ORIGENS
E NATUREZA DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
CONTEMPORÂNEO
Prof.
Hindenburgo F.Pires
Gênese
do processo de Globalização
Introdução
Este
texto propõe-se a descrever
as diferentes iniciativas de explicação
da natureza do processo globalização,
recuperando através de estudos
teóricos algumas visões
e discussões, não concensuais,
sobre a periodização
e a caracterização da
origem deste fenômeno.
Mesmo
com a imprecisão dos processos
de periodização e a
não unanimidade na caracterização
da natureza da globalização,
ela é um fato inquestionável
que a afeta de forma cada vez mais
intensa o espaço mundial e
as estruturas da sociedade.
A
Natureza do Processo de Globalização
Alguns
autores que tratam recentemente da
origem do fenômeno da globalização
acreditam que este é um processo
histórico único de mais
de 4 séculos. O conceito de
globalização parece
adquirir para este autores uma dimensão
abstrata cujo alcance pode ser constatado
desde as grandes navegações.
Para ilustrar cumpre revelar alguns
representantes dessa perspectiva evolucionista
e historicista:
a) Magnoli (1997, p.07 - Figura 1),
segundo este autor a:
"Globalização
é o processo pelo qual o espaço
mundial adquiriu unidade. O ponto
de partida desse movimento remonta
às Grandes Navegações
européias dos séculos
XV e XVI, que conferiram unidade à
aventura histórica dos povos
e configuraram, na consciência
dos homens, pela primeira vez, a imagem
geográfica do planeta."
b)
Alcoforado (1997, p.74 - Figura 2),
que declara:
"O processo de globalização
que se registra na atualidade é
uma consequência natural do
desenvolvimento do capitalismo que
nasceu nas entranhas do feudalismo
nas cidades medievais e se expandiu,
progressivamente, constituindo mercados
e Estado nacionais a partir do século
XV. O estágio de globalização
do capital se iniciou também
nessa época com as correntes
de comércio que vários
países europeus mantinham com
o Oriente e a partir da descoberta
da América por Cristóvão
Colombo".
c)
Strazzacappa e Montanari (1998, p.
18 - Figura 3), afirmam:
"Na verdade, a globalização
se iniciou a partir do instante em
que alguns homens primitivos de uma
aldeia qualquer tiveram a iniciativa
de entrar em contato com a aldeia
vizinha ... Com base nesse raciocínio,
podemos estabelecer o início
da globalização onde
quisermos. Para todos os efeitos,
assumiremos o início da aceleração
da globalização no período
das Grandes Navegações".
Será
que podemos comparar a velocidade
da realização das relações
de trocas comerciais, econômicas
e culturais de hoje com as de quatro
séculos atrás? Será
que poderemos comparar períodos
constituídos por inúmeras
civilizações, no quais
o processo de ocidentalização
e o conhecimento do outro ainda estava
se iniciando, com o atual período
de globalização?
Para
averiguar a importância dessa
inferência analítica
deve o leitor retirar as suas próprias
conclusões sobre a possibilidade
de constituição dos
processos da Globalização
em um período mais recente,
dos anos 80 até os dias atuais.
Segundo Boxberger e Klimenta (1999,
p.17 - Figura 4):
"O
comércio mundial duplicou entre
1984 e 1996, os negócios transnacionais
cresceram três vezes mais de
1950 e 1993 doque a produção
de mercadorias. No mesmo intervalo
de tempo, a parte da produção
mundial negociada cresceu de 7 a 17%....Mas
a situação nos mercados
de capitais mudou de forma bem mais
dramática: as transferências
internacionais de capitais aumentaram
dez vezes nos últimos dez anos.
No mercado de divisas são transferidos
diariamente cerca de 1.500 bilhões
de marcos - em dois dias tanto quanto
o produto social alemão, e
isso "...corresponde a cerca
de 70 vezes a exportação
diária mundial de mercadoria
e prestação de serviços".
A negociação do capital
e a negociação de mercadorias
desligaram-se um do outro".
Com
a globalização a forma
capital, que se realizava através
da produção de mercadorias,
metamorfoseou-se e não mais
se apoia nesta. Ela não está
mais presa a relação
de trabalho vivo para se realizar
ao contrário a nega. A forma
capital atual simula, através
da violência da moeda, a sua
própria realização
de forma fictícia ou derivativa
e não mais produtiva.
