Educação
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O maior problema no Brasil não é a falta de dinheiro, mas como esses recursos são empregados - em geral, de maneira bastante ineficaz. Daria para obter resultados infinitamente superiores apenas fazendo melhor uso das verbas já existentes. Prova disso é que, com orçamento idêntico, algumas escolas públicas oferecem ensino de ótima qualidade e outras, de péssimo nível.
O
que explica isso?
As boas são comandadas por diretores com uma visão
moderna de gestão, coisa raríssima no país.
Não existe no Brasil nada como um bom curso voltado para
treinar esses profissionais a liderar equipes ou cobrar resultados,
o básico para qualquer um que se pretenda gestor. Quem se
sai bem na função de diretor, em geral, é porque
tem algo como um dom inato para a chefia. A coisa funciona no improviso.
As
avaliações sempre chamam atenção para
o despreparo dos professores brasileiros. A que o senhor atribui
isso?
Às universidades que pretendem formar professores, mas passam
ao largo da prática da sala de aula. No lugar de ensinarem
didática, as faculdades de pedagogia optam por se dedicar
a questões mais teóricas. Acabam se perdendo em debates
sobre o sistema capitalista cujo ideário predominante não
passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria. O que se
discute hoje nessas faculdades está muito distante de qualquer
ideia que seja cientificamente aceita, mesmo dentro da própria
ideologia marxista. É uma situação difícil
de mudar. A resistência vem de universidades como USP e Unicamp,
as maiores do país.
"Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor
deve ter liberdade total para construir o conhecimento junto com
seus alunos. Essa apologia da ausência de método só
atrapalha"
Como isso se reflete nas escolas?
Muitos professores propagam em sala de aula uma visão pouco
objetiva e ideológica do mundo. Alguns não dominam
sequer o básico das matérias e outros, ainda que saibam
o necessário, ignoram as técnicas para passar o conhecimento
adiante. Vê-se nas escolas, inclusive, certa apologia da ausência
de métodos de ensino. Uma ideia bastante difundida no Brasil
é que o professor deve ter liberdade total para construir
o conhecimento junto com seus alunos. É improdutivo e irracional.
Qualquer ciência pressupõe um método. No ensino
superior, há também inúmeras mostras de como
a ideologia pode sobrepor-se à razão.
O
senhor daria um exemplo?
Existe um terrível preconceito nas universidades públicas
contra o setor privado. Ali, qualquer contato com as empresas é
visto como um ato de "venda ao sistema". Como se as instituições
públicas fossem sustentadas por marcianos e não pelo
dinheiro do governo, que vem justamente do sistema econômico.
O resultado é que, distantes das empresas, as universidades
se tornam menos produtivas e inovadoras.
Em
muitos países, as universidades públicas cobram mensalidade
dos estudantes que têm condições de pagar. Seria
bom também para o Brasil?
Sem dúvida. Só que esse é um tabu antigo no
país. Se você defende essa bandeira, logo o identificam
como alguém que quer privatizar o sistema. Preservar a universidade
gratuita virou uma questão de honra nacional. Bobagem. É
preciso, de uma vez por todas, começar a enxergar as questões
da educação no Brasil com mais pragmatismo e menos
ideologia.
Na
semana passada, foi aprovado em São Paulo um novo plano de
carreira para professores e diretores. Esse tipo de medida tem potencial
para revolucionar o ensino nas redes públicas?
Planos de carreira são essenciais para tornar essas profissões
novamente atraentes, de modo que os melhores alunos saídos
das universidades optem por elas. Sem isso, é difícil
pensar em bom ensino. O plano de São Paulo não apenas
eleva os salários, o que é um chamariz por si só,
mas faz isso reconhecendo, por meio de avaliações,
o mérito dos melhores profissionais. Ou seja: esforço
e talento serão premiados, um estímulo que a carreira
não tinha. A meritocracia consta de qualquer cartilha de
gestão moderna, mas é algo ainda bem novo nas escolas
brasileiras.
Os
principais adversários do projeto foram os sindicatos desses
profissionais. Que lógica há nisso?
É uma manifestação de puro corporativismo.
Pela nova lei, só poderão pleitear aumento de salário
aqueles professores assíduos ao trabalho - um pré-requisito
mais do que razoável. É o mínimo esperar que,
para alguém almejar ascender na carreira, ao menos compareça
ao serviço. Apenas o sindicato não vê desse
jeito. Ele encara as "faltas justificadas" como um direito
adquirido. E ponto. Não quer perdê-lo. Mas repare que
eu não estou dizendo que os professores ficarão sem
esse direito. Só estou tentando fornecer um estímulo
adicional para que eles deem suas aulas. O último levantamento
que fizemos mostra que a média de ausências na rede
estadual de São Paulo é altíssima: foram trinta
faltas por docente apenas em 2008. Ao resistir a uma medida que
premia a presença na escola, o sindicato dá mais uma
mostra de como o espírito corporativista pode sobrepor-se
a qualquer preocupação com o ensino propriamente dito.
"No lugar de ensinarem didática, as faculdades de
pedagogia optam por perder tempo com discussões teóricas
que, não raro, se baseiam em conceitos sem nenhuma comprovação
científica"
O movimento sindical passa ao largo da preocupação
com o bom ensino?
