Desaparecimento de pequenos rios
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As pesquisas foram realizadas em nove bacias fluviais de primeira ordem (com apenas um canal fluvial) do município de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, e do Parque Nacional da Floresta da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Em Itapemirim, essas bacias recebem em média 1.200mm de chuva por ano, têm relevo dominado por colinas e tabuleiros com altitude de até 125m e solos do tipo latossolo, usados principalmente para o plantio de cana-de-açúcar, abacaxi, pasto, eucalipto e mandioca. Já as bacias da floresta da Tijuca, situadas em área montanhosa florestada, têm altitude de até 1.022m e recebem em média 2.300mm de chuva por ano.
As mais frágeis bacias.
Bacias hidrográficas são redes de canais fluviais que drenam a água despejada pelas chuvas em uma área cercada por topografias mais elevadas. A água da chuva infiltra-se no solo e alimenta os aqüíferos, reservatórios compostos por solos e rochas porosos e rochas com fendas. A água armazenada forma o lençol freático, que desce das áreas mais altas para as mais baixas, movido pela gravidade, e aflora no fundo dos vales, em nascentes que alimentam os canais fluviais.
Os canais têm diferentes tamanhos e unem-se, em confluências sucessivas, até formar um rio principal, que coleta a água de toda a bacia. O modelo de classificação mais usado, do geólogo americano Arthur Strahler, chama de canais de primeira ordem os originados de nascentes e define que canais de ordem superior formam-se no encontro de dois canais de mesma ordem. Cerca de metade da área das grandes bacias é formada por bacias de primeira ordem, nas quais os canais têm as menores vazões e são os mais frágeis em termos ambientais.
Os efeitos do desmatamento
Sabe-se que, nas encostas, o desmatamento faz baixar o nível médio do lençol freático, mas nas baixadas, onde o declive é suave, tende a ocorrer o oposto. Nessas áreas, como os fluxos de água dentro do solo são mais lentos, o desmatamento eleva o nível médio do lençol. Os mecanismos que geram as mudanças no nível do lençol freático após o desmatamento também são bastante conhecidos.
O solo é composto por fragmentos rochosos, grãos de areia (de 2 a 0,062mm), silte (0,062 a 0,004mm) e argila (ainda menores), e matéria orgânica, contendo ainda poros ocupados por água e ar. Os macroporos (diâmetro acima de 0,2mm), gerados por atividades biológicas e pela agregação de partículas minerais, facilitam a infiltração de água. Os poros menores (microporos), formados por espaços entre as partículas, tendem a reter a água, por causa da força de adesão (capilaridade).
O solo é dividido em camadas, chamadas de horizontes A, B e C. O horizonte A, junto à superfície, tem em média 30cm de espessura e é o mais poroso: os poros podem ocupar cerca de metade do volume total da camada. Nos horizontes B e C há menor atividade biológica, maior concentração de argilas e escassez de agregados, o que reduz o volume de macroporos e também a velocidade de infiltração da água.
Quando há desmatamento, a superfície do solo fica exposta e os agregados de partículas são destruídos pelas gotas de chuva, de até 5mm de diâmetro. Espalhadas pelo impacto das gotas (erosão por salpicamento), as areias, siltes e aglomerados de argila tampam os macroporos (selagem) e reduzem a porosidade do solo. Com o tempo e as chuvas, as partículas de silte e argila criam na superfície uma camada de poucos milímetros que endurece ao secar (crosta). A selagem e a crosta reduzem muito a permeabilidade na superfície, sem falar no pisoteio (humano e de animais) e na compactação causada por veículos e máquinas agrícolas. Com isso, o escoamento superficial pode chegar a 50% do total de precipitação em um ano.
A impermeabilização do solo também provoca enxurradas nas encostas, em chuvas intensas. Tais torrentes elevam rapidamente a vazão dos rios e podem causar inundações repentinas. Em uma área com pluviosidade anual de 1.500mm, o volume de água que deixa de se infiltrar pode atingir 7,5 milhões de litros em cada hectare (10.000m2) de encosta desmatada. Isso reduz o abastecimento dos rios pelas nascentes e afeta também a vegetação, porque o solo fica menos úmido.
Nas bacias de Itapemirim foram medidas, em solos do mesmo tipo (latossolo) mas diferentes usos, a densidade aparente e a taxa de infiltração de água. A primeira indica o grau de compactação do solo: quanto maior a densidade, menor o volume de poros. A taxa de infiltração, medida com o método do cilindro infiltrômetro, mostra a velocidade com que a água entra no solo.
Os dados obtidos revelam que o escoamento superficial reduz muito a infiltração em encostas cobertas por certas culturas, em especial se as chuvas são intensas. A aração só beneficia os primeiros 30cm: abaixo disso o peso das máquinas agrícolas compacta demais o solo. Solos com floresta, ao contrário, absorvem a maior parte da água que atravessa a copa das árvores, por serem mais porosos: a infiltração alcança cerca de 74% do volume anual de chuvas, como na floresta da Tijuca. A vazão dos canais fluviais também é afetada pela impermeabilização da superfície.