Será
que teremos descritivamente de buscar
uma relação "evolutiva"
ou "histórica" da
forma capital global (informacional)
com as formas predecessoras: comercial
(usurária), mercantil (feudal),
industrial (concorrêncial) e
financeira(monopolista), para podermos
entender e explicar o processo de
globalização?
A
característica básica
da globalização atual
é a velocidade de realização
de suas relações de
produção e circulação.
Globalização
não é e nem pode ser
entendida como sinônimo de internacionalização.
Milton Santos (1993, p.11 e 19 - Figura
5)
assinala:
"Fim
de século e início do
outro. A contabilidade do tempo é
freqüentemente pertubada pelo
fato de que o progresso não
espera para se instalar segundo as
etapas do calendário. A humanidade
sempre se habituou a uma forma de
pensamento geométrico e a história
por isso nos lega uma visão
do transcurso como se cada cem anos
marcasse momentos claramente estabelecidos
e claramente diversos dos cem anos
precedentes.
A
verdade é que pelo menos na
época moderna nunca foi assim.
Os grandes eventos que mudaram a face
da terra e os períodos marcados
com grandes mudanças não
tem coincidido. A passagem do século
XIX ao século XX deu posteriormente
margem à discussão para
estabelecer quando realmente termina
o século XIX e começa
o século XX. Terá o
século XX começado com
a segunda Revolução
Industrial ou apenas entre as duas
Grandes Guerras? Toda periodização
é arbitrária, mas ainda
quando vemos o equívoco de
escandir o tempo histórico
em números redondos. Ainda
agora, após a Segunda Guerra,
em que estamos vivendo este período
técnico-científico,
já se permite várias
vezes dizer que o século XXI
já chegou.
As
realidades são outras e os
sistemas de relações
que elas presidem são nitidamente
novos. O próprio processo
de internaconalização
agora tem direito a outro nome. Trata-se
de fato de uma globalização
que deixa de ser um simples palavra
para se tornar um paradigma do conhecimento
sistemático da economia,
da política, da ciência,
da cultura, da informação
e do espaço....
Hoje; o que é federativo ao
nível mundial não é
uma vontade de liberdade, mas de dominação,
não é o desejo de cooperação
mas de competição, tudo
isso exigindo um rígido esquema
de organização que atravessa
todos os rincões da vida humana.
Com tais desígnios, o que globaliza
falsifica, corrompe, desequilibra,
destrói."
Segundo
Aglietta (1998, p.67 - Figura 6) a
globalização deve ser
entendida como um conjunto de processos
diferenciados e
interrelacionados, nos quais os ritmos
distintos das formas hierárquicas
e individualizadas dos espaços
não são imbricados por
intencionalidades. Para ele:
"
A globalização é
uma multiplicidade distinta e
interconectada de processos. Ocorrendo
em diferentes velocidades, em diferentes
sequências e em diferentes lugares
com níveis variados de intensidade,
estes processos estão longe
de serem coerentes. Eles se enraizaram
em importantes áreas de modificação
da divisão internacional de
trabalho. Mas pela interação
com modelos existentes de regulação
eles criam vários tipos de
desordem nos campos, econômicos
financeiro e monetário".
A
extraordinária fluidez dos
investimentos diretos, a aceleração
das trocas financeiras, tem posto
em risco a integridade dos povos e
a liberdade das nações,
tornando mais díficil a possibilidade
de distribuição da riqueza
material produzida pela sociedade
e a formação de um novo
espírito ético de cooperação,
que venha a se contrapor a competição
destrutiva e impiedosa dos tempos
atuais. A globalização
tende a ser nesse sentido a expressão
contemporânea sem precedentes
da capacidade destrutiva do capital.
Para uma familiarização
inicial com o termo Globalização
recomendamos ao usuário-alunauta
que proceda a leitura prévia
complementar dos textos básicos
a seguir:
I. No seu "Dicionário
da Globalização"
Pierre Size acredita que:
"
A globalização é
um termo utilizado há vários
anos pelos economistas da moda para
descrever um processo apresentado
como recente, mas de fato, existente
desde o início do século,
e que foi descrito por Lenin, em "
Imperialismo, Estágio Supremo
do Capitalismo (Figura 8)": crescimento
e primazia das exportações
de capital, desenvolvimento da divisão
internacional do trabalho, dos trustes
multinacionais, interconexão
das economias dos diferentes países,
etc. Este nome surge pelo fato de
que este processo tomou uma amplitude
particular desde os anos 80, em que
a desregulamentação
generalizada acelera as condições
da concorrência no plano mundial
e o desenvolvimento dos meios de transporte
e telecomunicações suprimiram
um a um os obstáculos à
deslocalização de centros
de produção. Ao mesmo
tempo, as crises financeiras , que
no passado levavam meses ou anos para
se propagar, agora tocam todas as
praças financeiras em alguns
instantes." (p.55-6.)
