LUÍS
VAZ DE CAMÕES
Poeta,
1524(?) - 1580(?)
Mirna
Queiroz
MUDAM-SE
OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES...
QUANDO TUDO ACONTECEU...
1524
ou 1525: Datas prováveis do
nascimento de Luís Vaz de Camões,
talvez em Lisboa. - 1548: Desterro
no Ribatejo; alista-se no Ultramar.
- 1549: Embarca para Ceuta; perde
o olho direito numa escaramuça
contra os Mouros. - 1551: Regressa
a Lisboa. - 1552: Numa briga, fere
um funcionário da Cavalariça
Real e é preso. - 1553: É
libertado; embarca para o Oriente.
- 1554: Parte de Goa em perseguição
a navios mercantes mouros, sob o comando
de Fernando de Meneses. - 1556: É
nomeado provedor-mor em Macau; naufraga
nas Costas do Camboja. - 1562: É
preso por dívidas não
pagas; é libertado pelo vice-rei
Conde de Redondo e distinguido seu
protegido. - 1567: Segue para Moçambique.
- 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa
Clara. - 1572: Sai a primeira edição
dOs Lusíadas. - 1579
ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.
PASSAGEM PARA A ÍNDIA
Camões
é desterrado para a Índia.
1552. Corpus Christi. No Largo do
Rossio dois mascarados lutam com Gaspar
Borges, funcionário da Cavalariça
Real. Camões aproxima-se, reconhece
os mascarados, são amigos seus.
Não hesita, mete a mão
no bolso e parte para a rixa. Faca
em punho, movimento nervoso, cutilada
no pescoço do adversário.
A noite acaba em sangue. Camões
é preso e levado para a cadeia
do Tronco.
A
mãe, Dona Ana de Macedo, chora
a prisão do filho. Vive em
súplica de perdão para
Luís: visita ministros reais
e o próprio Borges. Passados
nove meses a vítima, já
restabelecida do ferimento, resolve
atender ao pedido.
É
dia de alguma liberdade para Camões.
O poeta deixa as masmorras sob duas
condições: primeiro
tem de pagar multa de 4 mil réis
ao esmoler dEl-Rei; depois,
embarcar para a Índia e servir
por três anos na milícia
do Oriente.
Em
Março de 1553 o poeta parte
para Goa na São Bento, nau
incorporada à frota comandada
pelo capitão Fernão
Álvares Cabral. É soldado
raso. Chega à capital da Índia
portuguesa seis meses depois. Pena
e papel sempre à mão,
o poeta escreve sobre o que vê:
"(...)
Cá, onde o mal se afina e o
bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega monarquia
Cuida que um nome vão a Deus
engana;
(...) Cá neste escuro caos
de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!"
(1)
Camões
participa numa expedição
punitiva contra o Rei de Chemba, na
Costa do Malabar, enviada pelo Vice-Rei
D. Afonso de Noronha. Vitória.
O poeta regressa a Goa. Em Fevereiro
de 1554 parte novamente sob o comando
de D. Fernando de Meneses. Desta vez
em perseguição a navios
mouros que comercializavam entre a
índia e o Egipto, prejudicando
o monopólio mercantil dos portugueses.
A frota só volta à Índia
em Novembro do mesmo ano.
Chegam
as férias militares, fim do
soldo. Para ganhar alguns trocados,
Camões escreve versos e autos
por encomenda de um poderoso senhor
que os apresenta como seus à
pretendida. Em troca, restos de comida.
O poeta também se torna escriba
público. São muitos
os soldados analfabetos. Camões
escreve cartas para os seus familiares
no Reino. Assim vive em Goa até
1556: "Junto de um seco, duro,
estéril monte"(2). "Numa
mão sempre a pena e noutra
a espada".(3)
O NAUFRÁGIO
Fim
do estágio obrigatório
na milícia do Oriente. Camões
é nomeado provedor-mor em Macau,
entreposto comercial de portugueses
na China. É encarregado de
arrolar e administrar provisoriamente
os bens de pessoas falecidas ou desaparecidas.
Lá, descobre uma estreita gruta,
refúgio. Passa horas a escrever,
Os Lusíadas: a viagem épica
de Vasco da Gama e, no extremo sul
da África, o gigante Adamastor
a tentar impedir o avanço dos
nautas portugueses:
«Eu
sou aquele oculto e grande Cabo
A quem vós chamais de Tormentório.»
Heróis
trágico-marítimos; deuses
mitológicos, paixões,
intrigas, batalhas, aventuras e cobiças.
Histórias de um minúsculo
Portugal em expansão, «mais
do que prometia a força humana»...
