divulgação
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A
obra do psicólogo russo que ressaltou
o papel da sociedade no processo de
aprendizado ganha destaque com as
comemorações do centenário de seu
nascimento e a expansão do socioconstrutivismo
No
interior da Rússia pós- revolucionária,
nos anos 20, um professor de ginásio
que amava as artes se fazia uma pergunta
fundamental: como o homem cria cultura?
Dono de uma inteligência brilhante,
ele buscou a resposta na Psicologia
e acabou por elaborar uma teoria do
desenvolvimento intelectual, sustentando
que todo conhecimento é construído
socialmente, no âmbito das relações
humanas. O nome do professor era Lev
Vygotsky e sua obra é hoje a fonte
de inspiração do sócioconstrutivismo,
uma tendência cada vez mais presente
no debate educacional. A repercussão
que o pensamento de Vygotsky vem obtendo
possui a força de uma redescoberta.
Nascido há um século, morreu em 1934,
aos 37 anos. Sua obra enfrentou décadas
de silêncio imposto pelo regime stalinista.
Apenas em meados dos anos 60 seus
livros chegaram ao Ocidente. Só então
o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980),
lamentando que os dois não tivessem
se conhecido, leu e comentou os elogios
e as críticas que Vygotsky lhe fizera
em 1932.
Natureza social
No Brasil, Vygotsky é estudado
há pouco mais de uma década. Segundo
a pedagoga Maria Teresa Freitas, da
Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), que pesquisou a difusão do
trabalho dele por aqui, suas idéias
chegaram no fim dos anos 70, trazidas
por estudiosos que as conheceram no
exterior. Mas sua obra só começou
a ser divulgada, de fato, nos anos
80, ao mesmo tempo em que a linha
educacional construtivista se expandia,
impulsionada pela psicóloga argentina
Emilia Ferreiro, discípula de Piaget.
Embora não tenha elaborado uma pedagogia,
Vygotsky deixou idéias sugestivas
para a educação. Atento à "natureza
social" do ser humano, que desde o
berço vive rodeado por seus pares
em um ambiente impregnado pela cultura,
defendeu que o próprio desenvolvimento
da inteligência é produto dessa convivência.
Para ele, "na ausência do outro, o
homem não se constrói homem".
Conhecimento e sempre intermediado
Para Vygotsky, a vivência em
sociedade é essencial para a transformação
do homem de ser biológico em ser humano.
É pela APRENDIZAGEM nas relações com
os outros que construímos os conhecimentos
que permitem nosso desenvolvimento
mental. Segundo o psicólogo, a criança
nasce dotada apenas de FUNÇÕES PSICOLÓGICAS
ELEMENTARES, como os reflexos e a
atenção involuntária, presentes em
todos os animais mais desenvolvidos.
Com o aprendizado cultural, no entanto,
parte dessas funções básicas transforma-se
em FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES,
como a consciência, o planejamento
e a deliberação, características exclusivas
do homem. Essa evolução acontece pela
elaboração das informações recebidas
do meio. Com um detalhe importantíssimo,
ressaltado pela psicóloga Cláudia
Davis, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP): "As
informações nunca são absorvidas diretamente
do meio. São sempre intermediadas,
explícita ou implicitamente, pelas
pessoas que rodeiam a criança, carregando
significados sociais e históricos".
Isso não significa que o indivíduo
seja como um espelho, apenas refletindo
o que aprende. "As informações intermediadas
são reelaboradas numa espécie de linguagem
interna", explica o pedagogo João
Carlos Martins, diretor pedagógico
do Colégio São Domingos, de São Paulo.
"É isso que caracterizará a individualidade".
Por isso a linguagem é duplamente
importante para Vygotsky. Além de
ser o principal instrumento de intermediação
do conhecimento entre os seres humanos,
ela tem relação direta com o próprio
desenvolvimento psicológico. Maria
Teresa Freitas resume: "Nenhum conhecimento
é construído pela pessoa sozinha,
mas sim em parceria com as outras,
que são os mediadores".
Segundo Vygotsky,
a evolução intelectual
é caracterizada por saltos
qualitativos de um nível
de conhecimento para outro.
A fim de explicar esse
processo, ele desenvolveu
o conceito de ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL,
que definiu como a "distância
entre o nível de desenvolvimento
real, que se costuma determinar
através da solução independente
de problemas, e o nível
de desenvolvimento potencial,
determinado através da
solução de problemas sob
a orientação de um adulto
ou em colaboração com
companheiros mais capazes".
Trocando em miúdos, Cláudia
Davis diz: "A zona proximal
é a que separa a pessoa
de um desenvolvimento
que está próximo, mas
ainda não foi alcançado'.
DESENVOLVIMENTO REAL
É determinado
por aquilo que a criança
é capaz de fazer sozinha
porque já tem um conhecimento
consolidado. Se domina
a adição, por exemplo,
esse é um nível de desenvolvimento
real
ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
É a distância
entre o desenvolvimento
real e o potencial, que
está próximo mas ainda
não foi atingido
O MEDIADOR
É quem ajuda a criança
concretizar um desenvolvimento
que ela ainda não atinge
sozinha. Na escola, o
professor e os colegas
mais experientes são os
principais mediadores
DESENVOLVIMENTO
POTENCIAL
É determinado por aquilo
que a criança ainda não
domina, mas é capaz de
realizar com auxílio de
alguém mais experiente.