II.
Para Gilberto Giovannetti e Madalena
Lacerda no " Melhoramentos Dicionário
de Geografia":
A
globalização é
um: "Processo acentuado nas últimas
décadas do século pela
aceleração e padronização
dos meios técnicos, a instantaneidade
da informação e da comunicação
e a mundialização da
economia, e que promove a reorganização
e reestruturação dos
espaços nacionais e regionais,
em escala mundial, a partir do controle
e regulamentação dos
centros hegemônicos. Para Milton
Santos, essa globalização
cria, como nunca ocorreu no passado,
um meio técnico científico
e informacional em contraposição
ao meio natural; promove a transformação
dos territórios nacionais em
espaços nacionais da economia
internacional; intensifica a especialização
e a divisão social e territorial
do trabalho; concentra e aumenta a
produção em unidades
menores, entre outros aspectos. O
enfraquecimento dos Estado nacionais
e o acirramento da tensão entre
o local e o global, com o avanço
da globalização, também
é apontado pelo autor citado."
(p.93-4.)
III.
André Luís Forti Scherer
no seu artigo "GLOBALIZAÇÃO",
publicado em "Trabalho e Tecnologia:
Dicionário crítico"
organizado por Antonio David Cattani,
revela a partir de uma ampla pesquisa
bibliográfica três grandes
formulações teóricas
sobre a origem, o significado e a
representação que o
termo globalização adquiriu
na atualidade:
"1.
O termo globalização
tem sido utilizado em alusão
a uma multiplicidade de fenômenos
que, sobretudo a partir da década
de 70 estariam configurando uma redefinição
nas relações internacionais
em diferentes áreas da vida
social, como a economia, as finanças,
a tecnologia, as comunicações,
a cultura, a religião, etc.
Para Ianni (1996, p.192), raras são
as abordagens que buscam uma compreensão
geral e integrativa dos diferentes
aspectos da globalização,
a qual requer o desenvolvimento de
um arcabouço teórico
e conceitual que ainda se encontra
em construção. Fiori
(1995,p.220) também ressalta
a importância de um conceito
de globalização, cuja
elaboração ainda não
está concluída, que
apreenda suas múltiplas interfaces
e relações a partir
dos anos 80.
Na
esfera cultural, Featherstone (1994,
p.12) salienta que a uniformização
e a difusão internacional de
hábitos, convenções
e informação são
crescentes, sendo exemplos o desenvolvimento
de competições esportivas
e a generalização de
conceitos padronizados de cidadania
em nível mundial. Esses seriam
as bases para a existência e
o aprofundamento de uma cultura global.
Decorre, desse processo, desordenada
homogeneidade cultural, provocada
pelo entrelaçamento de hábitos
e informações difundidos
globalmente, com bolsões culturais
anteriormente isolados e homogêneos,
ao mesmo tempo em que se consolidam
culturas transnacionais ou terceira
culturas. Para Robertson (1994, p.26),
culturalmente, o mundo é muito
mais uno atualmente do que a a 50
anos, embora não se possa falar
em aldeia global, uma vez que essa
união não se confunde
com uma integração simples
das partes.
Na
esfera econômica, a globalização,
segundo Oman (1992, p.162), pode ser
entendida como o movimento acelerado
de bens econômicos através
das barreiras nacionais e regionais.
É vista, por esse autor, como
um processo centrífugo e mcroeconômico,
sendo impulsionado por ações
de agentes econômicos individuais
e facilitada ou estimulada pela atuação
dos governos. Em outra acepção,
Bolívar Lamounier remete o
termo globalização à
"reorganização
das estruturas produtivas e ao aumento
dos fluxos comerciais e crescente
mundial, no presente contexto de aceleração
do desevolvimento tecnológico"
(Lamounier, 1996, p.92).
