Miscelânea
Barsa
Textos publicados
no sítio “Barsa”.
As
hidrelétricas brasileiras
Entre
as formas de aumentar a participação
da energia hidráulica na matriz energética
brasileira destaca-se o aproveitamento
do potencial da Amazônia, considerado
uma das melhores soluções para assegurar
o suprimento de energia elétrica no
período 2005-2020.
A
geração hidráulica é responsável por
cerca de 40% da oferta interna de
energia no Brasil — percentual ligeiramente
superior ao do petróleo e do gás natural
somados (37%) — e por mais de 90%
do suprimento de eletricidade no país.
Somente cerca de 25% do total do potencial
hidrelétrico brasileiro (de aproximadamente
261 mil megawatts) corresponde a usinas
em operação, o que indica que a participação
da energia hidráulica na matriz energética
brasileira deverá aumentar, sobretudo
em razão do aproveitamento do potencial
da Amazônia, considerado uma das melhores
soluções para assegurar o suprimento
da demanda de energia elétrica no
período 2005-2020. O país possui 403
usinas em operação e 25 em construção,
além de mais de 3.500 unidades registradas
no Sistema de Informação do Potencial
Hidrelétrico Brasileiro (instrumento
desenvolvido pela divisão de Recursos
Hídricos e Inventário da Eletrobrás),
em fases diversas de avaliação ou
planejamento. No rio Paraná, situa-se
a maior usina do mundo, a Itaipu Binacional,
empreendimento conjunto do Brasil
e do Paraguai, com potência instalada
de 12.600 megawatts (MW). As bacias
brasileiras com maior potencial hidrelétrico
são a do Paraná (59.183MW) e a do
Amazonas (105.440MW).
A
primeira exploração de energia hidráulica
no Brasil realizou-se em 1889, quando
foi instalada a usina Marmelos no
rio Paraibuna, em Minas Gerais. O
grupo Light, primeiro grande grupo
estrangeiro a se constituir no país,
instalou em 1911 no rio Tietê, em
São Paulo, a Usina Hidrelétrica Parnaíba,
e foi responsável pelo projeto e instalação
de grande parte das usinas hidrelétricas
do país na fase inicial do setor.
Na década de 1930, o governo adotou
uma série de medidas para deter o
processo de concentração do setor
elétrico, então dominado pela Light
e pelo grupo American & Foreign
Power Company (Amforp), que se instalou
no Brasil em 1927. Com a promulgação
do Código de Águas, em 1934, consagrou-se
o regime das autorizações e concessões
para os aproveitamentos hidrelétricos
e foram incorporadas ao patrimônio
da União todas as fontes de energia
hidráulica situadas em águas públicas
de uso comum e dominiais. Pelo Código,
as empresas estrangeiras não mais
podiam ser concessionárias, mas estavam
resguardados os direitos daquelas
já instaladas no país. Em 1964, o
governo brasileiro comprou as concessionárias
do grupo Amforp que operavam no Brasil,
e que passaram a ser subsidiárias
da Eletrobrás e, em 1979, com a aquisição
das ações da Light à multinacional
Brascan Limited, concluiu o processo
de nacionalização das concessionárias
do setor elétrico. A primeira empresa
de eletricidade do governo federal
foi a Companhia Hidro Elétrica do
São Francisco (Chesf), instituída
por decreto-lei de 1945, que marcou
o início de uma reorganização do setor,
caracterizada pela divisão entre a
geração e a distribuição de energia
e pela tendência à instalação de centrais
de grande porte. Na década de 1950,
as empresas brasileiras passaram a
participar da construção dos grandes
empreendimentos hidrelétricos no país.
Em
meados da década de 1990, o governo
promoveu uma reestruturação institucional
do setor elétrico com a finalidade
principal de estimular a participação
mais ampla do segmento privado na
exploração do potencial hidrelétrico,
atividade dominada por empresas de
economia mista que tinham como acionistas
majoritários os governos federal,
estadual ou municipal. Um dos principais
instrumentos para atingir esse fim
foi a Lei 8.987/95, pela qual regulamentou-se
o regime de licitação das concessões,
anteriormente restritas às concessionárias
estaduais ou federais. A Lei 9.074/95,
ao permitir aos grandes consumidores
a livre aquisição de energia, que
antes tinha de ser feita à empresa
geradora da região, isentou-os do
monopólio comercial das concessionárias.
