Erosão solar: risco para a agricultura nos trópicos

Os estoques de "alimentos" no solo esgotam-se em alta velocidade, levando a déficits de disponibilidade. Do carbono total presente nos materiais orgânicos, 60% a 85% retornam à atmosfera como gás (CO2) em até três meses, dependendo da resistência dos materiais à decomposição. Em torno de 15% a 30% do carbono permanecem no solo no primeiro ano, parte em corpos resistentes e parte em novo húmus. Estudos revelam que o metabolismo microbiano é responsável por cerca de 70% do carbono que entra na atmosfera como CO2.

Historicamente, a agricultura tem contribuído para o aumento dos níveis de CO2 na atmosfera com cerca de dois terços do carbono dos resíduos orgânicos disponíveis na natureza. O Brasil ainda está calculando a sua contribuição na emissão de poluentes atmosféricos e na formação do efeito estufa. No caso do carbono, a participação brasileira estaria entre 4% e 10% do total mundial e teria como causas principais o desmatamento e alterações no uso da terra, segundo o programa de pesquisas das Nações Unidas sobre mudanças climáticas globais.

Além da redução do volume de matéria orgânica necessário para abastecer flora e fauna microscópicas, outros fatores ajudam a ampliar o déficit de nutrientes no solo. Todos decorrem de erros humanos na adoção e condução de práticas agrícolas, provocados pela falta de informações técnicas e de preparo para a agricultura em clima tropical.

Um dos erros mais freqüentes e mais graves está nas técnicas de aração. Como o oxigênio é consumido junto com a matéria orgânica, quanto mais oxigênio se dá ao solo, mais rápido é o consumo dessa matéria. Portanto, as técnicas de arar e gradear a terra assimiladas dos colonizadores europeus — e destinadas, no "velho continente", a acelerar o descongelamento do solo após rigorosos invernos — aceleram a atividade microbiana nos solos tropicais, o que aumenta o consumo da matéria orgânica. Além disso, tornam o solo mais denso, o que facilita o escorrimento superficial da água das chuvas, causa da erosão hídrica.

O fenômeno da erosão solar

Para produzir em solos tropicais é necessário aprofundar o conhecimento sobre fatores característicos dessas regiões, como os efeitos do Sol, que a ciência desenvolvida em regiões de clima temperado e frio não considera, ou trata apenas como coadjuvantes das erosões hídrica e eólica.

A avaliação da intensidade dessa radiação sobre os solos tropicais é tão importante para a agricultura que exige uma nova abordagem técnica. Esta pode ser identificada por um conceito específico — erosão solar —, capaz de colocá-la em evidência junto a tantos outros fatores condicionantes da produção tropical, como a erosão pelas águas ou pelos ventos, a correção do teor de alumínio no solo e outros.

Não há como fazer agricultura produtiva e sustentada nos trópicos sem levar em conta a erosão solar. Principal fonte de energia do planeta, a radiação solar varia com a latitude. Na Europa Central, Alemanha e Dinamarca (latitude de 47° a 58° Norte), a intensidade dessa radiação é de 3.349 a 4.186 megajoules por m2 (MJ/m2). Na Europa oriental, Bélgica, França e Luxemburgo (latitude de 41°20' a 53°30' N), é de 3.349 a 5.204 MJ/m2. No Brasil (latitude de 5° N a 34° S), fica entre 5.024 e 6.699 MJ/m2. Portanto, pode ser mais de 50% mais forte que a da Europa central e quase 30% mais intensa que a da Europa oriental, considerando a intensidade máxima.

A variação da latitude altera o grau de exposição das diferentes regiões à luz solar por causa do ângulo de incidência dos raios no solo. Essa incidência é crítica em áreas mais próximas ao Equador, caso das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, onde a radiação solar é praticamente o dobro da que incide nos países europeus citados. O Rio Grande do Sul, situado entre 27° e 34° S, após o trópico de Capricórnio, recebe um terço mais de radiação que esses mesmos países.

O ângulo zenital — ângulo entre o zênite local (ponto da esfera celeste perpendicular à superfície local) e a posição do Sol — é o fator que mais influencia a quantidade de energia incidente em uma superfície horizontal. Logo, quanto mais perpendicular à superfície estiver o Sol, maior a quantidade de energia que alcança o solo, o que é positivo em certos aspectos e negativo em outros.

As variações de temperatura do solo, fator estreitamente ligado à radiação, podem ser atenuadas por práticas culturais adequadas. Isso foi comprovado, por exemplo, em estudos realizados em Ponta Grossa (PR): a 3cm de profundidade e sob plantio convencional, o solo passa de 23° C às 8:00 para 43° C às 14:00. Com o plantio direto na palha, nos mesmos horários, a variação é de 19° a 36° C. No caso de cobertura verde, a temperatura fica entre 21° e 25° C.