Para
Baumann (1996, p.37), a globalização
econômica produz efeitos que
abrangem as relações
produtivas, financeiras e comerciais,
com os conceitos formulados, apreendendo,
ainda, apenas parcialmente a realidade,
dadas as características sem
precedentes e a magnitude do fenômeno.
2.
Conforme Chesnais (1996, p.23) (Figura
11), o qualificativo global emergiu
no princípio dos anos 80, nas
grandes escolas de Administração
de Empresas de universidades norte-americanas
(Harvard, Columbia, Stanford, etc.),
sendo, posteriormente, popularizada
em escala mundial por via de uma imprensa
econômica e financeira anglo-saxã.
Para as escolas de Administração
norte-americanas o termo enviaria
como mensagem, aos grandes grupos
multinacionais, a necessidade de se
aproveitarem da oportunidade aberta
pela liberalização e
desregulação das economias
amplificada pela disponibilidade de
ferramentas de controle de suas atividades
e distâncias crescentes proporcionadas
pela telemática e pelos satélites
de telecomunicações,
no sentido de expandirem suas atividades
naqueles espaços que possibilitassem
os maiores lucros. Por tanto, seria
necessária a reformulação
de suas estratégias internacionais
a partir de uma reorganização
produtiva e comercial que permitisse
essa expansão. O mundo globalizado
que daí adviria era imaginado
como "sem fronteiras" (borderless,
conforme Ohmae, 1990), e as empresas,
vistas como "sem nacionalidades"
(stateless, de acordo com a expressão
popularizada pela revista norte-americana
Business Week também em 1990).
O
caráter centrífugo da
expansão dos capitais é
um fenômeno que pode ser observado
desde a gênese do capitalismo,
não sendo específico
da era "global". O próprio
descobrimento e a conquista da América
Espanhola são citados por Oman
como exemplos de movimentos no mesmo
sentido da globalização.
Sobretudo a partir do século
16, facilidades de transporte levaram
à integração
crescente entre as economias nacionais
e o resto do mundo e à elevação
do fluxo internacional de produtos
e fatores. Após a Segunda Guerra
Mundial, "... o poder e a liderança
política dos Estados Unidos
moldaram e deram ímpeto à
renovação à globalização,
através do apoio ao estabelecimento
de instituições internacionais
como o sistema de Breton Woods de
taxas internacionais de câmbio
fixas mas ajustáveis, o Gatt,
o FMI, o Banco Mundial e seus associados,
sistema das Nações Unidas,
e a OCDE" (Omam, 1992, p.167).
Ao
mesmo tempo, surge, pela primeira
vez, a noção de uma
economia mundial, com a afirmação
do dólar como principal moeda
internacional, concomitantemente à
livre conversibilidade da maior parte
das moedas européias e às
sucessivas quedas de barreiras comerciais,
promovidas a partir de diversas rodadas
de negociações multilaterias
no âmbito do Gatt.
Conforme
Baumann (1996, p.36), esse é
o contexto que permite a emergência
da globalização enquanto
fenômeno econômico recente
, levando a internacionalização
dos mercados financeiros, ao crescimento
do comércio entre as nações
e à expansão da atuação
das empresas transnacionais.
Ao
final dos anos 70, a globalização
assume um caráter marcadamente
microeconômico, sendo reultado
das estratégias e comportamento
das empresas ao invés de um
processo impulsionado, prioritariamente,
por políticas governamentais.
Para Oman (1994, p.8), a estratégia
das empresas, com a difusão
e amadurecimento do sistema de organização
interempresarial conhecido como produção
flexível ou enxuta, torna-se
a força motriz da globalização
produtiva, auxiliada pela desregulamentação
implementada pelos governos, pelo
advento e difusão de novas
tecnologias de informação
e pela globalização
dos mercados financeiros. Essa tese
é reforçada por Baumann
(1996, p.43), que caracteriza a etapa
recente da globalização
a partir do aumento da importância
relativa dos agentes econômicos
individuais e de suas decisões,
principalmente quanto ao investimento.
Os
países são atingidos
por essa mudança na medida
em que, de agentes e reguladores do
processo de internacionalização
da economia, passam à condição
de provedores dos grandes grupos internacionais,
os quais, cada vez mais exigentes
em termos de infra-estrutura e qualidade
do estoque de recursos humanos, restrigem,
ademais, as possibilidades de uma
maior liberdade das nações
quanto à gestão macroeconômica.