Por exemplo, uma multiplicação
simples, quando ela já
sabe somar
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POR QUE O NOME SOCIOCONSTRUTIVISMO?
Esse termo (ou, como prferem alguns especialistas, sociointeracionismo)
é usado para fazer distinção entre
a corrente teórica de Vygotsky e o
construtivismo Jean Piaget. Segundo
Maria, ambos são construtivistas em
suas concepções do desenvolvimento
intelectual. Ou seja, sustentam que
a inteligência é construída a partir
das relações recíprocas do homem com
o meio. Os dois se opõem tanto à teoria
empirista (para a qual a evolução
da inteligência é produto apenas da
ação do meio sobre o indivíduo) quanto
à concepção racionalista (que parte
do princípio de que já nascemos com
a inteligência pré-formada). Para
o ser humano, segundo Vygotsky, o
meio é sempre revestido de significados
culturais. Por exemplo, o objeto armário
(meio) não tem sentido em si. Só tem
o sentido cultural) que lhe damos,
como serr útil ou inútil, valioso
ou não, rústico ou sofisticado e assim
por diante. E os significados culturais
só são aprendidos com a participação
dos mediadores. O fator cultural,
básico para Vygotsky, e pouco enfatizado
por Piaget, é a diferença central
entre os dois teóricos construtivistas.
Ambos divergem também quanto à seqüência
dos processos de APRENIDIZAGEM e de
DESENVOLVIMENTO MENTAL. Para Vygotsky,
é o primeiro que gera o segundo. Em
suas palavras, "o aprendizado adequadamente
organizado resulta em desenvolvimento
mental e põe em movimento vários processos
de desenvolvimento que, de outra forma,
seriam impossíveis". Piaget, ao contrário,
defende que é o desenvolvimento progressivo
das estruturas intelectuais que nos
torna capazes de aprender (fases pré-operatóra
ou lógico-formal).
A escola é inútil se fica só
no que a criança sabe
Além do fato de ser professor,
a preocupação de Vygotsky com a educação
tinha também motivos políticos, pois
era um de seus compromissos revolucionários.
"Ele queria acelerar, pela educação,
o desenvolvimento da Rússia, então
atrasada e iletrada!", comenta Cláudia
Davis. Coerentemente, sua teoria explica
a evolução intelectual como um processo
constante que pode ser impulsionado
também com à ajuda externa.
"Nessa
perspectiva, a educação não fica à
espera do desenvolvimento intelectual
da criança", diz João Carlos. "Ao
contrário, sua função é levar o aluno
adiante, pois quanto mais ele aprende,
mais se desenvolve mentalmente. "Segundo
Vygotsky, essa demanda por desenvolvimento
é característica das crianças. Se
elas próprias fazem da brincadeira
um exercício de ser o que ainda não
são, a escola que se limita ao que
elas já sabem é inútil.
Priorizando
as interações entre os próprios alunos
e deles com o professor, o objetivo
da escola, então, é fazer com que
os CONCEITOS ESPONTÂNEOS, que as crianças
desenvolvem na convivência social,
evoluam para o nível dos CONCEITOS
CIENTÍRICOS. "Nesse sentido, o educador
assume o papel de mediador privilegiado
na formação do conhecimento", explica
Cláudia.
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A obra de Vygotsky, que reúne cerca de setenta
textos, só voltou
a ser publicada
na antiga URSS em
1956, mesmo assim
parcialmente. Atualmente
prepara-se a edição
integral de todos
os seus trabalhos.
Além de dois de
seus principais
livros, o mercado
brasileiro dispõe
de dezenas de títulos,
nacionais estrangeiros,
a respeito de suas
teorias. Veja algumas
indicações bibliográficas:
A Formação Social da Mente, Lev Vygotsky,
Martins Fontes,
tel. (011) 239-
3677, 17,50 reais
Pensamento e
Linguagem, Lev Vygotsky,
Martins Fontes,
tel. (011) 239-
3677,17,50 reais
Linguagem, Desenvolvimento
e Aprendizagem,
Yygotsky, Luria
e Leontiev, Ícone
Editora e Editora
da USP, tel. (011)
813-8837, 26 reais
A Linguagem e
o Outro no Espaço
Escolar - Vygotsky
e a Construção do
Conhecimento,
Ana Smolka e Mari
Cecilia Goes, Papirus,
tel. (019) 231 3500,
18 reais
O Pensamento de
Vygotsky e Bakhtin
no Brasil, Maria
Teresa de Assunção
Freitas, Papirus,
tel. (0192) 570-2877,
19 reais
Psicologia na
Educação, Claudia
Davis e Zilma Oliveira,
Cortez, tel. (011)
864-0111, 13,50
reais
Vygotsky: Aprendizado
e Desenvolvimento
- Um Processo Sócio-Histórico,
Marta Kohl de Oliveira,
Scipione, tel. (011)
239-1700,13,40 reais
Vygotsky e a
Educação, Luis
Moll, Artes Médicas,
tel. (051) 330-344,@
39 reais
Vygotsky - Uma
Perspectiva Histórico-Cultural
da Educação,
Teresa Cristina
Rego, Vozes, tel.
(011) 258-7070,
10 reais
Vygotsky - Uma
Síntese, Renê
Van Der Veer e Jaan
Vaisiner, Loyola,
tel. (011) 6914-1922,
30 reais
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Fonte:
Nova Escola Online
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