Milho: Cidadão
Americano, Cidadão do Mundo.
João Luís
de Almeida Machado
Resumo:
Alimento de homens e de deuses, assim era conhecido
o milho entre os Maias, Incas e
Astecas, as civilizações pré-colombianas.
Nascido nas Américas, onde reinou
quase que totalmente como principal
ingrediente alimentar (exceto no
Brasil, onde a primazia era da Mandioca),
o milho ganhou o mundo após a chegada
de Cristóvão Colombo. Encontrou
resistências em algumas nações do
Velho Mundo, mas ganhou espaço por
sua versatilidade, resistência e
sabor. De cidadão das américas para
cidadão do mundo, essa é a história
que contamos através desse artigo.
Palavras-chave: Milho, Gastronomia, História, Alimentação, Ciência.
Abstract: Food of men and gods, this is
the way corn was known among the
Mayas, Incas and Aztecs, the civilizations
that stood in America before the arrival
of European navigators. Born in
America, land in which it
was the most important ingredient
of alimentation (except in Brazil, where the manioc
was the main food for the Indians),
corn won the world after the visit
of Christopher Columbus. It fought
against resistances in some nations
of the Old World, but this cereal
gained space because of its versatility,
resistance and flavor. From citizen
of America to citizen of the
world, this is the history we tell
in this article.
Keywords: Corn, Gastronomy, History, Alimentation,
Science.
O
terceiro cereal mais importante
do mundo, a “planta da civilização”
por excelência da América, é o milho
(Zea
Mays). Plantado desde cerca
de 3000 a 3500 a.C. nos planaltos mexicanos, alcançou o Peru
2000 anos mais tarde, produzindo
a mais alta rentabilidade por semente
(de uma semente plantada obtinha-se
80 ou até mesmo, em casos excepcionais,
800). Apenas com o uso da enxada
e com poucos dias de trabalho ao
ano (cerca de 50), o milho garantiu
altas densidades populacionais e
dispensou um imenso contingente
de mão de obra dos afazeres agrícolas
que foi empregado para as monumentais
obras arquitetônicas das civilizações
pré-colombianas da América. (CARNEIRO,
2003)
Cristóvão
Colombo é considerado o descobridor
não só do Novo Continente, a América,
mas também de seu mais reputado
alimento, o Milho. Rico em lipídios,
proteínas, vitaminas (A e C) e carboidratos,
esse cereal branco ou amarelo, protegido
por camadas de folhas fibrosas,
era há muito tempo a principal fonte
de energia (para cada 100 gramas de milho há, aproximadamente, 354 calorias) consumida
pelos índios americanos.
O
modo mais comum de utilização do
milho pelos nativos americanos era
como farinha ou fubá. Depois de
pilado, o cereal era então fervido
e comido como polenta ou ainda,
transformado em deliciosas tortilhas
e massas comestíveis que faziam
a festa dos Mexicas (ou Astecas),
Maias, Incas e demais povos da região
centro-americana e andina. Essas
tradições foram preservadas até
os dias de hoje e esses alimentos
derivados do milho continuam sendo
muito populares.
Além
das mencionadas tortilhas e polentas,
também é comum o consumo do milho
cozido temperado apenas com sal
(ao qual algumas pessoas gostam
de adicionar manteiga) ou ainda
assado na grelha (sendo que em algumas
regiões coloca-se a espiga no fogo
sem que se retire a palha). Recomenda-se
que o Milho Verde seja sempre comprado
com a palha que o recobre intacta,
pois o açúcar contido em seus grãos
se transforma em amido quando se
retira sua camada protetora que
é justamente essa palha.
Entre
os povos que o consumiam regularmente
nas Américas deve ser dado um destaque
todo especial aos Maias, Astecas
e aos Incas, civilizações desenvolvidas
que foram encontradas nas Américas
pelos europeus. Seus habitantes
tinham muitos conhecimentos em astronomia,
arquitetura, matemática, irrigação,
agricultura, drenagem, artesanato
e economia, entre outras. Destaque-se
também que souberam se apropriar
dos elementos naturais que lhes
eram fornecidos nas regiões em que
se estabeleceram para não apenas
sobreviver, e sim, para viver de
forma confortável e majestosa.