Chesnais
(1994, p.36) mostra que o processo
de globalização atual
é determinado a partir dos
movimentos do chamado oligopólio
mundial, concebido menos como "forma
de mercado" ou "estrutura
de oferta" e mais como um "espaço
de rivalidade" industrial. Nele
são tomadas as decisões
sobre a expansão mundial dos
grandes grupos, contemplando, seus
investimentos intratriádicos
- nos Estados Unidos, Alemanha e Japão
(conforme conceito de Ohmae, 1985)
- e, também, as aquisições
e fusões por eles efetuadas,
reforçando a concentração
no mercado internacional. Esse conceito
ressalta a crescente importância
do relacionamento entre as empresas
multinacionais e da forma como se
dá tal relacionamento, competitivo
e cooperativo ao mesmo tempo, fator
principal de dinamismo e de sentido
da globalização econômica.
No início dos anos 80, estimava-se
que cerca de 350 empresas baseadas
nos países membros da Organização
para a Cooperação e
o desenvolvimento Econômico
(OCDE) - aquelas que, para Chesnais,
possuem reais condições
de enfrentar uma concorrência
global - representavam um terço
do produto mundial, seu comércio
intrafirma, 40% do comércio
total, seu comércio extrafirma,
outros 30% e seu investimento constituía
a parte mais importante dos fluxos
de investimentos direto em nível
mundial (Baumann, 1996, p.42).
3.
As consequências do processo
de globalização, seu
caráter parcial e, até
mesmo, a "marca" ideológica
imbutida no termo, têm levado
a percepção daquilo
que Baumann denominou de paradoxos
da globalização. O conceito
de globalização tem
estado associado, de forma muito estreita,
ao movimento de redução
dos entraves políticos à
movimentação de mercadorias
e serviços entre fronteiras
(inclusive fatores de produção)"
conforme Oman (1994, p.8).
Entretanto,
a relação entre globalização,
queda das barreiras comerciais e expansão
dos investimentos dos grandes grupos
multinacionais presta-se, de forma
mais precisa à descrição
do movimento ocorrido nas décadas
de 50 e 60, sem se ressaltar a especificidade
do processo de globalização
atualmente em curso. A década
de 80 caracterizou-se pela proliferação
de barreiras não-tarifárias
na região da OCDE e pela redução
tanto do ritmo de crescimento do comércio
internacional quanto dos investimentos
diretos no exterior das empresas transnacionais,
contrariamente ao que se poderia supor.
Elementos importantes na caracterização
do processo atual de globalização
são a desregulamentação
dos mercados financeiros, de comunicações
e de transportes. A desregulamentação
dos mercados financeiros trouxe o
enorme aumento da quantidade de dinheiro
em circulação nesses
mercados, e o advento da securitização
impulsionou, fortemente, a aquisição
e fusão de empresas a partir
do final da década de 70. Associada
ao papel central dos agentes individuais,
a desregulamentação
dos mercados leva a um corolário
crucial da globalização
nas décadas de 80 e 90, com
a redução significativa
de capacidade dos governos da região
do OCDE de exercerem a soberania sobre
a política econômica
nacional, o que os conduziu, na maior
parte dos casos, a coordenarem suas
políticas, conforme Oman (1993,
p.159-60).
Nesse
contexto, um dos paradoxos apontados
por Baumann (1996, p.46) é
a necessidade de políticas
nacionais que adaptem os sistemas
produtivos locais a um grau maior
de interdependência com outras
economias, uma vez que a operacionalidade
dessas políticas é dificultada
pelo fato de que as próprias
pressões externas tornam menos
trivial a identificação
de objetivos puramente nacionais,
levando, por exemplo a demandas externas
pela abertura comercial e a pressões
internas por políticas setorialmente
orientadas.
Outro
aspecto controverso do processo de
globalização diz respeito
à sua relação
com o movimento de regionalização
concomitantemente em curso. Esses
movimentos tendem a ser caracterizados
como incompatíveis uma vez
que a regionalização
possui um sentido centrípedo,
sendo frequentemente, impulsionada
- embora não somente - por
decisões políticas e
não pelas estratégias
das empresas. Além disso, "...
as facilidades em comunicações
e transportes levam à homogeneização
dos mercados enquanto a preservação
dos valores nacionais induz à
fragmentação desses
mercados" (Baumann, 1996, p.47).