Criada em 1961 para atuar como holding
do setor elétrico, a Eletrobrás
e suas quatro empresas regionais (Chesf,
Furnas, Eletrosul e Eletronorte) foram
incluídas no Programa Nacional de
Desestatização, regulado pela Lei
9.491/97. Alguns dos produtos das
parcerias estabelecidas com o setor
privado, em consonância com o programa,
foram as usinas hidrelétricas Serra
da Mesa (1.293 MW), no rio Tocantins,
que já está em operação, e Itá (1.450
MW), no rio Uruguai, em fase de construção.
O órgão regulador do setor elétrico
no Brasil é a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), autarquia
vinculada ao Ministério das Minas
e Energia criada pela Lei 9.427/96.
Entre suas incumbências, incluem-se
a regularização e fiscalização da
produção, transmissão, distribuição
e comercialização de energia elétrica,
o controle das tarifas cobradas aos
consumidores e a execução de diretrizes
governamentais para a exploração da
energia elétrica e o aproveitamento
do potencial hidráulico.
Vantagens e desvantagens
Nas usinas hidrelétricas, a água do
lago (ou reservatório) formado pelo
fechamento da barragem é transportada
por canais, túneis e/ou condutos metálicos
até a casa de força, onde passa por
uma turbina hidráulica acoplada a
um gerador, no qual a potência mecânica
é transformada em potência elétrica;
depois de passar pela turbina, a água
retorna ao leito natural do rio. A
energia é conduzida por cabos ou barras
condutoras dos terminais do gerador
até o transformador elevador, no qual
sua voltagem é elevada para permitir
a condução, pelas linhas de transmissão,
até os centros consumidores, onde,
por meio de transformadores abaixadores,
o nível da voltagem é levado aos níveis
indicados para utilização.
Em
comparação com as alternativas economicamente
viáveis, as centrais hidrelétricas
são consideradas formas mais eficientes,
limpas e seguras de geração de energia.
Suas atividades provocam emissão incomparavelmente
menor de gases causadores do efeito
estufa do que as das termelétricas
movidas a combustíveis fósseis, além
de não envolverem os riscos implicados,
por exemplo, na operação das usinas
nucleares (vazamento, contaminação
de trabalhadores e da população com
material radioativo etc.). Uma descoberta
mais recente em favor das usinas hidrelétricas
é o método para aproveitamento da
madeira inundada, que já vem sendo
adotado na usina de Tucuruí, no rio
Tocantins.
Por
outro lado, a construção e a utilização
de usinas pode ter uma série de conseqüências
negativas, que abrangem desde alterações
nas características climáticas, hidrológicas
e geomorfológicas locais até a morte
de espécies que vivem nas áreas de
inundação e nas proximidades. A construção
da usina de Porto Primavera, por exemplo,
reduziu a planície de inundação do
alto rio Paraná a quase metade dos
809km originais. O desajuste do regime
hidrológico afeta a biodiversidade
da planície e pode acarretar a interrupção
do ciclo de vida de muitas espécies
(mais comumente de peixes de grande
porte e migratórios) e a multiplicação
de espécies sedentárias (de menor
valor), o que, conseqüentemente, afeta
as populações ribeirinhas que vivem
da pesca. Além disso, o represamento
do rio e a formação do reservatório,
aliado às modificações no ambiente
decorrentes da presença do homem (principalmente
pelas migrações relacionadas à obra)
provocam o desequilíbrio do ecossistema
e favorecem a propagação de endemias
como a esquistossomose, a malária
e o tracoma.