É exatamente isso. Está claro que os sindicatos estão
focados cada vez mais no próprio umbigo e menos nas questões
relativas à educação. Entendo, evidentemente,
que lutem pelos interesses da categoria, propósito de qualquer
organização do gênero. Mas a qualidade do ensino,
que é de responsabilidade social deles, deveria vir em primeiro
lugar. Em 1984, quando fui secretário da Educação
em São Paulo pela primeira vez, já se via essa forte
tendência nos sindicatos. Em reuniões com os professores,
palavras como aluno ou ensino jamais eram mencionadas por eles.
Apenas se discutiam ali os interesses da categoria. E esse problema
só piora.
O
que causa a piora?
O movimento sindical politizou-se a um ponto tal que não
se acham mais nele pessoas realmente interessadas em educação.
Estas debandaram. Hoje, os sindicatos estão tomados por partidos
radicais de esquerda sem nenhuma relevância para a sociedade.
Para essas agremiações insignificantes, o sindicalismo
serve apenas como um palanque, capaz de lhes dar uma visibilidade
que jamais teriam de outra maneira. É aí que tais
partidos aparecem e fazem circular seu ideário atrasado e
contraproducente para o ensino. Repare que esses sindicalistas são
poucos - e estão longe de expressar a opinião da maioria.
Mas têm voz.
Com
a nova lei fica determinado que, para pular de nível na carreira,
o professor seja submetido a uma prova. Por que os sindicatos rejeitaram
a ideia?
É lamentável que um grupo de professores critique
a existência de uma prova. Veja o absurdo. Eles alegam que
um exame os obrigaria a estudar mais e que não têm
tempo para isso. A crítica expressa também uma resistência
à avaliação, que até hoje se vê
arraigada em certos setores da sociedade brasileira.
Nisso
o Brasil destoa de outros países?
Em culturas mais individualistas e competitivas, como a anglo-saxã,
as aferições do nível dos professores e do
próprio ensino não são apenas bem-aceitas como
têm ajudado a melhorar as escolas, na medida em que fornecem
um diagnóstico dos problemas. Os professores brasileiros
que agora resistem a passar pela avaliação certamente
não estão atentos a isso. Sua maior preocupação
é lutar por direitos iguais para todos - velha bandeira que
ignora qualquer noção de meritocracia. Por isso, eles
se posicionaram contra uma regra do projeto que limita o número
de promoções por ano: não mais do que 20% dos
profissionais poderão subir de nível. É um
teto razoá-vel: evita um rombo no orçamento e, ao
mesmo tempo, promove uma bem-vinda competição. Demandará
mais empenho e estudo dos professores - o que não lhes fará
mal.
No
campo salarial, premiar o mérito significa romper com o conceito
da isonomia de ganhos para todos os funcionários. Esse não
é um valor que deveria ser preservado?
Não. Já é consenso entre especialistas do mundo
todo que aumentos concedidos a uma categoria inteira, desprezando
as diferenças de desempenho entre os profissionais, não
têm impacto relevante no ensino. O que faz diferença,
isso sim, é conseguir premiar os que se saem melhor em sala
de aula. A isonomia é uma bandeira velha.
Há
experiências no Brasil com a concessão de bônus
aos melhores professores. Isso funciona?
Sem dúvida. Quando há um sistema feito para reconhecer
e premiar os talentos individuais, a eficácia das políticas
públicas para a educação aumenta. Coisa de
quinze anos atrás, o Brasil estava a anos-luz disso. Não
havia informação sobre nada - nem mesmo se sabia o
número de escolas no país. O dado variava entre 190
000 e 230 000 colégios, dependendo da fonte. Hoje, já
dá até para comparar o ensino de Capão Redondo,
na periferia de São Paulo, com o das escolas da Finlândia.
Desse modo, é possível traçar metas bem concretas
para a educação e cobrar por elas - alicerces para
uma boa gestão em qualquer setor.
Já
se formou um consenso no Brasil de que esse é o caminho acertado?
Acho que sim. Nos primeiros anos de governo Lula, os petistas chegaram
a pôr em xeque a ideia de que a qualidade do ensino precisa
ser aferida com base em dados objetivos. Foi um retrocesso. Mas
hoje o MEC norteia suas políticas com base em avaliações,
metas e cobrança de resultados. Diria que eles chegam até
a exagerar na dose, divulgando rankings que, como ministro, eu mesmo
preferia não trazer a público. É o caso do
Enem.
O
Enem não é um bom indicador da qualidade do ensino
em escolas públicas e particulares?
O problema é que, como só faz o exame quem quer, ele
não necessariamente traduz a qualidade de ensino na escola
como um todo. E se apenas os bons alunos de determinado colégio
se submeterem à prova? O retrato sairá distorcido.
Grosso modo, o Enem até espelha bem a realidade. Mas, como
a amostra de alunos de cada escola é aleatória, há
espaço para que se cometam injustiças. Em tese, qualquer
colégio particular que se sentisse prejudicado pelo ranking
poderia processar o MEC. De modo geral, porém, sou absolutamente
favorável a que se lance luz sobre os resultados. O monitoramento
deve ser constante.
No
começo do ano, flagraram-se em material que seria distribuído
às escolas pela Secretaria Estadual da Educação
erros crassos, tais como a inclusão de dois Paraguais num
mapa da América do Sul. Faltou fiscalização
por parte do governo?
Sem dúvida. Ainda que o material não seja produzido
pela secretaria, é de responsabilidade dela que não
passem erros. Não há o que argumentar aí. Depois
do episódio, os cuidados foram redobrados. Cada livro é
revisado de três a quatro vezes. Apostila com erro é
um desserviço à educação - e desperdício
de dinheiro público.
Fonte: Revista VEJA Edição 2136 de 28 de outubro de 2009
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