Geografia: Da Antigüidade à Pós-Modernidade
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Incorporando a tradicional tarefa de descrever a Terra, a Geografia surgiu organizada como sendo uma disciplina científica no transcorrer da segunda metade do século XIX. E na sua tarefa de produção científica, relacionada com a corrente do positivismo e da modernidade, surgiram estudos procurando estudar a distribuição espacial dos fenômenos físicos (relevo, clima, solos, águas), biológicos (vegetação e fauna), sociais (população, cidades, religião, etc) e econômicos (agricultura, produção de energia, comércio, etc) na superfície terrestre. Entretanto, compreendia-se claramente que em todo território ou área esses diversos fenômenos se entrelaçavam, formando uma paisagem distinta ou unidade espacial, denominada região, possibilitando os estudos sobre as mais diversas unidades e diferenciação areal da superfície terrestre. A tarefa dos geógrafos expressava-se em analisar os aspectos da distribuição espacial dos fenômenos e as características específicas dos lugares e regiões.
O século XX chegou e esse procedimento de análise geográfica permaneceu estável até a década de cinqüenta. A turbulência gerada pelo desenvolvimento das informações, da prática científica e transformações tecnológicas na Segunda Guerra Mundial começou a provocar mudanças nas atividades das disciplinas. No caso da Geografia, ocorreu a expansão da análise quantificativa, dos estudos sobre padrões espaciais e interação espacial e a absorção da análise sistêmica. As categorias de fenômenos componentes da paisagem começaram a ser compreendidos como elementos que se estruturavam em sua disposição espacial e funcionavam integradamente pela ação dos processos e fluxos, formando uma organização espacial, cujo conceito absorvia e ampliava os anteriores ligados às paisagens e regiões. Esse procedimento conceitual e analítico ganhou maior difusão no setor da Geografia Física, no estudo dos fenômenos físicos e na abordagem sobre os sistemas espaciais físicos, denominados de geossistemas. Em virtude dos percalços na Guerra do Vietname, dos movimentos populares e dos movimentos ambientalistas e ecológicos ocorridos na década de sessenta, difundiu-se a conotação da relevância social e expandiram-se propostas de análise visando substituir as normas metodológicas do neopositivismo, representadas pelo materialismo dialético, hermenêutica, fenomenologia e abordagem humanística. Tais proposições repercutiram em muitos estudos sobre os fenômenos sociais e econômicos, no campo das questões relacionadas com a Geografia Humana.
Mas o evoluir do conhecimento científico não parou e interagiu (desencadeando e usufruindo) com as transformações tecnológicas, principalmente da informática. A documentação originada pelo uso do sensoriamento remoto e expansão da cartografia propiciou explosão no fornecimento informativo sobre as características observadas em todas as áreas da superfície terrestre. A fim de enfrentar esse desafio, para a manipulação e análise da grande quantidade de informações sobre a distribuição espacial dos fenômenos, foram desenvolvidos os sistemas de informação geográfica.
Na segunda metade dos anos sessenta os cientistas, principalmente os meteorólogos e físicos, começaram a perceber que os fenômenos apresentavam um comportamento caótico, o que levou à formulação da teoria do caos. Esse comportamento salientava que os sistemas possuíam uma dinâmica não-linear, pois a categoria dos resultados gerados pelos processos eram previsíveis mas os estados-resposta imediatos não podiam ser determinados com certeza, pois tornavam dependentes de pequenas diferenças nas condições iniciais e aos efeitos ocasionados por pertubações. Simultaneamente, compreendia-se que os sistemas evoluíam para estados de auto-organização, e os seus limites críticos podiam ser alterados pela ação de forças condicionadoras, promovendo reajustagens ou mudanças estruturais no sistema. O conhecimento científico apresentava nova dimensão a respeito da estrutura, funcionamento e dinâmica dos sistemas e à comprensão de como o mundo funciona.
Paralelamente, estabelecia-se melhor a relação de que a atuação dos processos acabava gerando o aparecimento de uma forma, que expressava a organização e disposição dos elementos componentes. Por exemplo, a ação do vento carregando as folhas dispersas pelo chão pode formar montículos. Esses montículos de folhas são formas organizadas como respostas à ação do vento, mas que aparentemente surgem como confusas e caóticas. Elas não podem ser descritas nas categorias lineares (uni-direcionais), de áreas (bi-dimensionais) ou de volumes (tri-dimensionais) da geometria euclidiana. As formas dos montículos como as da superfície terrestre são sinuosas (rios, linhas costeiras), rugosas (topografias), tortuosas (cidades, bacias hidrográficas), fragmentadas. Na década de oitenta surgiu o desenvolvimento da geometria fractal da natureza visando a análise desse amplo campo de formas geométricas irregulares.
Também a partir da década de oitenta os cientistas começaram a dedicar atenção ao estudo dos sistemas complexos, a fim de compreender e analisar as características da complexidade inerente às diversas categorias de sistemas. Compreende-se facilmente a existência de sistemas complexos biológicos, físicos, econômicos, sociais, etc. que, embora focalizando categorias difeentes de fenômenos, possuem muitas peculiaridades comuns em sua estruturação e dinâmica. Entre as categorias de sistemas complexos também se enquadra a dos sistemas de organização espacial.
O desenvolvimento científico em torno dos sistemas dinâmicos não-lineares, do comportamento caótico, da auto-organização e da geometria fractal vem sendo considerado como característica da ciência na fase da pós-modernidade. A Geografia, como disciplina científica, não pode deixar de acompanhar esse desenvolvimento e absorvê-lo na potencialidade de contribuir para a compreensão e análise da categoria de fenômenos que representa o seu objeto de estudo.
Deve-se salientar que a categoria de fenômenos que representa o objeto de estudo da Geografia expressa a sua linhagem e continuidade, como disciplina individualizada, ao longo da evolução histórica, embora sempre incorporando as inovações e as novas abordagens científicas. Tais incorporações são realizadas pela e para a Geografia, a fim de esclarecer e precisar seus conceitos e ampliar seu arsenal técnico. Mas a sua problemática analítica quanto ao objeto permanece a mesma, isto é, conhecer as características da espacialidade dos fenômenos e das organizações espaciais na superfície terrestre, desde o exemplar único na escala de grandeza do globo até a enorme quantidade de lugares na escala de grandeza local. Pela relevância de sua temática, o conhecimento geográfico surge sempre como de elevado potencial aplicativo para atender a demanda e as necessidades da sociedade, como hodiernamente ocorre, por exemplo, nas problemáticas relacionadas com a análise ambiental e desenvolvimento sustentável.