Não
tarda e é acusado, por compatriotas,
de apropriação de dinheiro
alheio. Camões tem de ir a
Goa para responder a inquérito
judicial.
No
regresso, o susto, o naufrágio.
Está na Costa de Camboja, próximo
do Rio Mecom. Camões salta
do barco. Os Lusíadas colados
ao corpo. Braçadas. Mais braçadas.
Turbilhão de água, escassez
de ar. Camões nada, incansavelmente.
Terra firme. Ainda não perdeu
os sentidos. Sabe que está
vivo. Olhar de soslaio, o manuscrito
está salvo. Já pode
desmaiar. O corpo a transpirar, ardência,
febre. A infância, paixões
e conflitos, lampejos. Mazelas.
TRISTE VIDA SE ME ORDENA...
Camões
enamora-se da irmã do rei.
Camões
perde um olho numa escaramuça
em Ceuta. E, entretanto, o que está
a acontecer no resto do mundo? Consulta
a Tábua Cronológica.
Fidalgo
pobre, de família arruinada,
tem uma infância cheia de privações.
O pai, Simão Vaz de Camões,
deixa filho e esposa, em busca de
riquezas nas Índias. Morre
em Goa. A família desamparada.
O menino Luís Vaz assiste ao
novo casamento da mãe. Um estranho
ocupa o lugar do falecido.
É
educado em Lisboa por dominicanos
e jesuítas. Vive um período
em Coimbra, onde faz o curso de Artes
no Convento de Santa Cruz. O tio,
D. Bento de Camões, é
prior do Mosteiro e chanceler da Universidade.
Camões frequenta os centros
aristocráticos, onde tem acesso
às obras de Petrarca - a quem
toma por modelo -, Bembo, Garcilaso,
Ariosto, Tasso, Bernardim Ribeiro,
entre outros. Domina a literatura
Clássica da Grécia e
Roma; lê latim, sabe italiano
e escreve o castelhano.
Conta-se
que o poeta é levado a frequentar
o Paço por D. António
de Noronha, cuja morte é citada
num soneto. Ali conhece Dona Caterina
de Ataíde, Dama da Rainha,
por quem se apaixona perdidamente.
O objecto de paixão é
imortalizado na sua lírica
sob o anagrama de Natércia.
Há quem diga ainda que o autor
dOs Lusíadas se enamora
da própria Infanta D. Maria,
irmã de D. João III,
Rei de Portugal.
Talvez
boatos, como tantos outros acerca
de sua vida. O que se sabe ao certo
é que os seus amigos são
vadios que se amotinam pelas ruas
da cidade; as suas mulheres, meretrizes.
O Malcozinhado, bordel de má
fama lisboeta, é o lugar preferido
para refastelar-se. Gosta de fitar
o sexo oposto. Assedia, fala, canta.
É jocoso. Convida a dançar,
cheiro a cravo. Saiotes a girar, contentamento.
Inspiração:
"Amor
é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não
se sente ;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer..."(4))
Mas
a vida do poeta não é
feita só de encontros fortuitos.
Alterna pequenos momentos de regozijo
com indagações profundas
sobre si mesmo. Nos seus pensamentos,
os apetites carnais entram em colisão
com a visão platónica
que tem da mulher e dos sentimentos
amorosos. Transfere a contradição
para a lírica. Compõe
o amor no seu mais alto anseio espiritual,
afectivo. O amor transcendente, imaculado:
"Transforma-se
o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar,
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está
liada." (3)
Mas
também evoca o erotismo, os
desejos e a arte de tão bem
seduzir. Dirá mais tarde, nOs
Lusíadas:
"Oh!
Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tam suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã
e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é exprimentá-lo
que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode
exprimentá-lo." (5)
Num
plano mais terreno, Camões
tem outras inquietações.
É apontado como sujeito folgado
e briguento. Ganha a alcunha de Trinca-Fortes.
As suas desavenças dão
origem ao desterro, em 1548. Segue
para o Ribatejo. No bolso, nem um
vintém. Amigos afortunados
garantem-lhe cama e comida.
Vive
seis meses na província, de
favores. Resolve alistar-se na milícia
do Ultramar. Embarca para Ceuta no
Outono de 1549. Perde o olho direito
numa escaramuça contra os mouros
inimigos de Cristo. Em 1551, volta
a Lisboa. Amargura, desilusão:
"(...)
Que castigo tamanho e que justiça.
(...)Que mortes que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimenta."(6)
O
poeta anda muito calado. Reflexões.
Confessa aos amigos que sente despedaçados
todos os valores em que acredita,
ele, homem de princípios cristãos.
