Desaparecimento de pequenos rios

Pesquisas realizadas no sul do Espírito Santo e na floresta da Tijuca no Rio de Janeiro revelam que o desaparecimento de pequenos rios brasileiros tem causas complexas e pode ter drásticas conseqüências.

Antonio Paulo Faria e Jorge Soares Marques.

Qual o real papel do desmatamento na extinção de pequenos rios e córregos em todo o país? Pesquisas realizadas no sul do Espírito Santo e na floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, revelam que o fenômeno tem causas complexas e pode ter drásticas conseqüências.

Em abril de 1988, uma reportagem do Jornal do Brasil, com o título "Córregos secos ameaçam rios no Espírito Santo", revelava que, de um universo de 150 córregos antes existentes no norte daquele estado, cem já tinham desaparecido e muitos outros não chegavam a desaguar no mar. A reportagem não apontava as causas reais do problema, mas associava a extinção dos cursos d’água à retirada da Mata Atlântica e ao plantio de florestas de eucalipto para a indústria de celulose.

Na mesma época, por coincidência, era iniciado um projeto de pesquisa geológica em pequenas bacias de drenagem, que entre outros objetivos pretendia explicar como e por que essa extinção ocorre. Hoje, após dez anos de estudos, verifica-se que o problema é muito mais grave do que se pensa, tem causas diversas e não se limita ao local citado na reportagem. Na verdade, é constatado em todas as regiões do país, em pequenas bacias de drenagem onde há desmatamento indiscriminado e uso de sistemas de cultivo inadequados.

As pesquisas foram realizadas em nove bacias fluviais de primeira ordem (com apenas um canal fluvial) do município de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, e do Parque Nacional da Floresta da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Em Itapemirim, essas bacias recebem em média 1.200mm de chuva por ano, têm relevo dominado por colinas e tabuleiros com altitude de até 125m e solos do tipo latossolo, usados principalmente para o plantio de cana-de-açúcar, abacaxi, pasto, eucalipto e mandioca. Já as bacias da floresta da Tijuca, situadas em área montanhosa florestada, têm altitude de até 1.022m e recebem em média 2.300mm de chuva por ano.

As mais frágeis bacias.

Bacias hidrográficas são redes de canais fluviais que drenam a água despejada pelas chuvas em uma área cercada por topografias mais elevadas. A água da chuva infiltra-se no solo e alimenta os aqüíferos, reservatórios compostos por solos e rochas porosos e rochas com fendas. A água armazenada forma o lençol freático, que desce das áreas mais altas para as mais baixas, movido pela gravidade, e aflora no fundo dos vales, em nascentes que alimentam os canais fluviais.

Os canais têm diferentes tamanhos e unem-se, em confluências sucessivas, até formar um rio principal, que coleta a água de toda a bacia. O modelo de classificação mais usado, do geólogo americano Arthur Strahler, chama de canais de primeira ordem os originados de nascentes e define que canais de ordem superior formam-se no encontro de dois canais de mesma ordem. Cerca de metade da área das grandes bacias é formada por bacias de primeira ordem, nas quais os canais têm as menores vazões e são os mais frágeis em termos ambientais.

Os efeitos do desmatamento

Sabe-se que, nas encostas, o desmatamento faz baixar o nível médio do lençol freático, mas nas baixadas, onde o declive é suave, tende a ocorrer o oposto. Nessas áreas, como os fluxos de água dentro do solo são mais lentos, o desmatamento eleva o nível médio do lençol. Os mecanismos que geram as mudanças no nível do lençol freático após o desmatamento também são bastante conhecidos.

O solo é composto por fragmentos rochosos, grãos de areia (de 2 a 0,062mm), silte (0,062 a 0,004mm) e argila (ainda menores), e matéria orgânica, contendo ainda poros ocupados por água e ar. Os macroporos (diâmetro acima de 0,2mm), gerados por atividades biológicas e pela agregação de partículas minerais, facilitam a infiltração de água. Os poros menores (microporos), formados por espaços entre as partículas, tendem a reter a água, por causa da força de adesão (capilaridade).

O solo é dividido em camadas, chamadas de horizontes A, B e C. O horizonte A, junto à superfície, tem em média 30cm de espessura e é o mais poroso: os poros podem ocupar cerca de metade do volume total da camada. Nos horizontes B e C há menor atividade biológica, maior concentração de argilas e escassez de agregados, o que reduz o volume de macroporos e também a velocidade de infiltração da água.

Quando há desmatamento, a superfície do solo fica exposta e os agregados de partículas são destruídos pelas gotas de chuva, de até 5mm de diâmetro. Espalhadas pelo impacto das gotas (erosão por salpicamento), as areias, siltes e aglomerados de argila tampam os macroporos (selagem) e reduzem a porosidade do solo. Com o tempo e as chuvas, as partículas de silte e argila criam na superfície uma camada de poucos milímetros que endurece ao secar (crosta). A selagem e a crosta reduzem muito a permeabilidade na superfície, sem falar no pisoteio (humano e de animais) e na compactação causada por veículos e máquinas agrícolas. Com isso, o escoamento superficial pode chegar a 50% do total de precipitação em um ano.

A impermeabilização do solo também provoca enxurradas nas encostas, em chuvas intensas. Tais torrentes elevam rapidamente a vazão dos rios e podem causar inundações repentinas. Em uma área com pluviosidade anual de 1.500mm, o volume de água que deixa de se infiltrar pode atingir 7,5 milhões de litros em cada hectare (10.000m2) de encosta desmatada. Isso reduz o abastecimento dos rios pelas nascentes e afeta também a vegetação, porque o solo fica menos úmido.

Nas bacias de Itapemirim foram medidas, em solos do mesmo tipo (latossolo) mas diferentes usos, a densidade aparente e a taxa de infiltração de água. A primeira indica o grau de compactação do solo: quanto maior a densidade, menor o volume de poros. A taxa de infiltração, medida com o método do cilindro infiltrômetro, mostra a velocidade com que a água entra no solo.

Os dados obtidos revelam que o escoamento superficial reduz muito a infiltração em encostas cobertas por certas culturas, em especial se as chuvas são intensas. A aração só beneficia os primeiros 30cm: abaixo disso o peso das máquinas agrícolas compacta demais o solo. Solos com floresta, ao contrário, absorvem a maior parte da água que atravessa a copa das árvores, por serem mais porosos: a infiltração alcança cerca de 74% do volume anual de chuvas, como na floresta da Tijuca. A vazão dos canais fluviais também é afetada pela impermeabilização da superfície. 

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