Ao
expulsar comunidades de seus locais
de origem, a inundação das represas
também provoca impactos socioeconômicos
de difícil superação, especialmente
no caso de populações de baixa renda
e que apresentam condições precárias
de educação, saúde e alimentação,
como ocorreu com a construção do reservatório
de Sobradinho, no rio São Francisco,
que afetou cerca de setenta mil habitantes
— que viviam basicamente da agricultura
de vazante, da pesca artesanal e da
criação de caprinos —, a maioria dos
quais teve grandes dificuldades de
adaptação aos locais para onde foram
transferidos e à prática de novas
atividades para garantir o sustento.
A situação é menos complicada quando
a população atingida apresenta nível
mais elevado de educação formal, como
ocorreu em Itaipu. A degeneração de
valores etnoculturais é outro risco
apresentado pelas atividades que envolvem
a instalação de usinas hidrelétricas,
mais intenso quando
atinge comunidades indígenas
— foi o que aconteceu, por exemplo,
nas usinas de Balbina (com os Waimiri-Atroari)
e Tucuruí (com os Paracanã).
As
preocupações relativas aos efeitos
danosos dos empreendimentos hidrelétricos
convergem sobretudo para a região
amazônica, devido às peculiaridades
locais. Em primeiro lugar, a área
abriga a floresta amazônica, maior
bioma terrestre do mundo, e declarada
patrimônio nacional pela Constituição
Federal (art. 225), o que torna mais
complexas as negociações para instalação
de quaisquer empreendimentos que provocam
impactos ambientais e culturais. Além
disso, é a região onde se encontra
a maior parte das comunidades indígenas
brasileiras, que pela Constituição
Federal não podem ser removidas de
suas terras — exceto em casos de catástrofes
ou epidemias que ocasionem riscos
à sua população, ou para defender
a soberania do país (o aproveitamento
de recursos hídricos nesses locais
só pode ser feito com a autorização
do Congresso Nacional, e depois de
ouvidas as comunidades implicadas).
Adicionalmente, a fragilidade de seus
ecossistemas; seu atributo de regulador
climático do continente; sua riqueza
em minérios e madeira; o fato de ter
grande parte de sua extensão ocupada
pela floresta tropical úmida (da qual
depende seu ciclo hidrológico); e
as intensas tensões sociais existentes
na região, entre outros fatores, exigem
precauções singulares para o aproveitamento
do potencial da região.
Algumas
das medidas obrigatórias e/ou tradicionalmente
adotadas pelos empreendedores para
minimizar os impactos negativos da
construção de usinas revelaram-se
insuficientes ou equivocadas. Por
exemplo, nas estações de piscicultura,
inicialmente usadas como uma alternativa
às construções de escadas de peixes,
consideradas caras e ineficazes, e
que foram utilizadas por grande número
de concessionárias, em muitos casos
houve a colocação de espécies erradas
em locais inadequados e com a utilização
de métodos impróprios, o que invalidou
os esforços para preservação da ictiofauna.
Vários equívocos também marcaram a
utilização de escadas para transposição
de peixes — por exemplo, sua instalação
em riachos onde só havia espécies
sedentárias. Além disso, há indicadores
de que as escadas dificilmente seriam
eficazes para preservar ou conservar
os estoques em presença de barragens
em série, como na bacia do rio Paraná.
Ainda que alguns rios afluentes sejam
áreas propícias para a desova, são
necessários locais sazonalmente alagados
para o desenvolvimento inicial das
grandes espécies migradoras da bacia,
e a maioria dessas áreas estão reguladas
pelos reservatórios ou foram drenadas
para o desenvolvimento agrícola. Em
relação às populações expulsas pela
inundação do reservatório, foi um
erro supor que o simples reassentamento
(mesmo com indenização pela desapropriação)
seria suficiente para compensar transtornos
e prejuízos decorrentes, sem esforços
para requalificar a mão-de-obra e
programas de assistência médica, educacional
e financeira, ao menos no período
de adaptação às novas condições.
