Carlos Chagas
   

Biografia

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, primeiro dos quatro filhos de José Justiniano Chagas e Mariana Cândida Ribeiro de Castro Chagas, nasce no dia 9 de julho de 1878 na Fazenda Bom Retiro localizada a cerca de 20 km da pequena cidade de Oliveira, no estado de Minas Gerais. Ali haviam se enraizado seus antepassados há quase um século e meio, todos de origem portuguesa.

Órfão de pai aos quatro anos, Chagas passa a viver parte do ano em outra propriedade da família, onde sua mãe assume a administração do cultivo do café. A Fazenda Bela Vista situava-se na estação de Águas Limpas, próximo a Juiz de Fora, Minas Gerais.

Em Oliveira, a convivência com seus três tios maternos, Cícero, Olegário e Carlos, marca profundamente a infância de Chagas. Os dois primeiros eram advogados formados em São Paulo e estimulavam constantemente o sobrinho a dedicar-se aos estudos. Carlos, que se formara em medicina no Rio de Janeiro, era dono de uma clínica em Oliveira para onde acorriam todos os doentes da região. A proximidade com o tio Carlos seria decisiva na opção de Chagas em seguir a profissão médica.

 

O curso de medicina

O Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX era uma cidade marcada por precárias condições sanitárias. As freqüentes epidemias - sobretudo de febre amarela - que assolavam o porto representavam uma ameaça ao processo de modernização que vinha se intensificando com a expansão da cafeicultura desde meados do século. O saneamento urbano era assim proclamado medida crucial para o progresso do país e, com esse objetivo, preparava-se a reforma da cidade que seria realizada nos primeiros anos do século XX.

É nesse contexto que se dá a difusão no Brasil das idéias de Louis Pasteur, fundador da microbiologia, ciência que estabeleceu uma maneira radicalmente nova de se conceber a natureza das doenças e seus mecanismos de propagação. Sob a influência da "revolução pasteuriana", a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro vinha passando, desde a década de 1880, por um processo de renovação. Davam-se os primeiros passos para a incorporação do ensino da medicina experimental, definida pela prática da pesquisa científica no laboratório em busca de novos conhecimentos no campo do saber médico. Este é o ambiente que Chagas encontra ao matricular-se nesta escola em abril de 1897. Ao longo do curso, dois professores marcam de maneira decisiva sua formação. Miguel Couto, com quem passaria a ter uma estreita amizade, apresenta a Chagas as noções e a prática da clínica moderna, que, acompanhando os avanços científicos da medicina experimental, passava por um processo de especialização e buscava novas formas de explicação para as causas das doenças. Francisco Fajardo, por sua vez, introduz Chagas no estudo experimental das doenças tropicais, especialmente da malária, proporcionando-lhe um treinamento na pesquisa laboratorial que seria de grande importância para sua tese de doutoramento e para sua futura carreira. Estes mestres representam assim os dois caminhos que se abrem para Chagas no decorrer de seu curso médico: a clínica e a pesquisa científica.

Campanhas contra a malária

Tendo em vista o trabalho realizado por Chagas em sua tese de doutoramento, Oswaldo Cruz o requisita, em março de 1905, para a missão de controlar a epidemia de malária que assolava o município de Itatinga, no estado de São Paulo. A doença atacava a maioria dos trabalhadores da Companhia Docas de Santos, que construía uma represa na região, causando a paralisação das obras. Entusiasmado pelo desafio, Chagas segue para Itatinga e lá realiza a primeira campanha bem-sucedida contra a malária no Brasil, introduzindo procedimentos que passariam a ser corriqueiros nas campanhas subseqüentes.

Segundo ele, para se impedir a propagação da doença em regiões em que não havia ações sistemáticas de saneamento, fazia-se necessário concentrar as medidas preventivas nos locais onde viviam os homens e os mosquitos infectados com o parasito da malária.

Seguindo tal orientação, em cinco meses Chagas consegue debelar o surto da doença. De volta ao Rio, continua a servir à Diretoria Geral de Saúde Pública e, em 19 de março de 1906, transfere-se para o Instituto de Manguinhos. No ano seguinte, Oswaldo Cruz é solicitado pela Inspetoria Geral de Obras Públicas a organizar o saneamento da Baixada Fluminense, onde estavam sendo realizadas obras de captação de água para o Rio de Janeiro. Juntamente com Arthur Neiva, também pesquisador de Manguinhos, Chagas parte para Xerém e o êxito das medidas ali adotadas confirma sua teoria da infecção domiciliar da malária. Diante do sucesso alcançado nestas duas campanhas, ainda em 1907 Chagas é incumbido por Oswaldo Cruz de organizar, com Belisário Penna, médico da Diretoria Geral de Saúde Pública, o controle da malária no norte de Minas Gerais.

