Martinho Lutero |
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"Quando a escola progride, tudo progride"
Para
pensar:
A criação de uma rede de ensino público foi
planejada pelos reformadores luteranos a pedido de governantes
que perceberam a urgência de oferecer instrução
ao povo. O interesse dos príncipes era fortalecer seus
domínios num tempo de constantes hostilidades entre os
Estados. "Lutero argumentou que o dinheiro investido em educação
seria muito menor do que o gasto com armas e traria benefícios
mais profundos", diz o pastor Walter Altmann. E você,
que argumento utilizaria, nos dias de hoje, a favor da educação
para todos?
Obra
Movido
pela indignação e pela discordância com os
costumes da Igreja de seu tempo, o monge alemão Martinho
Lutero (1483-1546) foi o responsável pela reforma protestante,
que originou uma das três grandes vertentes do cristianismo
(ao lado do catolicismo e da Igreja Ortodoxa). O nascimento do
protestantismo teve profundas implicações sociais,
econômicas e políticas. Na educação,
o pensamento de Lutero produziu uma reforma global do sistema
de ensino alemão, que inaugurou a escola moderna. Seus
reflexos se estenderam pelo Ocidente e chegam aos dias de hoje.
A idéia da escola pública e para todos, organizada
em três grandes ciclos (fundamental, médio e superior)
e voltada para o saber útil nasce do projeto educacional
de Lutero. "A distinção clara entre a esfera
espiritual e as coisas do mundo propiciou um avanço para
o conhecimento e o exercício funcional das coisas práticas",
diz o pastor Walter Altmann, presidente da Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil.
Venda de indulgências foi o estopim da revolta
Embora
nunca tivesse planejado uma cisão na Igreja, Lutero dedicou
a maior parte de sua vida à polêmica doutrinária
em torno da fé cristã. Sua produção
intelectual foi intensa e erudita, e seus atos, graças
ao surgimento da imprensa e do clima de descontentamento social,
ganharam vasta repercussão. Apesar da complexidade do cenário,
pode-se identificar dois fatores que desencadearam a dissidência
de Lutero.
O primeiro foi a venda de indulgências pela Igreja. Segundo
esse costume, que se iniciou na última fase da Idade Média,
os fiéis podiam comprar, de um representante do clero,
parte da absolvição de seus pecados. A prática
era oficial, aprovada pelo papa e vinha acompanhada de um ritual
solene. O comércio de indulgências representava uma
espécie de resumo do que havia de mais condenável
no comportamento da Igreja daquele tempo: ganância, ostentação,
arbitrariedade e mundanismo. As deturpações do cristianismo
incomodavam os poderes locais e repugnavam os intelectuais.
Lutero sempre havia pregado contra as indulgências, mas
o que o levou a realizar um protesto público, em 1517,
foi a venda de uma indulgência especial, que oferecia privilégios
específicos, lançada pelo Vaticano para financiar
a reconstrução da Basílica de São
Pedro. Contra ela, Lutero elaborou 95 teses, criticando as práticas
eclesiásticas, e afixou-as na porta da Igreja do Castelo
de Wittenberg. Foi o início do conflito entre o monge alemão
e a autoridade papal.
A segunda grande inquietação de Lutero tinha origem
doutrinária e o atormentou durante seus anos de formação.
Ele não aceitava o princípio, então dominante
no cristianismo, de que a justiça divina se manifestava,
no plano terreno, como um julgamento dos atos dos homens. Para
Lutero, isso produzia medo e tornava praticamente impossível
o sentimento espontâneo de amor a Deus. A indignação
de Lutero só se dissipou quando, ao interpretar os Evangelhos,
concluiu que os homens vivem por uma graça de Deus e que
a justiça divina é revelada pelas escrituras de
modo passivo e independentemente dos méritos ou ações
de cada um durante a vida. Foi o que se tornou conhecido como
doutrina da salvação pela fé.