No entanto, os dois processos não
são necessariamente antagônicos,
podendo narealidade, reforçarem-se.
Nesse
sentido, cabe ressaltar a posição
de Ianni (1996, p.192), para quem
"... o local e o global determinam-se
reciprocamente, umas vezes de modo
congruente e consequente, outras de
modo desigual e desencontrado".
Um terceiro elemento diz respeito
ao fato de que a globalização
tende a homogeneizar os padrões
de demanda (através das facilidades
de comunicação, uniformização
de preferências, etc.), ao mesmo
tempo em que, sob os aspectos tecnológico,
organizacional e mercadológico,
leva a fragmentação
produtiva e à diferenciação
dos produtos (Baumann, 1996, p.48).
Por
último, Chesnais (1996, p.24)
destaca a ambiguidade e a carga ideológica
"conscientemente" contida
na palavra globalização.
Enquanto o termo "global"
traz a idéia de uma marcha
inexorável do mundo no sentido
da dissolução das diferenças,
apenas cabendo aos agentes e países
adaptarem-se à nova realidade,
Fiori (1995, p.223-4) destaca o fato
de a globalização estar
provocando um processo de polarização
crecente entre regiões, países
e grupos socias, com a aceleração
das desigualdades inter e intranacionais,
tornando distante a promessa do "mundo
sem fronteiras". Chesnais postula
que o processo em curso é melhor
designado pelo termo mundialização,
o qual tende a marcar a necessidade
da construção de instituições
mundiais que possam regulá-lo.
Diferentes
interpretações do processo
Globalização
A
ausência de um concenso sobre
a origem da globalização,
as dificuldades de formulação
de um conceito elaborado, produto
do conhecimento sistemática
do fenômeno, conduzem a interpretações
e discursos que se embatem, enquanto
concepções sociais de
mundo, na tentativa de buscar formas
claras e científicas de investigação
e explicação do fenômeno.
A
grande maioria dessas iniciativas
e interpretações visam
ideologicamente ou filosoficamente
oferecer um conjunto de alternativas
para enfrentar ou se adaptar à
globalização e aos desígnios
da competitividade. Para nós
professores de ensino médio
e superior mais importante que buscar
estas alternativas de convivência
com o fenômeno é a sua
compreensão analítica
e o seu entendimento crítico.
Interpretações
ou Correntes Teóricas da Globalização
Após
um longo e exaustivo levantamento
bibliográfico, com o objetivo
de identificar as principais correntes
teóricas que estudam o processo
de globalização, foram
constatadas 3 importantes correntes
de estudo entre várias outras,
que cumpre serem destacadas:
1ª
- A Globalização como
estratégias das empresas globais:
sedimentada pelo professor da Harvard
Business School, Michael E. Porter
(Figura 13).
Segundo
Porter são as empresas globais
e não as nações
que definem as estratégias
globais nas quais as atividades são
localizadas em muitos países.
Pode-se
afirmar, baseando-se na assertiva
acima, que as empresas globais são
os novos sujeitos do processo de localização
das atividades econômicas das
nações. Para Porter
estas empresas buscam componentes
e materiais por todo mundo e localizam
suas atividades aproveitando-se dos
fatores de baixo custo, formando alianças
com empresas em outros países
para ter acesso à essas vantagens.
O investimento direto estrangeiro
e o capital fluem internacionalmente
para as nações que dispõem
de bom crédito e vantagens
específicas de fatores.
Segundo
ainda Porter, a globalização
das indústrias e a internacionalização
de empresas proporcionam um paradoxo.
As nações estão
perdendo sua importância na
definição do desempenho
estratégico de suas empresas.
Para conseguir obter estas condições
vantajosas de fatores, estas nações
devem realizar mudanças nos
regulamentos governamentais, evitando
criar restrições à
entrada de capitais através
de barreiras comerciais ou aumentar
a regulamentação dos
seus mercados financeiros; devem desvalorizar
a moeda e conter gastos excessivos;
devem ampliar a competitividade das
empresas nacionais retirando subsídios
e incentivos às empresas não
competitivas. Assim, o papel do governos
neste novo cenário da globalização
seria o de se ajustar ao novo paradigma
organizacional das empresas globais
e promover a constituição
de uma escala de fatores favoráveis
ao desenvolvimento das vantagens competitivas
nacionais.