A doença prejudicava seriamente as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil na região do rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora, comprometendo o projeto que pretendia unir o norte ao sul do país com a expansão da ferrovia do Rio de Janeiro a Belém do Pará. Na cidade de Lassance, Chagas realiza a profilaxia da malária, mas, no decorrer do ano seguinte, seus trabalhos tomam um rumo inesperado. Ali ele iria identificar uma nova doença humana, descoberta que marcaria decisivamente sua trajetória profissional.

Descoberta em Lassance

Ao chegar, em junho de 1907, no norte de Minas com a missão de combater a malária entre os trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil, Chagas instala-se na estação da pequena cidade de Lassance, utilizando um vagão de trem como alojamento e ali montando um laboratório. O alpendre de uma casa abandonada é transformado em ambulatório para atendimento aos doentes. Sua atividade contudo não se limita à campanha contra a malária.

Nas horas vagas, captura, classifica e estuda os hábitos dos anofelinos, mosquitos transmissores desta doença, e examina o sangue de animais e insetos em busca de parasitos. É dessa forma que Chagas identifica no sangue de um sagüi, macaco comum na região, uma nova espécie de protozoário, do gênero dos tripanossomos, ao qual dá o nome de Trypanosoma minasense.

Na mesma época, o engenheiro Cantarino Mota, responsável pelas obras da ferrovia, chama sua atenção para a presença de um inseto que prolifera nas frestas das paredes de pau-a-pique das casas, alimentando-se à noite do sangue de seus moradores. Por atacar preferencialmente o rosto, era conhecido pela população local como "barbeiro". Chagas leva alguns desses insetos a seu laboratório e, examinando-lhes o intestino, identifica a presença de protozoários com certas características que o levam a pensar que poderiam ser uma fase evolutiva do Trypanosoma minasense, recém-identificado por ele.

Por não dispor em Lassance de condições para uma pesquisa mais aprofundada, Chagas envia exemplares de barbeiros infectados com o parasito a Oswaldo Cruz, pedindo que alimente os insetos em sagüis criados nos laboratórios de Manguinhos. Quase um mês depois, Oswaldo Cruz comunica-lhe a presença de tripanossomos no sangue dos animais, que haviam adoecido. Chagas volta imediatamente ao Rio de Janeiro, onde constata não se tratar do Trypanosoma minasense, mas de outro tripanossomo até então desconhecido. Com o apoio de outros pesquisadores do Instituto, desvenda quase por completo o ciclo evolutivo do novo protozoário, ao qual dá o nome de Trypanosoma cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz. Dados os seus conhecimentos sobre a forma domiciliária de transmissão da malária e o fato de que os barbeiros, portadores do T. cruzi, viviam no interior das habitações humanas, Chagas volta a Lassance convencido de que o parasito descoberto poderia ser causa de doença tanto para animais domésticos quanto para o homem. Após ter encontrado um gato infectado com o novo tripanossomo, no dia 14 de fevereiro de 1909 ele examina o sangue de uma criança febril de dois anos e identifica a presença do parasito.

A menina Berenice é o primeiro caso da moléstia à qual se daria o nome de doença de Chagas, provocada pelo Trypanosoma cruzi que o barbeiro transmite ao organismo do homem. Até então, a única doença humana causada por tripanossomos era a chamada doença do sono, ou tripanossomíase africana, transmitida pela picada da mosca tsé-tsé. Conclui-se assim o ciclo da descoberta, no qual foi identificado primeiro o vetor (barbeiro), em seguida o agente causal (T. cruzi), o reservatório doméstico do parasito (gato) e por fim a doença (o caso de Berenice), tudo por um único pesquisador. A descoberta realizada em Lassance consolidaria a protozoologia, ramo da parasitologia dedicado ao estudo dos protozoários, como uma das mais importantes áreas de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz.

Segundo Chagas, a nova tripanossomíase era uma enfermidade disseminada por todo o Brasil, somando-se a outras doenças endêmicas como a malária e a ancilostomose, que assolavam de forma permanente as populações das zonas rurais do país.

Bibliografia:

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