Aflito com as diferenças entre
utopia e realidade, aspiração
e recompensa. Já escrevera
sobre a contradição
entre o que julga ser moral, racional
e o que realmente testemunha e vive.
É o "desconcerto do Mundo,
em que os bons vê sempre passar
no mundo graves tormentos, os maus
vê sempre nadar em mar de contentamentos"
(1). Tais injustiças passam
a ser tema constante na sua lírica.
Descreve os seus infortúnios,
aponta com desprezo a sede cobiçosa,
o querer tiranizar (1). Também
não lhe escapam as transformações
às quais os homens estão
sujeitos:
"Mudam-se os tempos, mudam-se
as vontades
Muda-se o Ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades."
(3)
AQUELA CATIVA...
Camões
apaixona-se pela cativa chinesa.
Camões
acorda na praia. Tudo embaçado,
imagens sem sentido. Sonho e realidade
confundem-se. Abandona-se. Chora a
perda da mulher amada: Dinamene, a
chinesa, "aquela cativa que me
tem cativo"... Ela, que viajou
em sua companhia, não sobreviveu
ao naufrágio.
Luís
Vaz levanta-se, caminhar trôpego,
desconsolo:
"Alma
minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre
triste." (3)
Permanece
na região em companhia de monges
budistas, até que um dia é
levado de volta a Goa num navio português.
NASCE A OBRA
Camões
passa miséria em Moçambique.
Em
Goa, sempre as atribulações:
um empréstimo aqui, outro acolá.
Finta. Um credor zanga-se. Cadeia.
Do cárcere, Camões invoca
os bons ofícios do Conde de
Redondo, vice-Rei da Índia
Portuguesa, nuns versos humorísticos
escritos por volta de 1562. O vice-rei
concede-lhe a liberdade. O poeta é
ainda distinguido com a sua protecção.
Nesta
época mantém contactos
com outras figuras importantes. Representa
o auto do Filodemo ao governador Francisco
Barreto. Compõe uma ode a favor
do vice-rei D. Constantino de Bragança,
defende-o contra críticas.
Também é amigo do vice-rei
Francisco de Sousa Coutinho. Ganha
de um deles a nomeação
para a feitoria do Chaul, mas não
chega a ocupar o cargo. Convive com
Diogo do Couto, o continuador das
"Décadas", e com
Garcia de Orta. O médico, naturalista
e ex-catedrático de Lisboa
pede-lhe uma ode para acompanhar a
primeira edição dos
"Diálogos dos Simples
e Drogas".
Apesar
das boas relações, Camões
queixa-se da vida difícil.
Resolve então celebrar as próprias
desgraças, é o que diz
aos companheiros. Banquete. Mas na
mesa, não há iguarias
nem bom vinho.
"Heliogábalo
zombava das pessoas convidadas,
E de sorte as enganava,
Que as iguarias que dava
Vinham nos pratos pintadas.
Não temais tal travessura,
Pois já não pode ser
nova;
Que a ceia está segura
De não vos vir em pintura,
Mas há de vir toda em trova."
(3)
Em
1567, Camões conhece Pêro
Barreto. Nomeado capitão para
Moçambique, Barreto promete-lhe
um emprego e adianta-lhe o pagamento
da passagem. Dívida prolongada.
Os dois brigam. O Capitão manda
prendê-lo, rotina.
Fome.
Os amigos mais uma vez ajudam-no.
Inverno. Camões fecha-se na
poesia. Retoca os seus Lusíadas.
Deseja muito imprimi-los. Nestes dias
de frio, o poeta nunca larga a sua
pena: compõe o "Parnaso
Lusitano", colectânea de
poemas líricos. Obra de muita
erudição, consideram
os amigos. Um ladino leva-a, fim desconhecido.
Finais
de 1569. Nos últimos meses,
o poeta fala muito na Pátria,
que tanto exalta em seus cantos. Saudades.
Diogo do Couto junta uns amigos, compram
roupas a Camões, pagam-lhes
as dívidas e ajudam-no a deixar
Moçambique.
Camões
chega a Lisboa na Santa Clara, em
1570. Traz com ele Jau, um escravo
javanês comprado em Moçambique,
e os dez cantos dOs Lusíadas.
Na capital portuguesa vai viver com
a mãe, na Mouraria. A sua penúria
é ainda maior. O poeta abatido
pousa a cabeça na escrivaninha
e queixa-se em voz baixa: "Ah!
Fortuna cruel! Ah! Duros Fados! (7)
EDIÇÃO D OS
LUSIADAS
Apenas uma ambição:
editar Os Lusíadas. Macambúzio,
roupa apertada e esgarçada,
restos de altivez, o poeta pede ajuda
ao Conde de Vimioso, D. Manuel de
Portugal. Permissão real para
levar adiante o seu projecto. Júbilo.
