem que seja um político
frenético para não prodigalizar
o dinheiro e o sangue dos brasileiros em conquistas
e guerras e construção de edifícios
de luxo, como fazia Luís XIV na França,
todo absorvido nas idéias de grandeza;
pois bem pode ser um grande Monarca o Senhor
D. Pedro II sendo justo, sábio, honrado
e virtuoso e amante da felicidade de seus súditos,
sem ter precisão alguma de vexar os povos
com tiranias e violentas extorsões de
dinheiro e sangue.
Artigo
11.
Sobretudo,
recomendo muito aos Mestres do Imperador, hajam
de observar quanto Ele é talentoso e
dócil de gênio e de muita boa índole.
Assim não custa nada encaminhar-lhe o
entendimento sempre para o bem e verdade, uma
vez que os Mestres em suas classes respectivas
tenham com efeito idéias exatas da verdade
e do bem, para que as possam transmitir e inspirar
ao seu Augusto Discípulo. Eu não
cessarei de repetir aos Mestres que não
olhem para os livros das Escolas, mas tão
somente para o livro da Natureza, corpo e alma
do homem; porque fora disto só pode haver
ciência de papagaio ou de menino de escola,
mas não verdade nem conhecimento exato
das coisas, dos homens, e de Deus.
Artigo
12.
Finalmente,
não deixarão os Mestres do Imperador
de lhe repetir todos os dias que um Monarca,
toda a vez que não cuida seriamente dos
deveres do trono, vem sempre a ser vitima dos
erros, caprichos e iniqüidades dos seus
ministros, cujos erros, caprichos e iniqüidades
são sempre a origem das revoluções
e guerras civis; e então paga o justo
pelos pecadores, e o Monarca é que padece,
enquanto que seus ministros sempre ficam rindo-se
e cheios de dinheiro e de toda sorte de comodidades.
Por isso cumpre absolutamente ao Monarca ler
com atenção todos os jornais e
periódicos da Corte e das Províncias
e, além disto, receber com atenção
todas as queixas e representações
que qualquer pessoa lhe fizer contra os ministros
de Estado, pois só tendo conhecimento
da vida pública e privada de cada um
dos seus ministros e Agentes é que cuidará
da Nação. Eu cuido que não
é necessário desenvolver mais
amplamente estas Instruções na
certeza de que cada um dos Mestres do Imperador
lhe adicionará tudo quanto lhe ditarem
as circunstâncias à proporção
das doutrinas que no momento ensinarem. E confio
grandemente na sabedoria e prudência do
Muito Respeitável Senhor Padre Mestre
Frei Pedro de Santa Mariana, que devendo ele
presidir sempre a todos os atos letivos de Imperador
como seu Aio e Primeiro Preceptor, seja o encarregado
de pôr em prática estas Instruções,
uniformizando o sistema da educação
do Senhor Dom Pedro II, de acordo com todos
os outros Mestres do Mesmo Augusto Senhor".
Paço
da Boa Vista no Rio de Janeiro, 2 de dezembro
de 1838
Marquês de Itanhaém - Tutor da
Família Imperial