Muito
ligados à religiosidade, costumavam
atribuir os ciclos da natureza a
seus deuses. Como conseqüência disso,
a fertilidade dos solos, o período
de chuvas, a época apropriada para
o plantio ou o momento exato de
colher seus alimentos eram motivo
de festas e celebrações rituais
em agradecimento pela fartura. Essa
forte relação com a religião e também
a alegria decorrente da produção
de alimentos entre os Maias pode
ser percebida no seguinte trecho
do livro Os
Sabores da América:
Os
Deuses eram senhores e reguladores
do tempo: Tláloc, o deus da chuva,
abençoava a superfície da terra;
Xipe Totec verdejava os campos;
e Xilonen fazia florescer o milho.
O primeiro mês do calendário sagrado
correspondia ao nosso mês de março,
época em que preparavam a terra
para receber as primeiras chuvas.
Na primeira comemoração do ano,
homenageavam o deus Tlaloques e
lhe pediam um ano fértil. No mês
de setembro (ochpaniztli)
comemoravam a festa da colheita
de milho, feijão, abóbora, chile, cacau, tomate e baunilha. (BELLUZZO, 2004)
Nesse
sentido o milho ou maiz era o principal
motivo de satisfação e orgulho desses
povos. Para obter o milho e os outros
alimentos basilares de sua alimentação,
essas avançadas civilizações pré-colombianas
tiveram que desenvolver técnicas
agrícolas que solucionassem as dificuldades
encontradas em seus territórios.
Os Astecas, por exemplo, construíram
canais, ilhas artificiais flutuantes
(conhecidas como chinampas) e drenaram ou irrigaram as regiões
onde esse trabalho era necessário.
Os Incas lidaram com terrenos montanhosos
onde criaram um engenhoso sistema
de plantio nas encostas que evitava
a erosão e o desgaste do solo. Em
ambos os casos há registros de que
o principal alimento a ser preservado
e produzido era justamente o milho.
O
que também chamou muito a atenção
dos conquistadores espanhóis que
dominaram essas civilizações foram
os mercados públicos onde se vendiam
muitos e muitos produtos, alguns
conhecidos pelos europeus e outros
totalmente desconhecidos, como é
o caso do próprio milho, do cacau
(e consequentemente do chocolate),
do tomate e de várias espécies de
pimentas. O mercado principal da
maior cidade asteca, Tenochtitlán,
acomodava 5 mil barracas vendendo
produtos e tinha uma circulação
de aproximadamente 60 mil pessoas
por dia.
Incas,
Maias e Astecas ficaram historicamente
conhecidos como “civilizações do
milho” por sua relação tão intensa
e mística com esse cereal. Conta-se
que, a despeito da luxuosidade das
refeições dos líderes desses povos,
o dia a dia era pautado em refeições
simples, onde o granturco
(milho em italiano) era presença
obrigatória. Para a confecção de
tortilhas, tamales e de bebidas como o pozol e o atol, o processo normal de preparação dessa iguaria naquela época
seguia os passos apresentados abaixo:
O
milho passa por um processo artesanal
e caseiro, o nixtamal. Seus grãos são colocados de molho em água com sal e em seguida
cozidos a 80°C. Quando a película
que os envolve se desprender facilmente,
o ponto de cozimento terá sido atingido.
Devem ser mantidos em repouso até
o dia seguinte, quanto então, após
serem lavados repetidas vezes, são
dispostos sobre o metate – pedras de moer acompanhadas da mó – com o objetivo de eliminar
sua cutícula. Desse processo resulta
uma massa básica com a qual se preparam
várias comidas e bebidas. (BELLUZZO,
2004)
O maïs
(milho em francês), quando fresco,
dura cerca de três dias sob refrigeração.
Como o processo de resfriamento
é contemporâneo, esse alimento também
se destacou entre os povos antigos
por poder ser estocado quando maduro.
Era então colocado em local seco
e protegido onde acabava sendo guardado
durante algum tempo e servia para
sustentar as comunidades em períodos
de escassez e fome. O controle desses
estoques de alimentos, entre os
quais o milho, também se tornava
fonte de poder e autoridade dos
imperadores e reis em relação a
seus povos.
Apesar
de destacado em praticamente todas
as referências como um alimento
típico das Américas, o milho, a
partir de algumas de suas variedades,
é mencionado na história desde a
Antiguidade. A partir de escritos
do romano Plínio, o Velho - há menções
ao uso e consumo do milho miúdo
(milium)
e do milhete (panicum)
entre os etruscos, célebres e desenvolvidos
ancestrais dos romanos. Não se tratava,
evidentemente, do milho verde encontrado
em terras americanas, mas é importante
lembrar esse registro tão antigo
sobre parentes próximos do Zea Mays (nome científico).
As
menções ao milhete e ao milho miúdo
na história européia não se restringem
a Idade Antiga e aos Etruscos e
Romanos, estendem-se também ao Medievo.