Técnicos em extensão rural no Sul do país já comprovaram que as folhas do milho formam cartuchos quando a temperatura do solo atinge 38° C. Os produtores sabem que a partir das 10:00 as folhas da soja "viram", as do milho enrolam-se e as da abóbora murcham, revelando os efeitos da temperatura na área das folhas e na zona das raízes. Essas deformações indicam que o metabolismo das plantas foi afetado e certamente influem na produtividade final da lavoura.

Por outro lado, os sintomas no que se vê (as plantas) indicam impactos no que não se vê (os microrganismos do solo). Estes não resistem mais que algumas horas a temperaturas acima de 40° C. A morte desses organismos ou a paralisação de sua atividade interrompe os ciclos de transformação de minerais em nutrientes para as plantas, com evidentes prejuízos às culturas.

A radiação solar também varia de acordo com as estações do ano: é maior no verão e menor no inverno. No periélio, ponto em que a Terra está mais próxima do Sol, a energia recebida é 7% maior que no afélio, ponto mais distante. Essa energia determina a temperatura ambiente, que exerce forte influência na degradação de compostos orgânicos: quanto mais calor, mais rápida é a decomposição (até certo limite).

A temperatura do solo afeta diretamente o clima da faixa da atmosfera logo acima da superfície. Esse microclima é importante na formação do próprio solo, já que influi em sua aeração, na desintegração do material original, na retenção da água, na movimentação de colóides (substâncias solúveis na água presente nos solos), no metabolismo e desenvolvimento de organismos que passam toda a vida ou parte dela sob a superfície, na germinação das sementes, na atividade funcional das raízes, na velocidade e duração do crescimento das plantas, e ainda na ocorrência e severidade de doenças nas plantas.

A perda das reservas de carbono

A velocidade de decomposição da matéria orgânica no solo pode ser avaliada através do CO2 liberado no processo. À medida que a temperatura aumenta, até certos níveis, mais gás é desprendido. A liberação de CO2 em função da temperatura — comprovada em laboratório — e seu arraste para a atmosfera satisfazem plenamente o conceito técnico de erosão, que significa desprendimento e transporte de partículas do solo. É outra razão para que o termo erosão solar seja aceito e incorporado à prática e à pesquisa da agricultura nos trópicos.

De modo geral, a faixa de 30° a 35° C é tida como a de máxima velocidade de decomposição de materiais orgânicos. Nos trópicos brasileiros, a temperatura do verão situa-se nessa faixa, sugerindo que o consumo de "alimentos" pela atividade microbiana na superfície do solo atinge o máximo e em seguida entra em colapso, pelo excesso de temperatura.

Assim, é possível concluir, em primeiro lugar, que a reserva de matéria orgânica dos solos tropicais, em ecossistemas não-equilibrados (como as culturas agrícolas), tende a se exaurir, pois não há reposição, como nos ambientes intactos. Em segundo lugar, a exaustão das reservas orgânicas ocorre em maior velocidade nos trópicos do que em regiões temperadas e frias.

É preciso "alimentar" os solos

Para manter a atividade biológica nos solos e, com isso, sustentar a produção agrícola em solos tropicais e subtropicais, é essencial repor os estoques de carbono. Assim, é estratégico aproveitar todas as possibilidades de obter e reciclar resíduos orgânicos. Isso inclui o uso de palhadas e restos de lavouras (em plantio direto) e a rotação de culturas, além do emprego de materiais de fora da propriedade (como resíduos da agroindústria) e da integração com a pecuária. Além de diversificar as rendas da propriedade, isso permite alcançar o estágio da economia cíclica, com o aproveitamento de dejetos reciclados da pecuária como insumos na atividade agrícola.

No estado bruto em que são gerados pelos animais, tais dejetos podem ser poluentes. No entanto, submetidos a processos tecnológicos favorecidos pelo calor dos trópicos (vantagem inexplicavelmente subutilizada), como a compostagem, e estabilizados, tornam-se fontes de matéria orgânica, de alto valor estratégico para a agricultura.

Entre os maiores esforços da humanidade está o de gerar alimentos. Para isso, é fundamental a eficiência e a sustentabilidade agrícola, inatingíveis sem que se conheça e respeite as leis naturais, que variam de um lugar para outro. Serve como referência, nesse contexto, a orientação do Instituto de Altos Estudos da Universidade de São Paulo, no sentido de que o Brasil precisa assumir a sua tropicalidade e gerar conhecimentos próprios, para progredir descobrindo as infinitas potencialidades existentes nas relações da sua natureza e, no caso da agricultura, na vida silenciosa dos solos, base do seu progresso.

In: Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol. 25, nº148, abril 1999 Cícero Bley Jr. Associação Nacional de Defesa Vegetal e Ecoltec S/A — Projetos e instalações de processos de reciclagem de resíduos

Fonte: © Editorial Barsa Planeta, Inc. Todos os direitos reservados.

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