Dentro
desta perspectiva a globalização
coloca-se como um imperativo para
o desenvolvimento econômico
das nações.
2ª
- A Globalização como
a Mundialização do Capital:
orientada pelo professor francês
François Chesnais, economista
especialista em economa mundial e
inovação tecnológica,
que leciona nas Universidades de Paris-
XIII, Villetaneuse.
Segundo
esta corrente a origem ideológica
do termo globalização,
popularizado pela mídia internacional,
é originária das Bussiness
Schools dos Estados Unidos, que empregavam
o termo para designar o processo de
liberação dos mercados
mundiais que permitia a expansão
da influência dos grupos financeiros
da economia internacional, considerados
como atores principais deste processo
de desregulação.
Segundo
Chesnais o termo latino mundialização,
ao contrário do viés
ideológico contido no termo
globalização, melhor
se aplica para explicar os mecanismos
de estruturação e valorização
do capital produtivo e financeiro
a nível internacional. Para
ele, na fase atual de acumulação
capitalista, uma parte do capital
produtivo se separa do conjunto do
capital e se valoriza como capital
financeiro. Este processo, generalizado
neste período, vem constituindo
um impasse estrutural ao conjunto
da reprodução lógica
do sistema capitalista. Pois, o capital
financeiro, constituído autonomamente
e desvinculado em lastro real com
o capital produtivo, emerge como uma
nova forma fícticia e simulada.
3ª
- A Globalização como
processo histórico antigo:
legada pelos influentes estudiosos
ingleses Paul Hirst e Grahame Thompson,
o primeiro é professor de Teoria
Social no Birkbeck College, Londres;
e o segundo é professor de
economia da Open University, Londres.
Para Hirst, se o termo globalização
fosse aplicado para designar o atual
processo unificador de crescimento
do comércio e do investimento
internacionais, não haveria
nenhuma novidade neste processo. Segundo
Hirst partindo dessa premissa pode-se
afirmar que este processo remonta
a 1870 e não à atualidade.
Entretanto,
o atual processo de globalização
iniciado nos anos 80 (1983-1990) possui
características diferenciadas
dos três fases de globalização
anteriores: a primeira, que se extendeu
de 1870 a1914, denominada de belle
époque, com crescimento médio
do comércio e da produção
ao redor de 3,5% ; a segunda, de 1950
a 1973, considerada como o grande
boom, com crescimento médio
do comércio e da produção
ao redor de 9,4% ; e a terceira, de
1973 de a 1979, caracterizada pela
liberalização generalizada
dos movimentos de capitais, pelas
desregulação dos mercados
financeiros nacionais e pela adoção
de taxas de câmbio flutuantes,
com crescimento médio do comércio
e da produção ao redor
de 9% . A caracterísitica principal
da fase atual da globalização
é sua forte capacidade destrutiva
e desestabilizadora da economia mundial.
Para
Hirst, o discurso da globalização
tal como vem se consolidando ideologicamente
tende "a destruir a vontade política
de buscar os meios para manterem-se
a produção, o emprego
e a eqüidade social nos países
de industrialização
avançada prejudicando seu desempenho
econômico de longo prazo".
Segundo
Hirst, a apartir dos anos 80 ingressamos
em uma nova fase de rápido
crescimento do mercado mundial e de
crescimento dos investimento diretos
estrangeiros. Todavia o atual sistema
econômico internacional esta
mais vulnerável e instável
e pode conter os elementos cada vez
mais imprevisíveis da crise,
dado o extraordinário crescimento
do capital volátil sem lastro
com a produção real.
Entretanto,
para Hirst (1998, p.121-20, Figura
14):
"O
perigo atual é que a crença
de que a economia global é
ingovernável poderá
levar ao fatalismo e a rendição,
isto é, a render-se às
panacéias preconizadas pelos
mercados financeiros internacionais
e pelas e ricas elites nacionais.
O perigo das políticas atuais
é que elas favorecem a riqueza
nos países desenvolvidos, em
detrimento da ampla classe média,
e favorecem a Comunidade Européia
e um pequeno número de países
em desenvolvimento bem-sucedidos,
em detrimento dos pobres da África,
América do Sul e Ásia".
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