Nesse outro período verifica-se
que o consumo desses cereais constituiu
um adendo alimentar expressivo para
alguns períodos do ano, particularmente
para as épocas de crise.
Testemunhos
de vários tipos comprovam que os
habitantes das zonas rurais utilizam
muito mais, e com mais freqüência,
os cereais menores, que quase sempre
suplantam o trigo em sua alimentação.
Menos exigentes do que este no que
diz respeito à qualidade do solo
e às técnicas de cultura, com um
rendimento mais seguro e elevado,
eles respondem de forma aleatória
às exigências fundamentais do abastecimento
doméstico do agricultor. Além disso,
graças à rapidez de seu ciclo vegetativo,
os cereais de primavera – o milhete,
o milho miúdo e o sorgo – fornecem,
em tempos de crise, um aporte considerável.
(CORTONESI, 1998)
É,
no entanto, a partir da visita de
Colombo que o milho que conhecemos
embarca em direção a Europa de forma
definitiva para se tornar cidadão
do mundo.
Levado para a Europa por Cristóvão Colombo
em 1493, aclimatou-se muito rapidamente:
desde os primeiros anos do século
XVI, era cultivado em Castela, Andaluzia
e Catalunha; em torno de 1520, também
no leste de Portugal; em seguida
ele entra
no sudoeste da França (em
Bayonne, a partir de 1523) e no
norte da Itália (em Veneza entre
1530 e 1540), depois na Panônia
e na península dos Bálcãs. (FLANDRIN, 1998)
Na
Europa da Modernidade o consumo
do milho se consolidou primeiramente
entre as pessoas mais humildes.
A elite européia, constituída pelos
nobres e burgueses, reagia de forma
discriminatória em relação a um
cereal que também era utilizado
como ração animal e, por esse motivo,
só se renderia aos encantos do Corn (milho em inglês) algumas décadas
depois da plebe.
Entre
a população mais pobre dessa Europa
Moderna (séculos XV a XVIII), a
utilização do milho se deu principalmente
enquanto farinha grossa que dava
substância e sustentação a sopas,
papas e guisados confeccionados
em suas pobres residências. A aceitação
se deu principalmente a partir da
Itália, onde o milho verde rapidamente
suplantou seus antecessores (milhete
e milho miúdo) e fez surgir uma
das maiores tradições gastronômicas
da Bota, a polenta.
Os
franceses, que também acabaram aderindo
ao consumo do milho americano a
partir do século XVII, fabricavam
a partir de sua farinha grossa ou
mesmo do fubá uma iguaria conhecida
como milhade
ou millasse.
Ao
se espraiar pelo Velho Continente
ao longo dos séculos XVIII e XIX,
o milho juntamente com a Batata
acabou também ajudando a resolver
um dilema fundamental dos novos
tempos, ou seja, como aumentar a
produção de alimentos a ponto de
abastecer os cada vez mais densamente
povoados centros urbanos surgidos
na esteira das revoluções burguesas.
Atualmente
o milho é utilizado na confecção
de pratos doces e salgados das mais
variadas espécies. Do fubá surgem
pratos deliciosos como o cuscuz,
pães, bolos e polentas. Há também
as pamonhas, o curau, o creme de
milho ou ainda saborosos sucos e
sorvetes. Além desses acepipes devemos
destacar que o milho é utilizado
para a confecção de subprodutos
como óleo de milho, xarope de milho,
farinha de milho e até bebidas destiladas.
Na
história do Brasil há informações
a respeito do milho desde a chegada
dos portugueses. Era também uma
das bases alimentares de nossa terra
juntamente com a mandioca, se bem
que, diferentemente dos demais povos
americanos, tinha importância secundária
quando comparado ao pão da terra
dos índios tupi-guaranis, muito
mais ligados à chamada Rainha do
Brasil, como era conhecida a Mandioca.
Os
portugueses não demoraram - como
os espanhóis em outras regiões americanas
- a se apropriar do milho tanto
para seu próprio consumo como também
para a alimentação de seus animais.
Em 1618, conforme nos diz Câmara
Cascudo, “o milho dava bolos, havendo
ovos, leite, açúcar e a mão da mulher
portuguesa para a invenção”.
O que
não se pode negar, definitivamente,
é que a partir de suas matrizes
americanas, o milho ganhou o mundo
e se tornou, sem dúvida alguma,
um dos mais importantes alimentos
de que se tem notícia.
REFERÊNCIAS:
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BELLUZZO, Rosa. Os
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2004.
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2003.
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