Entre
os problemas por enfrentar incluem-se
ainda a carência de metodologias para
avaliação adequada de impactos ambientais
(mapas temáticos, listagens de verificação,
matrizes de interação etc.) e a deficiência
de mecanismos para articular a atuação
dos empreendedores com as instituições
responsáveis pela política econômica
e social das regiões atingidas e para
garantir a participação dos grupos
afetados na tomada de decisão desde
a fase inicial do ciclo de planejamento
da geração hidroelétrica (que compreende
a estimativa do potencial, o inventário,
o estudo de viabilidade, o projeto
básico e o projeto executivo). Em
dois dos países com maior capacidade
instalada de geração hidráulica, Estados
Unidos e Canadá, a sociedade participa
da própria definição dos termos de
referência dos Estudos de Impacto
Ambiental (EIAs).
Especialistas
apontam como providências imprescindíveis
para minimizar alguns dos efeitos
adversos da construção e uso de centrais
hidrelétricas o reflorestamento das
margens dos reservatórios e de seus
afluentes; os programas de conservação
da flora e da fauna e implantação
de áreas protegidas; o inventário,
resgate, relocação e monitoramento
de espécies ameaçadas de extinção
que ocorriam na área atingida; a avaliação
dos efeitos do enchimento dos reservatórios
sobre as águas subterrâneas; o monitoramento
da qualidade da água; e a realização
de estudos arqueológicos antes do
enchimento do reservatório (na usina
de Samuel, no rio Jamari, esse procedimento
levou ao resgate de fatos históricos
da região, que remontam a dez mil
anos).
Outro
consenso entre os estudiosos é a vantagem
de realização de um plano de longo
prazo que privilegie, sempre que possível,
a abertura em seqüência das bacias
de determinada região (por oposição
à prática usual de construção de usinas
dispersas em bacias distintas). Por
esse método, só se iniciaria a exploração
de uma bacia após estar quase concluído
o aproveitamento de outra da região.
Assim, por exemplo, a usina de Belo
Monte, no rio Xingu, só seria construída
após a implementação da maioria dos
aproveitamentos do médio Tocantins;
a bacia do Tapajós só seria explorada
após estar quase esgotado o potencial
do Xingu, e assim por diante. Além
dos benefícios ambientais — sobretudo
o gerenciamento mais eficaz dos ecossistemas
—, esse sistema acarreta uma série
de benefícios econômicos, como a otimização
do aproveitamento de estradas de acesso
e sistemas de transmissão.
Entre
os diversos instrumentos criados nos
últimos anos para ordenar a exploração
do potencial hidrelétrico brasileiro
e aprimorar as práticas ambientais
no setor, alguns dos principais são
a Resolução Aneel 393/98 — que estabelece
que os detentores de registro de estudos
de inventário deverão fazer consulta
formal aos órgãos estaduais e federais
incumbidos da gestão dos recursos
hídricos, e aos órgãos ambientais,
para definir os estudos relativos
a esses aspectos — e a Lei 9.433,
de 1997, que instituiu a Política
Nacional de Recursos Hídricos e criou
o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos. A lei determina
a articulação entre a atuação dos
empreendedores, os usuários e os setores
e órgãos regionais, estaduais e federais
responsáveis pelo planejamento de
recursos hídricos; estabelece a integração
da gestão das bacias hidrográficas
com a dos sistemas estuarinos e zonas
costeiras; e estipula que os valores
arrecadados com a cobrança pelo uso
de recursos hídricos serão aplicados
na bacia em que foram gerados e usados
para financiar pesquisas, projetos
e obras incluídos nos Planos de Recursos
Hídricos. O gerenciamento de bacias
hidrográficas por meio da integração
e participação dos usuários de suas
águas, de representantes dos municípios
afetados e da administração federal
é feito com sucesso nos Estados Unidos
(com a Tennessee Valley Authority)
e na França, que foi dividida em seis
bacias hidrográficas, cada qual com
agência financeira própria, encarregada
de cobrar taxas pelo uso das águas
e administrar esses recursos. Cada
comitê de bacia tem a incumbência
de aprovar periodicamente um programa
plurianual, o orçamento anual e as
tarifas a serem cobradas aos usuários.
Fonte:
Sítio Barsa