O censor, Frei Bartolomeu Ferreira,
concede-lhe o imprimatur. Mas antes,
lê o poema e faz algumas modificações:
limpeza de certos indícios
de impiedade.
Na
oficina do Mestre António Gonçalves,
à Costa do Castelo, a obra
de Camões ganha corpo. Desatenção:
duzentos exemplares cheios de erros
tipográficos. Correm os primeiros
meses de 1572.
Após
a publicação, D. Sebastião,
o jovem monarca, concede ao poeta
uma tença trienal de 15 mil
réis, ou seja 40 réis
por dia, "em respeito aos serviços
prestados na Índia e pela suficiência
que mostrou no livro sobre as coisas
de tal lugar". Vale lembrar que,
nesta época, um carpinteiro
ganha em média 160 réis
por dia. A pensão é
renovada em 1575 e novamente em 1578.
Conta-se que o poeta sobrevive juntando
estes proventos às esmolas
recolhidas pelo escravo javanês.
O
seu nome começa a fazer eco.
Composições líricas
e até cartas suas - uma escrita
em Ceuta, outra na Índia e
mais duas escritas em Lisboa - passam
a ser recolhidas em cancioneiros particulares
manuscritos.
MORRE O AUTOR
Peste
em Lisboa.
Em
1579 a peste assola Lisboa. Num quarto
escuro, Camões estirado na
cama. Tem muita febre e já
ninguém duvida que é
mais uma vítima da doença.
Na boca, um gosto, misto de gengibre,
canela, cominhos e açafrão:
remédio contra a pestilência.
Dona Ana de Macedo segue todas as
receitas conhecidas: sangria e até
sumo de serpilho misturado com leite
de mulher. Na casa, o fogo sempre
aceso para queimar o ar que tresanda.
O
autor dOs Lusíadas está
muito fraco, mas insiste em escrever.
Remete uma carta a D. Francisco de
Almeida, referindo-se ao desastre
de Alcácer-Quibir, à
ruína financeira da Coroa portuguesa,
à independência nacional
ameaçada. "Enfim acabarei
a vida e verão todos que fui
tão afeiçoado à
minha Pátria que não
só me contentei de morrer nela,
mas com ela".
A
mãe deixa o quarto, prato de
comida intacto nas mãos. O
poeta já não reage.
Desvanece.
"Foge-me,
pouco a pouco, a curta vida,
Se por acaso é verdade que
inda vivo;
(...) Choro pelo passado; e, enquanto
falo,
Se me passam os dias passo a passo.
Vai-se-me, enfim, a idade e fica a
pena." (3)
OS ERROS E A FORTUNA
O seu corpo é sepultado num
canto qualquer da banda de fora do
cemitério do Convento de Santana.
E ainda assim graças à
Companhia dos Cortesãos, que
paga as despesas do funeral. Segundo
os amigos mais próximos, os
últimos anos de Camões
são vividos na mais absoluta
miséria. À mãe
deixa apenas a tença que lhe
foi atribuída e a ela transferida.
Depois
da sua morte cresce o interesse pelos
seus poemas - apenas três deles
publicados em vida - e pelos seus
autos e comédias: Auto dos
Anfitriões, Auto dEl
Rei-Seleuco e o Auto de Filodemo.
Em
1548 sai a segunda edição
dOs Lusíadas, chamada
"Dos Piscos". Expurgada
pela censura, que a mutila, principalmente
por motivos religiosos, até
à quarta edição
em 1609. Em 1670, contam-se 18 edições
dos cantos. O tempo passa, estudiosos
de vários pontos do mundo debruçam-se
sobre a sua vida e obra. É
elevado a herói nacional. O
poeta ainda vivo, apesar do seu fado.
Vivo pelo seu amor à Pátria,
pela epopeia, pelOs Lusíadas.
Vivo pela sua angústia existencial,
pela sua lírica: a mulher como
anjo, porém a carne; a razão,
porém o desejo; as ideias,
porém o dia-a-dia; o espírito,
porém o corpo. Luís
Vaz dilacerado, violência, violência:
"Erros
meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se
conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão
presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca
ser contente.
Errei todo o discurso dos meus anos;
Dei causa a que a fortuna castigasse
As minhas mais fundadas esperanças.
De amor não vi se não
breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!"(1)
_____________________________________________________________
(1)
"Rimas,1616 - (2) "Os Lusíadas",
canto VII - (3) "Rhitmas, 1595
- (4) "Rimas", 1598 - (5)
"Os Lusíadas", Canto
IX - (6) "Os Lusíadas",
canto IV - (7) "Rimas",
1668