Instrução para fortalecer a cidade
Tão importante quanto Lutero para a educação foi Philipp Melanchthon (1497-1560), o "preceptor da Alemanha". Durante o período que Lutero passou impedido de se manifestar publicamente, Melanchthon foi o porta-voz da causa reformista e um dos encarregados de reorganizar as igrejas dos principados que haviam aderido ao luteranismo. Esse trabalho resultou no projeto de criação de um sistema de escolas públicas, adotado pelo estado da Saxônia e depois copiado em quase toda a Alemanha. A reforma da instrução era uma das principais reivindicações das camadas mais pobres da população, insatisfeitas com as más condições de vida e com o ensino escasso e ineficaz oferecido pela Igreja. Esses foram alguns dos motivos da revolta armada dos camponeses, sangrentamente reprimida em 1525. Tanto Melanchthon quanto Lutero — que, entre outros princípios avançados para seu tempo, defendiam a educação também para as meninas - viam na instrução um assunto do interesse dos governantes. "A maior força de uma cidade é ter muitos cidadãos instruídos", escreveu Lutero. Para isso, foi criado um sistema que atendia tanto à finalidade de preparar para o trabalho quanto à possibilidade de prosseguir os estudos para elevação cultural. O currículo era fortemente baseado nas ciências humanas, atribuindo importante função formadora ao estudo da História.
Nova classe seria formada por cidadãos cultos
A
reivindicação pela liberdade de interpretar a Bíblia
tornou-se não só um dos pilares da reforma protestante
como o princípio fundador do projeto educacional de Lutero,
que valorizou a alfabetização e o ensino de línguas
— e, mais importante, pregou o acesso de todos a esse conhecimento.
Os renovadores religiosos defendiam a formação de
uma nova classe de homens cultos, dando origem ao conceito de
utilidade social da educação.
Lutero tinha um projeto inovador, mas abominava a possibilidade
de se tornar porta-voz de qualquer idéia ou ambição
revolucionária. Mesmo assim, o surgimento do protestantismo
foi ao encontro dos desejos da classe economicamente emergente
de comerciantes, para quem a educação representava
uma possibilidade de aceitação e ascendência
social. Nas primeiras décadas do século 16, o Sacro
Império Romano-Germânico era um mosaico de principados
mais ou menos independentes. Os interesses político-econômicos
do imperador, da Igreja e dos príncipes emperravam uns
aos outros. Os príncipes, menos obrigados ao poder papal
do que o imperador, viram em Lutero uma possibilidade de se afirmar
politicamente contra a autoridade central e de contestar os direitos
da Igreja sobre riquezas que se encontravam em seus territórios.
O fato de Lutero não acreditar que a salvação
da alma estivesse vinculada às ações em vida
não implicava descaso pelas coisas mundanas. Ao desvincular
as esferas do poder espiritual e do poder temporal, Lutero atribuía
ao último a responsabilidade de administração
da vontade de Deus — por isso a obediência civil seria
um dever moral e a rebelião um pecado. "A ligação
entre os dois mundos é a fé, porque os que crêem
são também vocacionados para servir o próximo
na sociedade", diz o pastor Altmann.
Tempo de revolta contra os vícios da Igreja
A reforma luterana foi o mais importante, mas não o único, movimento religioso a confrontar a Igreja entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Outras cisões do período foram o calvinismo, liderado pelo suíço João Calvino (1509-1564), e o anglicanismo, oficializado em 1558. Todas essas rupturas misturavam teologia, política e nacionalismo. Elas tinham em comum a reação contra o autoritarismo das estruturas medievais da Igreja e também seus desvios morais. Todas pretenderam renovar o cristianismo, com o ressurgimento da fé considerada autêntica, isto é, individual e interiorizada. Do ramo protestante do cristianismo nasceram várias subdivisões: luteranos, metodistas, batistas e os pentecostais e neopentecostais, conhecidos popularmente no Brasil como evangélicos. O golpe desferido pela reforma luterana na Igreja de Roma foi o tema central do Concílio de Trento, reunião de cúpula do catolicismo que durou 18 anos (de 1545 a 1563). Dele nasceu o movimento conhecido como Contra-Reforma, uma iniciativa em várias frentes para recobrar a imagem de austeridade e o respeito dos fiéis.
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Bibliografia
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, Mario Alighiero Manacorda, 382 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3864-0111, 39 reais
LUTERO E LIBERTAÇÃO, Walter Altmann, 352 págs., Ed. Sinodal, tel. (51) 590-2366, 45 reais filmografia
LUTERO
(Luther), Alemanha, 2003, 116 min., direção de Eric
Till, Casablanca Filmes, www.casablancafilmes.com.br
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Fonte: http://revistaescola.abril.uol.com.br/edicoes/0187/aberto/mt_102560.shtml